David Hakken, 1999, Cyborgs@Cyberspace? An Ethnographer Looks at the Future. HAKKEN, D.avid. New York: Routledge, 1999.
Veja aqui.
Resenha feita por Adriana Dias, Doutoranda em Antropologia - UNICAMP. Publicada no OCS - Observatorio para la CiberSociedad
Um dos primeiros livros que li, a respeito da “etnografia do ciberespaço”, ou “etnografia do proto-ciberespaço”, como a define o autor (p.4) foi Cyborgs@Cyberspace? de David Hakken. O livro, muito instigante, desafia a pensar as novas tecnologias à luz de uma perspectiva antropológica.
O nome do livro problematiza a relação do homem bidimensional, tecnológico e cultural, o cyborg (p. 2-4), com o novo espaço de relações sociais, ou um novo “um tipo de formação social” (p.3), o ciberespaço. O sinal @, símbolo que, nos endereços eletrônicos indica o usuário em um domínio no qual utiliza o servidor de e-mail, o @ tem o sentido de “at”. A idéia é portanto pensar este homem bidimensional neste espaço também bidimensional, pois também é uma construção tecnológica e social.
Escrito em 1999, o livro é uma primeira tentativa de problematizar a relação entre as novas tecnologias e as praticas sociais por elas construídas, discutindo que espécie de questões podem surgir, em termos de possibilidades e perigos para o que ele denomina “arena primária da atividade humana”, ou sejam as relações sociais.
Um dos pontos mais interessantes da introdução do texto de Hakken nasce de sua constatação: os seres humanos, como seres tecnológicos e culturais devem ser analisados por uma teoria antropológica que abarque também os estudos técnicos. Para isso seria necessário pensar as identidades formadas e as relações a elas impostas, neste espaço.
Nos segundo capítulo o autor avalia a participação humana no ciberespaço, preconizando que o crescimento desta participação e sua influência sobre as relações sociais fariam deste “mundo” um grande objeto para a antropologia. Interessa-lhe pensar, como etnógrafo o ciberespaço como um lócus humano, e discutir a “revolução dos computadores” a partir de suas implicações para a vida social. Para tanto, o autor revista três décadas de desenvolvimento tecno-eletrônico para pensar o etnógrafo diante das responsabilidades teóricas, éticas e políticas que vem a tona “neste novo mundo”.
No terceiro capítulo, o mais interessante para a metodologia etnográfica, Hakken discute os pressupostos deste método, sua aplicabilidade ao “tipo de formação social” em questão, e como o conceito de “objeto de estudo” da antropologia se manteve distante dos avanços técnicos. Partindo de uma experiência etnográfica no ciberespaço, desenvolvida por Sheffield, Hakken esboça as primeiras discussões antropológicas a respeito do tema. Sem dúvida, a melhor parte do livro aparece aqui: é esta tentativa de pensar o cyborg, uma tentativa que ele divide com outros autores (Downey, 1998, Bell, 2000 e a importantíssima Harraway, 1999), pensando, de dentro da teoria antropológica, e com grande rigor, como discutir, em etnografia virtual a idéia do ciberespaço, e sua relação com o cyborg. O cyborg, neste livro é pensado como “portador da cultura”, hábil em articular tecnologia e relações sociais, atravessando identidades múltiplas e reinvenções sociais. Absolutamente bidimensional o cyborg é o humano dentro do domínio do ciberespaço, ele está @ciberespaço. E por isto empresta também ao ciberespaço a sua dupla dimensão, demarcando-o como espaço tecnológico e social, entre tecnológico e social.
A seguir, no quarto capítulo, ele recorta como esta capacidade de funcionar como um espaço híbrido, entre o cultural e o tecnológico permite ao ciberespaço servir de espaço a outras mediações, entre a ética e a política, por exemplo. Ele mostra como tecnologia é trazida ao jogo, em defesa da idéia de nação, por exemplo ou defendendo projetos políticos.
No quinto capítulo, o autor aponta como esta ambigüidade, do cyborgue e do ciberespaço apontam para relações revestidas de complexidade. E dsicute, ainda, como se comportam as identidades no ciberespaço, e os atores sociais nelas envolvidos, problematizando temas como classe, gênero, raça, entre outros.
No sexto capítulo do livro, Hakken desenvolve duas grandes aproximações analíticas, a primeira, à luz da Economia Política, que enfatiza, por demais a tecnologia, tratando-a como símbolo de progresso, e lendo todos os avanços tecnológicos diretamente como avanços sociais. A segunda aproximação, central na argumentação de Hakken não vê na tecnologia força inevitável e independente, mas também como sujeita, inclusive na leitura que se faz delas, a focas políticas. A idéia de hakken é que o ciberespaço não é amplo, apenas porque inclui o espaço físico das redes de computadores, mas ele é ampliado, na medida em que se desenvolve, politicamente, inclusive, a idéia de que “toda a sociedade” ou “a totalidade social” se utilize destas tecnologias. (pág. 216).
O texto é tão atual, que quase podemos ver as inúmeras campanhas de políticas públicas que se arvoram em resolver os problemas da “exclusão digital” passarem na frente de nossos olhos, nos interrogando porque “politicamente”, como discute Hakken elas são produzidas. Irreversível, este processo exige questionamentos éticos e políticos mais profundos.
Foi diante deste texto que pensei pela primeira vez na idéia de zoon politikon digitalis...O texto remetia-me, diretamente a questão colocada por Hannah Arendt, quando cita Aristóteles e suas únicas “duas atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas” (ARENDT, 1981, p. 34) que poderiam ser concebidas como políticas, a saber, a ação (práxis) e o discurso (lexis). Entendo o discurso como prática, pois as condições sociais de sua produção e utilização, como indicou Bourdieu, exigem que o discurso deva ser pensado ´procurando fora das palavras´, nos processos que produzem tal discurso, e que confere aos agentes ´os princípios de um poder que uma certa maneira de utilizar as palavras permite mobilizar´ (BOURDIEU 1998, p.199-200).
A tecnologia, nem as praticas e discursos (estes também práticas) por meio dela desenvolvidos e nela ambientados, jamais poderiam ser, portanto pensados como autônomos do mundo social. Neste sentido, como afirma Hakken, o ciberespaço funciona como uma arena, sujeita à forças políticas e profundamente reflexivo no mundo social. Um novo agora, digitalizado, necessita de antropólogos que o problematizem. Esta idéia central permeia o sétimo capítulo do livro: é preciso pensar a cibercultura, indagá-la, indo além do exame, nada simples, do papel da tecnologia em sua relação com a cultura, para discutir se é possível, e de que forma, etnografá-la, dando conta de como as práticas envolvidas implicam na construção da metodologia etnográfica, como concluiu o autor.
Referências:
ARENDT, H. 1981. A condição humana. São Paulo: Forense/Edusp.
BOURDIEU, Pierre. A economia das Trocas Lingüísticas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.
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