sábado, 29 de dezembro de 2007

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O neonazismo na sociedade contemporânea. Entrevista especial com Adriana Abreu Magalhães Dias

Há cerca de seis anos, Adriana Dias fazia uma matéria sobre a identidade judaica e descobriu uma série de grupos neonazistas atuando através da internet. A partir disso, ela começou a mapear os sites reducionistas. Primeiramente, encontrou 8 mil sites com sinais neonazistas, proferindo um discurso preconceituoso. A intenção era, neste momento, convencer mulheres e jovens de que existia uma raça superior, denominada pela natureza como aquela que deveria dominar o mundo: a ariana. “Hoje, são mais de 12 600 sites” que trazem neonazistas, contou Adriana na entrevista que segue, concedida com exclusividade, por telefone, à IHU On-Line.

http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_entrevistas&Itemid=29&task=entrevista&id=11037

Adriana fala sobre o tema da sua dissertação, intitulada “Os anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na Internet”. Assim, nos conta sobre a forma com que esses grupos vêm atuando, atualmente, na internet e como propaga seus discursos. Ela exemplifica alguns dos símbolos utilizados nesses espaços como forma de subliminar as mensagens racistas. Ao final da entrevista, Adriana reflete sobre que tipo de políticas públicas poderiam ser feitas para combater a disseminação das idéias neonazistas.

Adriana Dias graduou-se em Ciências Sociais, pela Unicamp, onde também realizou seu mestrado, na área de Antropologia Social. Atualmente, trabalho no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


IHU On-Line – De que forma, atualmente, os grupos neonazistas vêm atuando na internet?
Adriana Dias – Em 2002, quando eu comecei a pesquisa, eu fazia uma matéria a respeito da identidade judaica na Unicamp. Então, nós entramos em contato com movimentos do reducionismo histórico, que tenta negar a validade histórica do Holocausto, dos números de vítimas dos campos de extermínio. Pesquisando isso, eu descobri que na internet esse movimento se associa intimamente ao racismo e ao neonazismo. A partir daí, comecei o mapeamento dos sites. Eu localizei, num primeiro momento, 8 mil sites. Hoje, são mais de 12 600 sites. Desses primeiros, eu selecionei 500, que são os maiores, e dentre eles selecionei 40 que mais disponibilizam material multimídia, desde revistas para colorir com a história da raça ariana até filmes, com downloads, livros e apostilas de como se tornar neonazista. Eram os mais acessados, os que tinham mais links para outros sites, que, por sua vez, recebiam ainda mais links de outros sites. Esses 40 que eu etnografei são os grandes líderes do movimento neonazista na rede.

IHU On-Line – Que tipo de discurso é utilizado por esses grupos?
Adriana Dias – Eles utilizam um discurso marcado por uma essencialidade, bastante classificatório. Eles partem do pressuposto de que haveria raças humanas, não raça humana. Eles constroem um discurso, uma classificação racial. Auto-determinam-se puros e determinam os outros como mestiços, negros e judeus. Esses dois últimos são os inimigos. Nessa construção discursiva, estabelecem uma relação hierárquica, como se fossem os escolhidos pela natureza para dominar o mundo, para civilizar as raças, contê-las, dominá-las e organizá-las. Além disso, se consideram escolhidos para desenvolver um processo civilizatório que implicaria na dominação do branco sobre o negro e o judeu e do homem sobre a mulher. Por isso, o discurso é profundamente marcado também por um androcentrismo. Para eles, o sangue alemão faz do homem um herói e da mulher uma mãe ariana. Trata-se de um discurso muito violento, demarcado por muito ódio. Na maneira polissêmica como eles constroem as identidades, percebemos um emocional que tenta justificar racionalmente um preconceito, mas que não dá conta dessa justificativa.

IHU On-Line – Quais são os sinais peculiares que identificam esses sites?
Adriana Dias– Eu acho que é importante salientar que os sites se utilizam basicamente de mitos, de símbolos e de siglas. Isso aproxima muito a linguagem deles à linguagem nazista. Viktor Klemperer (1), que é um pesquisador lingüístico, escreveu o LTI, que é um livro que fala da linguagem totalitário do III Reich. Pode-se perceber muito a presença dessas siglas nos sites. Então, eles utilizam War, que significa White Aryan Resistence, ou seja, a resistência ariana branca. Ao mesmo tempo, utilizam certos símbolos de forma muito freqüente: a suástica, o mito de Tor, símbolos vikings (2). Esses elementos ajudam a identificar a presença neonazista. Eles mostram, ao mesmo tempo, também siglas. Por exemplo: 1488. 88 se refere à duplicidade da letra H, que é a oitava letra do alfabeto e é uma forma de dizer "Hi Hitler" em número; e o 14 é uma forma de referendar um texto, para eles, bastante sagrado, que é “Nós devemos assegurar a existência de nosso povo e o futuro das crianças brancas”. Então, é bom identificar esses elementos na internet. Se seu filho está acessando algum material que tem o 1488, é bom ficar alerta. São sinais e pistas para identificar de onde o discurso está vindo.

IHU On-Line – Como é a participação, além dessa etnografia nazista, de grupos religiosos?
Adriana Dias – Veja, o movimento neonazista, em geral, está vinculado a três grupos neopagãos, segundo os pesquisadores de Estocolmo: os odinistas, os wotenistas e os asatrú. Percebi que, dentro do movimento neonazista estadunidense, há uma presença muito forte do protestantismo e do que chamam de Igreja Ariana Unida do Cristo. Então, na verdade, eu diria que o discurso é mais religioso. Trata-se de um discurso de vinculação com a natureza quase como uma missão. Agora, eu não poderia afirmar que todos eles pertencem a uma mesma religião, porque no próprio discurso do site eles dizem: “Nós somos cristãos, pagãos, ateus, odinistas, mas somos arianos”. O que une essas pessoas não é um discurso religioso, mas sim um discurso racial.

IHU On-Line – Você constatou que o Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os estados em que os neonazistas mais se apresentam no Brasil. Como eles atuam nesses estados?
Adriana Dias – Eu imagino, pelas estatísticas das sociedades que pesquisam os crimes raciais, que haja cerca de 150 mil neonazistas no Brasil. Desses 150 mil, há o estado de Santa Catarina com cerca 45 mil simpatizantes, seguido de perto pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo. Há grupos isolados de neonazistas em Brasília, no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, em Minas Gerais, no Nordeste e no Paraná. No Brasil, é preciso deixar claro, o ativismo é organizado por células. Ele se dá em pequenos grupos, de dez a 15 pessoas, que lêem literatura em comum, dividem os episódios de raiva pública, fazem panfletagem em escolas, em pontos de comunicação e biblioteca. E, quando esses grupos são surpreendidos pelas autoridades, desconhecem vínculo com outros. Então, o ativismo por células no Brasil dificulta bastante a localização dos mesmos.

IHU On-Line – Quais são as principais diferenças na atuação em relação aos outros estados brasileiros?
Adriana Dias– O que se pode perceber é que os neonazistas do Sul do país normalmente são vinculados ao movimento separatista. É muito comum o discurso do antigo Valhalla88 (3), que foi retirado do ar e de outros sites, como o nazisulinos, os nacionais sulinos.

IHU On-Line – Você denunciou vários dos sites que descobriu serem neonazistas e proferirem discursos preconceituosos. Você teme ou sofreu algum tipo de represália por essa atitude?
Adriana Dias – Algumas vezes, em listas de discussões onde eu me apresentava, não nos sites. Nos sites eu nunca me identifiquei. Mas, nas listas de discussões em que alguém me perguntava alguma coisa, eu, algumas vezes, fui vista como uma pessoa ingênua, que estava sendo enganada pelos judeus. E já recebi algumas ameaças por e-mail e por telefone, mas são detalhes que realmente não têm grande importância. Como eu pesquiso o crime, claro, é sempre bom tomar cuidado. Por conta disso, deve-se tomar o cuidado de preservar algumas coisas.

IHU On-Line – Para você, quais são as melhores políticas para combater a disseminação das idéias neonazistas?
Adriana Dias – Eu acho que precisa haver política pública para a internet. Não de repressão, porque eu acredito que a internet é um espaço de comunicação muito interessante. No entanto, precisamos maximizar os potenciais da internet e minimizar os riscos. Mas é preciso um espaço de educação na internet, um espaço de esclarecimento. Eu acho muito importante também que os pais fiquem atentos ao tipo de conteúdo a que seus filhos estão expostos. É preciso lembrar que o Orkut (4) e o Google (5) não são para menores de idade. Então, o pai ou a mãe que permitem que o filho adolescente tenha uma conta no Orkut está permitindo que ele tenha acesso a um material com o qual ele não teria condição de lidar. Acredito que seja preciso fazer uma parceria muito forte com a sociedade civil e com a mídia para tentar discutir as questões que esses sites levantam. Apostamos que se possa reafirmar a existência de uma só raça humana e de uma dignidade que se refira a todos. Trata-se, sem dúvida, de uma luta dos direitos civis, que nos acompanha há alguns séculos e que deveríamos fazer todo o possível para, ao menos, manter no ar.

Notas:(1) Viktor Klemperer nasceu na Alemanha. Foi professor universitário de filologia românica na Universidade de Dresden até que foi demitido de suas funções em 1935, dois anos depois da chegada ao poder de Hitler. Foi um dos poucos habitantes de Dresden de origem judaica que sobreviveram ao Holocausto sem terem fugido para a Palestina ou para os Estados Unidos. Klemperer tornou-se famoso pelo diário que ele manteve relatando a sua vida em Dresden nos anos do nazismo, um período crítico da história da Alemanha. Trata-se de um documento histórico de grande valor, no qual podemos hoje ler detalhadamente as chicanas, os insultos, as cuspidelas na cara, as proibições, a prisão, o roubo da sua propriedade e outras humilhações que as autoridades nazis e a grande massa dos seus compatriotas "arianos" lhe infligiram pessoalmente todos os dias. Victor Klemperer nem sequer era judeu; era protestante. Mas seus pais eram judeus, desde logo o suficiente para que tivesse que usar a estrela de David ao peito. Em 1945, quando Dresden é bombardeada, Klemperer aproveita-se do caos nas ruas e desfaz-se da sua estrela de David, fazendo-se passar por "ariano". Foi a sua salvação.
(2) Os vikings eram guerreiros-marinheiros da Escandinávia que, entre o final do século VIII e o século XI, pilharam, invadiram e colonizaram as costas da Escandinávia, Europa e ilhas Britânicas. Embora sejam conhecidos principalmente como um povo de terror e destruição, eles também fundaram povoados e fizeram comércio pacificamente.
(3) Grupo nazista que atua através da internet desde 2001. É considerado o maior site nazista da América Latina.
(4) O Orkut é uma rede social filiada ao Google, criada em 19 de Janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkokten.
(5) Google Inc. é o nome da empresa que criou e mantém o maior site de busca da internet, o Google Search. O serviço foi criado a partir de um projeto de doutorado dos então estudantes Larry Page e Sergey Brin da Universidade de Stanford em 1996. Este projeto, chamado de Backrub, surgiu devido à frustração dos seus criadores com os sites de busca da época e teve por objetivo construir um site de busca mais avançado, rápido e com maior qualidade de links.

domingo, 9 de dezembro de 2007

O perigo da propaganda nazista na internet


Grupos que atacam negros, judeus, nordestinos e imigrantes divulgam os ideais de Adolf Hitler. Dois sites nacionais foram fechados. Material com referências Nazistas foi encontrado em Brasília, mas há grupos no Sudeste e, principalmente, no Sul

Sessenta e dois anos após a morte do maior facínora dos valores racistas no mundo, seguidores dos ideais de Adolf Hitler continuam pregando a supremacia da raça branca em sites, blogs, fóruns e comunidades. O meio mais utilizado para a prática de pedofilia, a internet, também virou espaço dos movimentos neonazistas. Um mapeamento da manifestação desses grupos identificou cerca de 13 mil páginas na rede — em língua inglesa, espanhola e portuguesa. São alimentadas por aproximadamente 40 sites principais, dos quais quatro têm origem brasileira.
Os dados fazem parte do estudo Os Anacronautas do Teutonismo Virtual: uma etnografia do neonazismo na internet. A pesquisa, de autoria da antrópologa Adriana Dias, ligada à Universidade de Campinas (Unicamp), mostra a abrangência dos grupos racistas, sua forma de expressão na rede, como arregimentam militantes e as regiões do Brasil onde a filosofia é predominante. Dos 150 mil simpatizantes do movimento neonazista no país, quase um terço — 45 mil — está em Santa Catarina.

Rio Grande do Sul e São Paulo também concentram boa parte do apoio ao movimento. “Mas há focos no Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e, como vimos há pouco, no Distrito Federal”, observa Adriana. Ela se refere à apreensão feita há menos de 15 dias, em duas residências do DF, de material com símbolos nazistas, como bandeiras com suásticas, instrumentos de tortura e vestuário com mensagens de ódio racial. Os policiais chegaram aos objetos durante investigação de um homicídio, cujos suspeitos são militantes do grupo chamado Carecas de Brasília.

Negros, judeus, homossexuais e imigrantes, sobretudo latinos, são o alvo dos bandos neonazistas. Eles pregam a dominação do “sangue ariano”, chegando a incitar o homicídio, de forma muito natural, em casos de mistura racial. “Na paranóia coletiva deles, o casamento inter-racial e a adoção de crianças negras são verdadeiros atos de genocídio contra a raça branca”, explica Adriana. “Da mesma forma, a ascensão dos negros na TV e no esporte representa uma ameaça à chamada supremacia ariana.”

Para Lúcio Castelo Branco, professor do curso de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), com doutorado na Alemanha, os integrantes de grupos neonazistas são fruto de um “vazio coletivo”. “Não acredito que sejam loucos, mas sim pessoas superficiais, do ponto de vista do conhecimento, do estudo”, afirma o sociólogo. Ele rechaça o argumento da distinção racial. “Não existe, cientificamente, raça, já que isso pressupõe variação da freqüência de genes. É um artifício falacioso para disputar espaços, promover violência gratuita. Contribuem para isso um sistema educacional em crise e uma sociedade cada vez mais materialista.”

Recrutamento
Os sites de conteúdo neonazista utilizam armadilhas para fugir da fiscalização e, ao mesmo tempo, alcançar internautas desavisados. São páginas dentro de páginas, acessadas por meio de vários links. A isca, para atrair futuros militantes, é abordar temáticas politicamente corretas, como combate à pedofilia e ao aborto. Tais práticas, quando o usuário chega ao portal neonazista, são atribuídas a negros e judeus. “É uma coisa absurda, sem a menor lógica com a realidade, que só faz sentido dentro da lógica desses grupos, totalmente contrários à luta de 300 anos de garantia dos direitos humanos”, diz Adriana.

Literatura nazista é amplamente oferecida, nos sites, para quem ainda não tem intimidade com o tema. Há também cartazes, que podem ser baixados, com dizeres racistas. Um deles afirma, sem cerimônia, que a solução para impedir o casamento inter-racial é matar. Outros exaltam a beleza da raça branca e justificam os atos de violência como forma de garantir um bom futuro para as crianças. Há portais apenas para mulheres, que na ótica conservadora nazista devem ser dedicada apenas à família. “O homem é transformado em herói. A mulher, numa boa mãe ariana”, explica a pesquisadora.

Dificuldades jurídicas

Dos quatro sites brasileiros neonazistas, incluídos na lista dos 40 mais influentes do mundo, dois foram retirados do ar em agosto deste ano, por ação do Ministério Público Federal de São Paulo. O maior deles, o Valhalla88, chegou a ter 200 mil acessos diários. Thiago Tavares, presidente da SaferNet, uma organização não-governamental de combate aos crimes na internet, explica que o neonazismo é mais difícil de ser enfrentado que a pedofilia.

“Dentro desses grupos, há pessoas especialistas em computação. Os sites são hospedados, geralmente, em servidores estrangeiros, o que dificulta muito o combate”, afirma Tavares. Segundo ele, os ordenamentos jurídicos distintos dos países em relação ao tema atravancam ainda mais o trabalho de investigação. “Pedofilia é crime em qualquer lugar. Expressar idéias neonazistas, não. É difícil, nos EUA, por exemplo, conseguir cooperação jurídica para quebrar sigilos que identifiquem os responsáveis pelos sites”, lamenta. (RM)
02/12/07

Fonte
http://correioweb.com.br/

Correio Braziliense