domingo, 22 de setembro de 2013

Em carta, Wächter afirma que nazistas entravam no Brasil sem passaporte

Comandante da SS explica a colega nazista como fugir para a América do Sul e diz que, para o Brasil, uma carteira de identidade era suficiente













Uma carta redigida à máquina, com data de 10 de maio de 1949, é um dos tesouros históricos do sótão do Castelo Hagenberg, na Áustria, sob a guarda de Horst Wächter. O documento de duas páginas, preservado com delicadeza, apresenta detalhes sobre a famosa “Linha dos Ratos”, rota de fuga nazista acobertada pelo bispo Alois Hudal, que levou ex-oficiais de Adolf Hitler à América do Sul.
A carta, segundo Horst, foi escrita por seu pai, Otto Wächter, comandante da SS e ex-governador da Cracóvia e Galícia. O documento está endereçado a um certo Ladurner, amigo do nazista que vivia em Bolzano, na Itália, mas nunca foi enviado. Wächter morreria um mês depois de redigi-la. Os principais assuntos da missiva são estadias em Roma e rotas de fuga para Brasil e Argentina.

Ouvidos por Opera Mundi, especialistas que estudam a fuga de nazistas para a América do Sul afirmam que vários indícios sugerem a veracidade da carta. Tanto Daniel Stahl, autor de "Nazi-Jagd: Südamerikas Diktaturen und die Ahndung von NS-Verbrechen" ("Caçada aos Nazistas: Ditaduras da América do Sul e Punição aos Criminosos do Nacional-socialismo" - Editora Wallstein, Alemanha), como Gerald Steinacher, que escreveu "Nazis auf der Flucht: Wie Kriegsverbrecher über Italien nach Übersee entkamen" ("Nazistas em Fuga: Como Criminosos de Guerra fugiram pela Itália para além-mar" - Editora Fischer Taschenbuch, Alemanha), avaliam que o documento traz informações importantes sobre a rota de fuga dos aliados de Adolf Hitler.
"A rede de pessoas que possibilitaram a fuga foi muito ampla e, com certeza, agora podemos dizer que Wächter está entre elas, o que era desconhecido até hoje", afirma Stahl.

Ainda que diga que não é possível ter 100% de certeza de que a carta é verídica, Steinacher apontou que esse gênero de correspondência, "com conselhos, escrita a partir da Itália para antigos companheiros e pessoas procurando emigrar para escapar da Justiça, é comum". "Isso não significa que Wächter fosse um grande organizador, mas que deu orientações a outros."

Os papéis foram recolhidos pela mulher do oficial, Charlotte Bleckmann, anos depois de sua morte na capital italiana. Otto Wächter, que se escondia sob o nome falso Alfredo Reinhardt, teria sucumbido a uma icterícia após nadar nos canais da cidade, mas não há registros do óbito além de notícias de jornais italianos e austríacos da época.

A edição de 9 de setembro de 1949 do jornal Weltpresse confirma a morte de Wächter e pergunta, em sua manchete, sobre o paradeiro de seu arquivo, que foi destruído. A carta, segundo Horst, foi uma das centenas de documentos guardados por sua mãe. Nenhum deles fala sobre o Holocausto nos territórios governados pelo comandante da SS.

A carta

Caro Ladurner!
Eis que volto agora da cidade completamente acabado. Durante o dia a temperatura chega a graus consideravelmente mais quentes. Mas as noites esfriam maravilhosamente. Eu agora entendo porque todos os homens aqui vestem camiseta regata por baixo da camisa. Resfria-se muito facilmente com a mudança de tempo, razão pela qual o guia Baedecker e a experiência de Deterling acham aqui muito pior que no Norte.

Leia aqui o restante da carta de Wächter

Documentos necessários
Otto Wächter mantinha laços próximos com o bispo Alois Hudal e orientou na carta seu colega, Ladurner, sobre os métodos para buscar refúgio na América do Sul. O comandante da SS conseguira angariar diversas informações sobre uso de passaportes da Cruz Vermelha para fugir, exigências de oficiais de fronteira de Brasil e Argentina e vistos.
“Segundo Hu. [possivelmente o bispo Alois Hudal], passaportes da Cruz Vermelha não serão mais expedidos após o fim de maio. Essa função será então transferida para um departamento do Vaticano. Ele acredita que o documento emitido pelo Vaticano poderá ter menos valor que os atuais (que por sua vez já possuem reconhecimento bastante limitado)”, escreve o comandante da SS.
É notório que a Cruz Vermelha, no episódio mais vexatório de sua história, entregou passaportes a oficiais nazistas, entre eles Adolf Eichmann, Josef Mengele e Klaus Barbie, que fugiram - pelo menos momentaneamente - para o anonimato. Segundo pesquisa conduzida por Gerald Steinacher, da Universidade Harvard, pelo menos 120 mil discípulos de Hitler se beneficiaram dos papéis. A organização se desculpou publicamente pelo ocorrido.

Já o Vaticano, que também teve sua parcela de cumplicidade com fugitivos nazistas, nunca comentou as acusações de emitir, através de uma comissão de refugiados, identidades falsas - são elas que, muito provavelmente, Wächter cita na carta com “reconhecimento bastante limitado”.

Leia mais
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Entrada no Brasil
Wächter esclarece a Ladurner que entrar na Argentina acarreta “conhecidas dificuldades” e afirma que “candidatos” foram até o Brasil “para mudar de profissão”. “Você deverá fazer o mesmo quando estiver do outro lado, para aumentar suas chances de sucesso”, escreve o comandante da SS, para então listar as exigências do consulado brasileiro.
Governo da Polônia
São elas: passaporte da Cruz Vermelha, desde que acompanhada de documento anterior à guerra, certidão de nascimento, certidão de casamento, carteira profissional e declaração de que não era comunista. Em seguida, o nazista acrescenta que “os brasileiros na verdade não reconhecem os passaportes da Cruz Vermelha, mas se contentariam com um passaporte austríaco ou I.Karte [carteira de identidade]”.

[Foto de Otto Wächter durante seu período na Polônia]
“Além disso, é possível falar de maneira bem aberta com eles, sem que as autoridades austríacas tomem conhecimento”, afirma Otto Wächter, dando mostras de uma receptividade maior por parte dos brasileiros.
Estadia e alimentação
“Quanto a uma eventual permanência aqui [sob o zelo da Igreja Católica em Roma], seria possível lhe arranjar almoço e jantar de graça no refeitório papal, em princípio por uma semana (renovável)”, recomenda Wächter ao amigo Ladurner. “É meio primitivo, assim como a companhia, mas é o que há”, completa.
O comandante da SS tinha na manga todos os custos necessários para permanecer às escondidas com ajuda do bispo Alois Hudal e sobre o eventual financiamento de uma organização que poderia ajudá-los a fugir, que só aceitava protestantes. Ao final da carta, Wächter reafirma que a oferta principal é para ir para o Brasil.
“Se você tem interesse nas coisas daqui discutidas e ainda consegue encarar todos os obstáculos e cumprir todos os requisitos, aí sim as suas despesas e o seu tempo estarão mais que justificados. No caso de você não querer ir ao Brasil, e essa oferta vale só para lá, você poderá economizar seu dinheiro e deixar a manivela girando aqui comigo”, escreveu ele.

domingo, 1 de setembro de 2013

The Emergence of Multispecies Ethnography (Cultural Anthropology)


Abstract

June 14, 2010
A Special Issue of Cultural Anthropology
Edited by Eben Kirksey and Stefan Helmreich
In the November 2010 issue of Cultural Anthropology, Eben Kirksey and Stefan Helmreich explore how creatures previously appearing on the margins of anthropology — as part of the landscape, as food for humans, as symbols — have been pressed into the foreground in recent ethnographies.  Multispecies ethnographers are studying the host of organisms whose lives and deaths are linked to human social worlds. A project allied with Eduardo Kohn’s “anthropology of life”—“an anthropology that is not just confined to the human but is concerned with the effects of our entanglements with other kinds of living selves” (2007:4)—multispecies ethnography centers on how a multitude of organisms’ livelihoods shape and are shaped by political, economic, and cultural forces.
“Becomings”—new kinds of relations emerging from nonhierarchical alliances, symbiotic attachments, and the mingling of creative agents (cf. Deleuze and Guattari 1987:241–242)—abound in this chronicle of the emergence of multispecies ethnography, and in the essays in this collection.“The idea of becoming transforms types into events, objects into actions,” writes contributor Celia Lowe.
The work of Donna Haraway also provides one key starting point for the “species turn” in anthropology: “If we appreciate the foolishness of human exceptionalism,” she writes in When Species Meet, “then we know that becoming is always becoming with—in a contact zone where the outcome, where who is in the world, is at stake” (2008:244).
Anna Tsing’s scholarship also provides a charter for multispecies ethnographers.  In an forthcoming essay, “Unruly Edges: Mushrooms as Companion Species”, she suggests that “human nature is an interspecies relationship” (Tsing n.d.; see Haraway 2008:19).  Displacing studies of animal behavior used by social conservatives and sociobiologists to naturalize autocratic and militaristic ideologies, Tsing began studying mushrooms to imagine a human nature that shifted historically along with varied webs of interspecies dependence. Searching familiar places in the parklands of northern California for mushrooms—looking for the orange folds of chanterelles or the warm muffins of king boletes—she discovered a world of mutually flourishing companions. Aspiring to mimic the “mycorrhizal sociality” of mushrooms, Tsing formed the Matsutake Worlds Research Group—an ethnographic research team centered on matsutake, an aromatic gourmet mushroom in the genus Tricholoma, a “species cluster.” Following the matsutake mushroom through commodity chains in Europe, North America, and East Asia, this group has experimented with new modes of collaborative ethnographic research while studying scale-making and multispecies relations.
Multispecies ethnography has emerged with the activity of a swarm, a network with no center to dictate order, populated by “a multitude of different creative agents” (Hardt and Negri 2005:92). The Multispecies Salon — a series of panels, round tables, and events in art galleries held at the annual meetings of the American Anthropological Association (in 2006 and 2008) — was one place, among many others, where this swarm alighted. In November the Multispecies Salon will travel to New Orleans.  Here, at the 2010 AAA meetings, a lively group of interlocutors—wild artists and para-ethnographers—will come together to discuss the multispecies zeitgeist that is sweeping the social sciences and the humanities.

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Eben Kirksey, ”Untitled.” April 6, 2010.

The “Twins,” a chimerical pair of grubs with wings, graces the cover of the November 2010 issue of Cultural Anthropology. This ceramic piece was created by Marnia Johnston, who joined Eben Kirksey in curating the Multispecies Salon.  Only adult insects have wings. Their juvenile forms, larvae, do not. “Humans are acquiring adult characteristics, such as breasts, at an early age,” Johnston told us. “Endocrine disrupting chemicals, like Bovine Growth Hormone,” she continued, “are working on the bodies of humans and multiple other species. I want people to think about how our chemical dependencies change us and the world we live in.”

Questions for Classroom Discussion

1. What were the Science Wars?  What distinguishes emerging conversations about nature and culture in anthropology from this earlier historical moment?
2. What does anthropos mean?  As the facts of life are being remade by the biosciences, what is anthropos becoming?
3. In the Anthropocene, a new epoch in Earth’s history, are there elements of nature that exist outside of culture?

About the Authors

Eben Kirksey is a cultural anthropologist at the CUNY Graduate Center who studies the political dimensions of imagination as well as the interplay of natural and cultural history.  As a graduate student at the University of Oxford, and UC Santa Cruz, he published four articles in peer-reviewed journals and two chapters in edited books on these themes.  His doctoral dissertation and first book, “Freedom in Entangled Worlds”, is about an indigenous political movement in West Papua, the half of New Guinea under Indonesian control (forthcoming 2011).  As a National Science Foundation Postdoctoral Fellow (2008-2010), he conducted an ethnography of place at multiple biological research stations in Latin America.  Following the movement of people and organisms—across national borders and through a fragmented landscape—he studied oblique powers at play in global assemblages.
Stefan Helmreich has worked as a Postdoctoral Associate in Science and Technology Studies at Cornell University, an External Faculty Fellow at the Center for the Critical Analysis of Contemporary Culture at Rutgers University, and as Assistant Professor of Science and Society at New York University. The National Science Foundation and the Wenner-Gren Foundation have funded his research. Helmreich’s research examines the works and lives of contemporary biologists puzzling through the conceptual boundaries of “life” as a category of analysis. He has written extensively on Artificial Life, most notably in Silicon Second Nature: Culturing Artificial Life in a Digital World (University of California Press, 1998), which in 2001 won the Diana Forsythe Book Prize from the American Anthropological Association. His latest book, Alien Ocean: Anthropological Voyages in Microbial Seas (University of California Press, 2009), is a study of marine biologists working in realms usually out of sight and reach: the microscopic world, the deep sea, and oceans outside national sovereignty.
The Multispecies Salon 3: SWARM
Get Involved: CFP

Editors’ Footnotes

Cultural Anthropology has published a number of essay that map new directions in anthropology, including George Marcus’s “The End(s) of Ethnography: Social/Cultural Anthropology’s Signature Form of Producing Knowledge in Transition” (2008); Michael M. J. Fischer’s “Four Genealogies for a Recombinant Anthropology of Science and Technology” (2007); Daniel Segal’s “Editor’s Note: On Anthropology and/in/of Science”(2001); and Gary Lee Downey, Joseph Dumit, and Sarah Williams’s “Cyborg Anthropology” (1995).
Cultural Anthropology has also published essays on art and/as cultural analysis. See Kenneth George’s “Ethics, Iconoclasm, and Qur’anic Art in Indonesia” (2009), and Liam Buckley’s “Objects of Love and Decay: Colonial Photographs in a Postcolonial Archive” (2005).