terça-feira, 26 de maio de 2009

Vitória contra o racismo

Postado por Marcelo

Cidade americana famosa por ter sido palco de crimes raciais na década de 60 elege o seu primeiro prefeito negro

Para o americano James Young, sua vitória pode ser comparada a uma “bomba atômica da mudança”. Famosa por ser uma das cidades mais racistas dos EUA e por ter sido o palco de um triplo homicídio de ativistas dos direitos civis na década de 60 – crime que inspirou o filme Mississippi em Chamas –, Philadelphia, no Mississippi, sul dos EUA, elegeu esta semana o primeiro prefeito negro de sua história.

Possivelmente beneficiado por um “efeito Barack Obama”, Young, 53 anos, derrotou o atual prefeito, Rayburn Waddell, por uma diferença de apenas 46 votos. Aproximadamente 55% dos 8 mil habitantes da cidade são brancos, como Waddell.– Eu não poderia imaginar isso nem em um conto de fadas. Quem poderia prever que um garoto do campo como eu se tornaria prefeito de Philadelphia? Principalmente levando em conta a forma como fomos tratados – disse Young à rede de TV CNN, derramando-se em lágrimas.

O prefeito eleito ainda recorda a época, durante sua infância, em que o grupo racista Ku Klux Klan atormentava seu bairro. Lembra também a imagem do pai segurando uma arma na sala, preparado para atirar contra qualquer um que ameaçasse a família.Philadelphia – que não deve ser confundida com a cidade homônima mais famosa, no Estado da Pensilvânia – entrou para a história dos EUA em 21 de junho de 1964. Nesse dia, três ativistas dos direitos civis – James Chaney, 21 anos, negro, Andrew Goodman, 20, e Michael Schwerner, 24, ambos brancos – foram mortos a tiros pela Ku Klux Klan na entrada da localidade.

Young afirma que, hoje, passados quase 45 anos, alguns moradores ainda não votariam nele pelo simples fato de ser negro, mas acredita que esse número vem encolhendo cada vez mais à medida que o tempo passa.– Temos alguns que jamais mudarão. É preciso conviver com isso – diz.O prefeito eleito atribui a vitória à campanha corpo-a-corpo. Um dos primeiros alunos negros a estudar em um colégio branco em Philadelphia, ele foi paramédico e também é um líder religioso pentecostal.

Philadelphia, EUA

Australiano é preso por negar Holocausto na internet

Postado por Marcelo.

Homem de 64 anos é historiador e professor aposentado
O australiano Frederick Toben foi condenado nesta quarta a três meses de prisão por negar repetidamente o Holocausto em textos publicados na internet e por possuir material revisionista.
Toben, um historiador e professor aposentado de 64 anos, foi considerado culpado de desacato por descumprir em várias ocasiões a ordem judicial que lhe obrigava a deixar de insultar os judeus no portal do Instituto de Adelaide.
O juiz do Tribunal Federal da Austrália do Sul concluiu que Toben descumpriu as ordens da corte ditadas em 2002 e em 2007 para que deixasse de violar a lei australiana contra a discriminação racial, ao se referir aos judeus que se ofendem com a negação do Holocausto como seres com uma inteligência limitada.
Os advogados de Toben apelarão contra a sentença num prazo de duas semanas.
AGÊNCIA EFE

domingo, 24 de maio de 2009

Os europeus que ajudaram Hitler no Holocausto

Georg Bönisch, Jan Friedmann, Cordula Meyer, Michael Sontheimer, Klaus Wiegrefe

Os alemães são responsáveis pelo assassinato em escala industrial de 6 milhões de judeus. Mas, surpreendentemente, o conluio de outros países europeus no Holocausto recebeu pouca atenção até há pouco tempo. O julgamento de John Demjanjuk deverá projetar luz sobre os estrangeiros que ajudaram Hitler. Ele já esteve na Alemanha antes, neste país de criminosos. Tinha 25 anos na época e seu nome de batismo era Ivan, e não John — ainda não. Ivan Demjanjuk serviu como guarda no campo de concentração de Flossenburg até pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Ele foi transferido para lá do campo da morte das SS em Sobibor, na atual Polônia. Era ucraniano, e um "travniki", um dos 5.000 homens que ajudaram o regime nazista da Alemanha a cometer o crime do milênio - o assassinato de todos os judeus da Europa, a "solução final".

"Onda de ultraje"
Matéria de "Der Spiegel" sobre europeus que colaboraram com o extermínio judeu de Hitler provocou reações na imprensa polonesa.

Saiba mais

Ele fez parte do esquema, embora fosse uma peça muito pequena no vasto maquinário do crime. Ivan Demjanjuk ficou na Alemanha do pós-guerra durante sete anos antes de emigrar para os EUA em 1952 com sua mulher e filha a bordo do General Haan. Quando chegou lá, trocou o nome para John. Estava terminado seu tempo como suposto DP, ou "displaced person" (pessoa deslocada), como os vencedores anglo-americanos chamavam as pessoas que ficaram sem teto na guerra.O DP Demjanjuk tinha vivido nas cidades de Landshut e Regensburg, no sul da Alemanha, onde trabalhou para o exército americano. Mudou-se para Ulm, Ellwangen, Bad Reichenhall e finalmente para Feldafing, junto ao lago Starnberg. Feldafing pertence à área coberta pelo tribunal distrital de Munique, e por isso Demjanjuk está detido na prisão de Stadelheim, em Munique, desde que foi deportado dos EUA, na semana passada. Sua cela mede 24 metros quadrados - extraordinariamente espaçosa para os padrões habituais de prisões.

Último grande julgamento nazista na Alemanha

Ele enfrenta acusações de ajudar e apoiar o assassinato de pelo menos 29 mil judeus em Sobibor. O julgamento poderá começar no final do verão, desde que Demjanjuk, hoje com 90 anos, seja considerado capaz de suportá-lo. Testemunhas serão chamadas a depor, mas nenhuma delas poderá identificá-lo. A única evidência está nos arquivos, mas é forte. Por duas vezes, em 1949 e 1979, o ex-travniki Ignat Danilchenko, hoje morto, afirmou que Demjanjuk foi um "guarda experiente e eficiente" que levou judeus para as câmaras de gás — "que era um trabalho cotidiano".

Demjanjuk negou a acusação totalmente. Ele diz que nunca esteve em Flossenburg ou em Sobibor, e nunca empurrou pessoas para as câmaras de gás. O ex-americano adotou a mesma tática de negação de muitos outros réus julgados por crimes de guerra desde 1945.

Mas já está claro que este último grande julgamento nazista na Alemanha será profundamente extraordinário, porque pela primeira vez colocará réus estrangeiros sob os refletores da mídia mundial. São homens que até agora receberam, surpreendentemente, muito pouca atenção - policiais ucranianos e a polícia auxiliar da Letônia, soldados romenos ou trabalhadores ferroviários húngaros, agricultores poloneses, tabeliães holandeses, prefeitos franceses, ministros noruegueses, soldados italianos - todos participaram do Holocausto na Alemanha. Especialistas como Dieter Pohl, do Instituto Alemão de História Contemporânea, estimam que mais de 200 mil não-alemães - quase o mesmo número de alemães e austríacos - "prepararam, praticaram e ajudaram em atos de assassinato".

E com frequência eles foram tão impiedosos quanto os carrascos de Hitler.

Só para dar um exemplo, em 27 de junho de 1941, um coronel da equipe do Grupo do Exército Norte da Alemanha na cidade lituana de Kaunas passou por um posto de gasolina cercado por uma multidão. Ouviu gritos de bravo e aplausos, mães erguiam seus filhos para que enxergassem melhor. O oficial se aproximou e mais tarde descreveu o que havia visto.

"No pátio de concreto havia um homem louro de cerca de 25 anos, de altura mediana, que estava descansando apoiado em um bastão de madeira grosso como seu braço e que chegava até seu peito. A seus pés havia 15 ou 20 pessoas mortas ou agonizantes. Uma mangueira jorrava água, levando o sangue para um ralo".

O soldado continuou: "Alguns passos atrás desse homem estavam cerca de 20 homens que - guardados por vários civis armados - esperavam sua terrível execução em silenciosa submissão. Chamado com um gesto rude, o próximo se adiantou em silêncio e foi (...) espancado até a morte com o bastão de madeira, e cada golpe era acompanhado de gritos entusiasmados da plateia".

Orgia de assassinatos como cerimônia nacional

Quando todos estavam mortos no chão, o assassino louro subiu no monte de cadáveres e tocou acordeão. Sua plateia cantou o hino lituano como se a orgia de assassinatos fosse uma cerimônia nacional.Como semelhante coisa pôde acontecer? Há muito tempo essa pergunta não é dirigida somente aos alemães - cuja responsabilidade principal pelo horror é indiscutível -, mas também aos perpetradores de todos os países.

O que levou o ditador romeno Ion Antonescu e seus generais, soldados, funcionários públicos e agricultores a assassinar 200 mil judeus (e talvez até o dobro disso) "por sua própria decisão", como diz o historiador Armin Heinen? Por que os esquadrões da morte no Báltico cometeram assassinatos sob ordens de alemães na Letônia, Lituânia, Belarus e Ucrânia? E por que os Einsatzgruppen alemães - "grupos de intervenção" paramilitares operados pelas SS - tiveram tal facilidade para incentivar a população não-judia a cometer massacres entre Varsóvia e Minsk?É totalmente indiscutível que o Holocausto nunca teria acontecido sem Hitler, o chefe das SS, Heinrich Himmler, e muitos, muitos outros alemães. Mas também é verdade "que os alemães por si sós não teriam conseguido efetuar o assassinato de milhões de judeus europeus", diz o historiador Michael Wild, estabelecido em Hamburgo.É uma ideia da qual muitos sobreviventes nunca duvidaram. Quando a Associação de Sobreviventes Judeus Lituanos se reuniu em Munique em 1947, aprovou uma resolução com um título inconfundível: "Sobre a culpa de grande parte da população lituana pelo assassinato dos judeus lituanos".

No Terceiro Reich, com sua burocracia azeitada, havia registros abrangentes da população judia. Mas nos territórios conquistados pelo exército alemão os asseclas de Hitler precisavam de informação, como a que foi fornecida na Holanda pelos tabeliães, cujos funcionários tiveram muito trabalho para compilar um "Registro de Judeus" preciso.E como as SS e a polícia poderiam rastrear judeus nas cidades do Leste Europeu, com sua ampla mistura de grupos étnicos, sem o apoio da população local? Poucos alemães seriam capazes de "reconhecer um judeu em uma multidão", lembra Thomas Blatt, um sobrevivente de Sobibor que pretende depor no julgamento de Demjanjuk.

Na época, Blatt era um menino louro e tentou se passar por cristão em sua casa na cidade de Izbica, na Polônia. Ele não usava a estrela amarela e tentava parecer confiante quando encontrava a polícia uniformizada.

Mas foi traído várias vezes - os alemães pagavam por informações sobre a localização de judeus - e sempre escapou, com muita sorte.Denúncias eram comunsAs denúncias eram tão comuns na Polônia que havia um termo especial para os informantes pagos - "Szmalcowniki", que antes designava uma cerca. Em muitos casos os delatores conheciam suas vítimas. E enquanto os franceses, holandeses ou belgas podiam se entregar à ilusão de que tudo acabaria bem para os judeus deportados de Paris, Roterdã ou Bruxelas para o leste, as populações do Leste Europeu sabiam o que aguardava os judeus em Auschwitz ou Treblinka.

É claro que se podem encontrar muitos exemplos inversos. Um alto oficial do Einsatzgruppe C, responsável pelo assassinato de mais de 100 mil pessoas, queixou-se de que os ucranianos não tinham "um antissemitismo acentuado, com base em motivos raciais ou ideológicos". O oficial escreveu que "há uma falta de liderança e de ímpeto espiritual para a perseguição dos judeus".

O historiador Feliks Tych estima que cerca de 125 mil poloneses salvaram judeus sem receber dinheiro por seus serviços. É claro que os criminosos sempre constituíram uma pequena porcentagem de suas respectivas populações. Mas os alemães contavam com essa minoria. As SS, a polícia e o exército não tinham efetivos suficientes para vasculhar as amplas áreas onde a liderança nazista pretendia matar todas as pessoas de origem judaica.

Nos 4.000 quilômetros que vão da Bretanha, no oeste da França, ao Cáucaso, os nazistas estavam ocupados em caçar suas vítimas, deportá-las para campos de extermínio ou locais de assassinato próximos, evitar fugas, cavar valas comuns e realizar seu sangrento trabalho. É claro que somente Hitler e seu círculo ou o exército poderiam ter detido o Holocausto.

Mas isto não invalida o argumento de que sem a ajuda de estrangeiros, milhares ou mesmo milhões dos cerca de 6 milhões de judeus assassinados poderiam ter sobrevivido.

Nos campos da morte do Leste Europeu havia até dez ajudantes locais para cada policial alemão. A proporção é semelhante nos campos de extermínio. Não em Auschwitz, que era conduzido quase inteiramente por alemães, mas em Belzec (600 mil mortos), Treblinka (900 mil mortos) ou no Sobibor de Demjanjuk. Lá, um punhado de membros das SS era auxiliado por cerca de 120 "travniki".Sem eles, os alemães nunca teriam conseguido matar 250 mil judeus em Sobibor, diz o ex-prisioneiro Blatt. Eram os travniki que guardavam o campo, conduziam todos os judeus dos vagões de trem e caminhões quando chegavam ao campo e os agrediam para que entrassem nas câmaras de gás.

O Holocausto foi um projeto europeu?

Um número tão absurdo de vítimas levanta perguntas perturbadoras, e o historiador de Berlim Götz Aly já começou a fazer algumas anos atrás: a chamada "solução final" seria na verdade um "projeto europeu que não pode ser explicado somente pelas circunstâncias específicas da história alemã"?

Ainda não há um veredicto final sobre as dimensões europeias do Holocausto.

Os franceses e italianos começaram tarde - quando a maioria dos criminosos já estava morta - a tratar de forma abrangente essa parte de sua história. Outros, como os ucranianos e lituanos, ainda se arrastam; ou, em alguns casos, apenas começaram, como na Romênia, na Hungria e na Polônia.

Desde 1945 os países invadidos e arrasados pelos exércitos de Hitler se consideraram vítimas - o que sem dúvida foram, com seu enorme número de mortos. Isso torna ainda mais doloroso admitir que muitos compatriotas ajudaram os criminosos alemães.

Na Letônia, a ajuda local foi maior que em qualquer outro lugar. Segundo o historiador americano Raul Hilberg, os letões tiveram a maior proporção de ajudantes nazistas. Os dinamarqueses estão na outra ponta da escala.

Quando a deportação dos judeus da Dinamarca estava prestes a começar, em 1943, grande parte da população ajudou os judeus a escapar para a Suécia ou os escondeu. Cerca de 98% dos 7.500 judeus da Dinamarca sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. Em comparação, apenas 9% dos judeus holandeses sobreviveram.

O Holocausto representa o ponto baixo não apenas da história alemã, mas também da europeia, como afirma o historiador Aly?

Há evidências que contestam a noção amplamente aceita de que os criminosos estrangeiros foram obrigados a ajudar os alemães a cometer os assassinatos. É verdade que os ajudantes locais arriscavam a vida quando se recusavam a ajudar os ocupantes alemães.

Isso se aplicava às unidades policiais e aos funcionários públicos na Europa Ocidental ocupada, assim como à polícia auxiliar recém-formada no Leste. Mas também é verdade que em muitos lugares as pessoas se ofereciam para servir aos alemães ou participaram de crimes sem ser obrigadas a isso.Também há a alegação muitas vezes repetida de que os governos de países aliados a Hitler não tinham opção senão entregar os cidadãos judeus aos alemães.

Isso também não é verdade. Os países dos Bálcãs, em particular, rapidamente entenderam como a "solução da questão judia" era importante para Hitler e seus diplomatas - e tentaram obter o maior preço possível por sua cumplicidade.

Também há motivos para duvidar da suposição de que os auxiliares eram sádicos patológicos. Se isso fosse verdade, deveria ser fácil identificá-los, por exemplo, no grupo de 50 lituanos que serviram sob o comando do SS Obersturmbannführer (tenente-coronel) Joachim Hamann. Os homens percorriam aldeias até cinco vezes por semana para assassinar judeus, e acabaram matando 60 mil pessoas. Bastava algumas caixas de vodca para animá-los. À noite, a tropa voltava para Kaunas e se gabava de seus crimes no refeitório.Nenhum dos lituanos havia sido criminoso antes. Eles eram "total e absolutamente normais", acredita o historiador Knut Stang.

Em quase toda parte depois da guerra os assassinos retornaram a suas vidas habituais, como se nada tivesse acontecido. Demjanjuk também era um cidadão correto. Em Cleveland, Ohio, onde vivia, era considerado um bom colega e vizinho simpático.

É a mesma coisa com os criminosos alemães. Não há um tipo de assassino identificável - é uma conclusão perturbadora a que chegaram os historiadores. Os assassinos incluíam católicos e protestantes, europeus meridionais de sangue quente e frios bálticos, extremistas de direita obcecados ou burocratas insensíveis, acadêmicos refinados ou caipiras violentos.

Entre eles estava Viktor Arajs (1910-1988), um advogado culto de uma família de agricultores letões que comandou uma unidade de mais de mil homens que percorreu a Europa Oriental assassinando em nome dos nazistas. Ou o romeno Generaru, filho de um general e comandante do gueto de Bersad, na Ucrânia, que mandou amarrar uma de suas vítimas a uma motocicleta e a arrastou até a morte.

Antissemitismo assolava a Europa

E o antissemitismo? Na década de 1930 o antissemitismo cresceu em toda a Europa porque a comoção após a Primeira Guerra Mundial e a crise econômica global haviam abalado as pessoas. No Leste Europeu, a tendência a considerar os judeus como bodes expiatórios e tentar excluí-los do mercado de trabalho era especialmente forte. Na Hungria, os judeus foram banidos de cargos públicos no final dos anos 1930, e proibidos de trabalhar em muitas profissões.

A Romênia adotou voluntariamente as Leis de Nuremberg, racistas e antissemitas, da Alemanha nazista. Na Polônia, muitas universidades restringiram o acesso de estudantes judeus. A extensão do ódio aos judeus também se reflete no fato de que após o fim da guerra, em 1945, turbas na Polônia mataram pelo menos 600, e talvez milhares, de sobreviventes do Holocausto.

No entanto, o excesso de nacionalismo parece ter sido o fator mais importante, pelo menos no Leste Europeu. Lá, muitos sonhavam com uma nação-estado livre de minorias. Nesse sentido, os judeus eram simplesmente um dos vários grupos de que as pessoas queriam se livrar. Com o avanço da Segunda Guerra, os croatas não apenas mataram judeus, mas também um número muito maior de sérvios. Os poloneses e lituanos se matavam entre si. A Romênia liquidou ciganos e ucranianos.

É difícil determinar o que motivou as pessoas a matar. Muitas vezes o nacionalismo ou o antissemitismo eram simples desculpas. Durante a guerra, ninguém passava fome na Alemanha, mas as condições de vida no Leste Europeu eram miseráveis. "Para os alemães, 300 judeus significavam 300 inimigos da humanidade. Para os lituanos significavam 300 pares de calças e 300 pares de botas", diz uma testemunha.

Era cobiça em nível pessoal. Mas também aparecia em nível coletivo. Na França, 96% das empresas "arianizadas" permaneceram nas mãos de franceses. O governo húngaro usou os bens expropriados dos judeus para ampliar seu sistema de aposentadorias e reduzir a inflação.


Bodes expiatórios para crimes de soviéticos

A vingança imaginária também teve uma participação. Os massacres da população da Polônia contra os judeus em 1941 se basearam na suposição de que os judeus formavam uma espécie de base para o regime soviético, porque os comunistas de origem judia foram por algum tempo muito representativos na burocracia soviética. Em consequência, muitas pessoas culpavam os judeus pelos crimes cometidos durante a ocupação soviética do leste da Polônia entre 1939 e 1941.

A polícia secreta de Stálin, a NKWD, mandou fuzilar ou deportar para os "gulags" os adversários reais e supostos do regime nos países bálticos, no leste da Polônia e na Ucrânia. Com o avanço das tropas alemãs, os soviéticos deixaram para trás uma sociedade profundamente traumatizada entre o Báltico e os Cárpatos - e muitas covas coletivas.

Hitler não tinha decidido todos os detalhes do Holocausto desde o início, supondo que conseguiria expulsar todos os judeus de sua esfera de influência depois de uma rápida vitória contra a União Soviética. Mas o avanço alemão contra a URSS começou a vacilar no outono de 1941, o que levantou o problema do que fazer com as pessoas amontoadas nos guetos, especialmente na Polônia. Muitos Gauleiter, oficiais das SS e altos administradores pediam que seus territórios fosse "judenfrei" ("livre de judeus"), o que significava liquidá-los. A construção dos campos de extermínio começou por Belzec, depois Sobibor, depois Treblinka.

Curso de treinamento rápido em Holocausto

Foi um programa de matança gigantesco, em que a maioria dos judeus da Polônia, 1,75 milhão de pessoas, foram assassinados. Os SS preferiam recrutar seus ajudantes entre os ucranianos ou alemães étnicos nos campos de prisioneiros de guerra, onde soldados do Exército Vermelho como Demjanjuk enfrentavam a opção de matar para os alemães ou morrer de fome.

Mais tarde, números cada vez maiores de voluntários da Ucrânia ocidental e da Galícia [sudeste da Polônia] aderiram à unidade. Os homens tinham de assinar uma declaração de que nunca haviam pertencido a um grupo comunista e não tinham ancestrais judeus. Depois eram levados para Travniki, no distrito de Lublin no sudeste da Polônia, onde eram treinados na profissão mortífera no local de uma antiga fábrica de açúcar. Em meados de 1943 cerca de 3.700 homens estavam estacionados em Travniki. O treinamento para o Holocausto levava várias semanas. Os homens das SS mostravam aos recrutas como realizar batidas e guardar os prisioneiros, muitas vezes usando sujeitos vivos. Então a unidade ia até uma cidade próxima e espancava moradores judeus e os arrancava de suas casas. Execuções eram realizadas em uma floresta próxima, provavelmente para garantir que os recrutas eram leais.

No início, os travniki foram usados para guardar propriedades e evitar o saque de depósitos de suprimentos. Depois seus amos alemães os enviaram para esvaziar os guetos em Lviv e Lublin, onde foram impiedosos na captura de suas vítimas judias. Finalmente eles foram postos para trabalhar em turnos de oito horas no campo de extermínio. "Todo mundo se colocava onde era necessário", lembrou um oficial das SS. Tudo funcionava "como um relógio".

Historiadores estimam que um terço dos travniki escapou, apesar da punição que sofreriam se fossem apanhados. Alguns foram executados por desobediência. E os outros? Por que não tentaram escapar da máquina mortífera? Por que Demjanjuk não tentou? Ele teria sido corrompido pela sensação de ter "obtido um poder total sobre os outros", como afirma o historiador Pohl? Seria a perspectiva do saque? Em Belzec e Sobibor os travniki se envolveram em um comércio animado com os habitantes das aldeias vizinhas, e lhes pagavam com objetos que haviam subtraído dos prisioneiros. Talvez houvesse outra coisa, algo ainda mais perturbador que muitas pessoas têm no fundo de sua psique: acatar ordens das autoridades, mesmo contrariando sua consciência. A obediência total e irrestrita.

Ajuda de fora no monstruoso projeto assassino

As tropas alemãs não tiveram toda a Europa continental sob suas armas na mesma medida. Fora do Terceiro Reich e dos territórios ocupados, os alemães precisaram da ajuda de governos estrangeiros em seu projeto assassino monstruoso - no oeste assim como no sul e sudeste da Europa. Seu apoio foi mais forte entre os eslovacos e os croatas, a quem Hitler deu estados próprios. Os croatas fascistas do regime Ustasha montaram seus próprios campos de concentração onde os judeus foram mortos "de febre tifóide, fome, tiros, tortura, afogamento, punhaladas e golpes de martelo na cabeça", segundo o historiador Hilberg.

A maioria dos judeus da Croácia foi morta por croatas.

O antissemitismo não estava tão enraizado na Itália e foi ordenado pelo estado em consideração aos alemães. Um comandante militar italiano em Mostar (atual Bósnia) se recusou a expulsar os judeus de suas casas porque essas operações "não estavam de acordo com a honra do exército italiano". Esse não foi o único caso. Mas está claro que o governo fantoche de Benito Mussolini de 1943 participou avidamente da perseguição aos judeus. Mais de 9 mil judeus italianos foram deportados para a morte.

Cerca de 29 mil judeus da Bélgica foram assassinados, muitos deles denunciados em troca de dinheiro. Denúncias também aconteceram na Holanda e na França. As autoridades locais obedientemente abriram caminho para a deportação dos judeus e mais tarde disseram que não suspeitavam do destino que os aguardava. Essa desculpa foi usada por asseclas, oportunistas e burocratas - uma categoria de criminosos que foi negada por muito tempo após a guerra na França, enquanto o país tentava construir o mito de que toda a população francesa se envolvera na heroica Resistência. A França ficou dividida em duas. As tropas de Hitler tinham ocupado três quintos do país, mas o sul continuou desocupado até novembro de 1942 e foi governado por um regime de direita baseado em Vichy que colaborou com os alemães.

Quantos foram traídos?
A primeira grande captura de judeus ocorreu em meados de julho de 1942 na Paris ocupada, quando quase 13 mil judeus que não tinham passaporte francês foram tirados de suas casas pela polícia local. Pelo menos dois terços dos judeus deportados da França eram estrangeiros. Os restantes consistiam em cidadãos franceses naturalizados e crianças nascidas na França filhas de judeus apátridas. A polícia "expressou repetidamente o desejo" de que as crianças também fossem deportadas, anotou um oficial das SS em julho de 1942. Quase todos os deportados acabaram em Auschwitz.

Ao todo, quase 76 mil judeus foram deportados da França e somente 3% deles sobreviveram ao Holocausto. Não se sabe quantos foram delatados pela população local. Na Holanda há um número que dá um indício da extensão das denúncias. O país tinha uma autoridade que caçava judeus em nome dos nazistas e que listava as propriedades de judeus que estavam escondidos ou já tinham sido deportados. O "departamento de registro de bens domésticos" pagava 7,50 florins por judeu que fosse localizado - cerca de 40 euros em valores atuais. O jornalista holandês Ad van Liempt analisou registros históricos e estimou que somente entre março e junho de 1943 mais de 6.800 judeus foram identificados dessa forma, e que pelo menos 54 pessoas participaram dessa caçada uma ou várias vezes. "A maioria delas fez dessa sua ocupação principal durante meses", ele diz.

O chefe da unidade era um mecânico de carros chamado Wim Henneicke, que evidentemente tinha boas conexões no submundo de Amsterdã. Ele montou uma extensa rede de informantes que lhe diziam onde havia judeus escondidos. Cerca de 100 mil judeus da Holanda foram assassinados em campos de concentração, uma proporção muito maior que na Bélgica ou na França. No entanto, em comparação com a França, os colaboradores holandeses foram rapidamente punidos depois da guerra. Cerca de 16 mil foram julgados até 1951, e quase todos, condenados. Demjanjuk é uma categoria diferente de criminoso. Ele não é um colaborador ou um caçador de cabeças, nem um policial ou o tipo que contribuiu para o Holocausto longe da matança real. Ele estava em cena, dizem os promotores em seu mandado de prisão minucioso.

O mundo terrível dos auxiliares do Holocausto

Nos próximos dias médicos vão decidir se e por quanto tempo o último capanga de Hitler em Sobibor pode ser julgado. O governo alemão quer que ele enfrente o tribunal. "Devemos isso às vítimas do Holocausto", disse o vice-chanceler Frank-Walter Steinmeier.

Os que sofreram nos campos sob travniki como Demjanjuk não têm qualquer desejo de vingança quando falam sobre isso hoje. O psicanalista americano Jack Terry, que esteve preso no campo de concentração de Flossenburg quando Demjanjuk era guarda lá, diz que bastaria que Demjanjuk "tivesse de passar apenas um dia trancado em sua cela".

O sobrevivente de Sobibor Thomas Blatt diz que "não se importa que ele vá para a prisão; o julgamento é importante para mim. Eu quero a verdade". Demjanjuk poderá dar informações sobre Sobibor - e sobre o terrível mundo dos ajudantes do Holocausto.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Polícia de São Paulo investiga 35 suspeitos de integrar grupo neonazista armado no estado

SÃO PAULO - Cerca de 35 pessoas estão sendo investigadas pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São Paulo, suspeitas de integrar o grupo neonazista liderado pelo economista Ricardo Barollo, 33 anos, preso e acusado de ser o mandante da morte de um casal de integrantes do movimento no Paraná. Segundo a delegada Margarette Barreto, titular da Decradi, cerca de 25 grupos neonazistas atuam no estado, mas o de Barollo, denominado Neuland, é considerado o mais organizado ideologicamente, possuindo inclusive atuação política. Além de São Paulo, os neonazistas estão sendo investigados no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

- O grupo tem forte atuação ideológica e não costuma executar crimes de intolerância, mas dá ordem para que outros o façam - afirma a delegada.

O grupo Neuland tem células em atuação na capital paulista, onde está o maior número de participantes, e está organizado em células nas cidades de Campinas, Sorocaba e Limeira. Além de Barollo, apenas mais um integrante do grupo foi indiciado por crime ligado à ação do grupo. Trata-se de Alessandro Martines, 31 anos, preso em 13 de junho de 2008, no município de Santo André, no ABC paulista, com 147 itens de armamentos, entre espingardas, pistolas, carabinas, carregadores, munição e facas Butterfly. O processo contra Martines foi distribuído no último dia 18 à 2ª Vara Criminal do Fórum de Santo André. Martines está sendo acusado, principalmente, por crimes vinculados ao porte ilegal de armas. Não há informação disponível sobre possível indiciamento por crime de racismo.

Segundo Margarette, o grupo paulista é considerado mais de extrema-direita do que os organizados nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No Rio Grande do Sul, cerca de 50 membros foram identificados e são monitorados.

O mapeamento do Decradi indica que o grupo Neuland produz material de propaganda nazista, como panfletos e camisetas em São Paulo. O recrudescimento da ação do grupo, com compra de armamentos em grande quantidade, teria sido, segundo a polícia gaúcha, a principal divergência que levou ao assassinato dos estudantes Bernardo Dayrell Pedroso, de 24 anos, e de Renata Waechter Ferreira, de 21 anos, ocorrido em 21 de abril passado no km 6 da BR-116, no município de Quatro Barras, no Paraná.

Os integrantes do Neuland têm entre 16 e 40 anos, mas não é descartada a presença de outros mentores. Barollo, por exemplo, aparece como financiador de cursos de informática e compra de computadores a jovens integrantes do grupo, mas não há informações de como obteve os recursos. Funcionário de uma construtora, ele recebia salário mensal em torno de R$ 10 mil, segundo o delegado Paulo César Jardim, responsável pela investigação

Margarette afirma que o grupo repudia outras organizações neonazistas em atuação no estado, principalmente por terem sido criadas na periferia e aceitarem no grupo pessoas consideradas mestiças (branco não-puro).

- Eles são de classe média e média alta e se dizem descendentes de europeus, não acham que são miscigenados e querem um país sem negros, homossexuais e judeus. Pessoas destes grupos são consideradas 'peso morto' para o país. Eles perseguem estas pessoas, mas não atuam com as próprias mãos - explica a delegada.

Grupos aliados ao Neuland são acusados de fazer panfletagem contra a criação de cotas para negros. Cinco pessoas foram presas e autuadas em flagrante por panfletagem na região do Jabaquara, na capital paulista, acusadas de integrar o grupo Resistência Ariana. Os nomes não foram divulgados. Em Campinas, células associadas ao Neuland são acusados de fazer pichações em locais de aglomeração de negros, incluindo um salão de beleza destinado a afro-descendentes.
De acordo com Margarette, integrantes de movimentos neonazistas podem ser indiciados por formação de quadrilha, desde que seja comprovada a articulação.

Chama a atenção a discriminação existente entre os próprios grupos neonazistas. Numa conversa travada pela internet, um interessado em aderir ao movimento pergunta: "Gostaria de saber (pelo fato de ter muitas discussões sobre) qual os princípios raciais básicos para um Brasileiro aderir ao movimento ... e se considerar um ariano. Claro que é necessário ser branco e ter origem européia pelo que já li, mas tenho muitas dúvidas sobre olhos e cabelo. É necessário ter olhos claros e ser loiro?. Pergunto isso pois em questão de descendência européia minha bisavó era italiana e migrou ao Brasil na 1ª Guerra. Sou branco (bem branco, não moreno como alguns farsantes) e loiro médio, mas não possuo olhos claros (apenas castanhos claros). Isso é motivo para "cartão vermelho" na entrada do movimento?"

A resposta: "Para fazer parte da iniciativa do nacionalismo branco basta que possuas ascendência branca européia pura e um comportamento que esteja de acordo com os ideais do movimento e da raça que representas. Ou seja, nós somos contra comportamentos prejudiciais como a miscigenação racial, o sexo interracial, o uso de drogas, o desrespeito às leis...Estamos lutando por uma preservação da nossa raça e cultura."

domingo, 17 de maio de 2009

Debate em torno do nazismo divide historiadores

da Sciences Humanines

Texto originalmente publicado na revista e cedido ao caderno Mais! da Folha de S.Paulo

"Poderíamos dizer que uma explicação intelectualmente satisfatória do nazismo é impossível", previne Ian Kershaw. "O fenômeno parece ultrapassar qualquer análise racional." Mais de 120 mil obras já foram escritas sobre Hitler.

Que lugar e que importância devemos atribuir a ele no interior do sistema nazista, no governo do Terceiro Reich, na elaboração da política contra os judeus e da política externa? Sobre essa questão, os historiadores se dividem entre "intencionalistas" e "funcionalistas".

Os intencionalistas dominaram as pesquisas no pós-guerra (principalmente com historiadores alemães como Friedrich Melnecke e Gerhard A. Ritter). Seus trabalhos são centrados na personalidade "demente" do Führer, seu poder ditatorial e seu antissemitismo.
Eles querem mostrar que a solução final é o resultado de um plano refletido e amadurecido que Hitler elaborou nos anos 1920 e formulou em "Minha Luta".

Outra forma de intencionalismo consiste em ampliar a intenção (do genocídio judaico) para o conjunto da população alemã.
Em 1996 o historiador americano Daniel J. Goldhagen publicou um livro que teve grande repercussão na Alemanha.
Ele declarou que havia um antissemitismo especialmente violento e profundamente enraizado entre os alemães, de modo que todos eles teriam sido cúmplices do Holocausto.

Desde os anos de 1970, porém, são as teses funcionalistas que vêm predominando na análise do nazismo, com, por exemplo, o historiador alemão Martin Broszet ou o inglês Ian Kershaw. Mais do que a vontade do ditador, eles destacam os fatores estruturais: as engrenagens e a lógica de um sistema que foi se radicalizando progressivamente.

Esse debate entre historiadores se deslocou e repercutiu de maneira passional com a "querela dos historiadores alemães", que inflamou a opinião pública e a mídia alemã ocidental no final dos anos 1980.

Em um artigo na revista "Die Zeit", o filósofo Jürgen Habermas protestou contra as teses "revisionistas" de certos historiadores (entre os quais Ernst Nolte), a quem acusou de querer relativizar o nazismo e a singularidade do Holocausto.

Às questões ética e histórica em jogo se somava um problema político: tratava-se de barrar o avanço da extrema direita alemã renascente. Os ataques disparados por vários historiadores contra os revisionistas atingiram seu alvo plenamente na Alemanha.
Na Alemanha reunificada, a memória do nazismo continua a ser uma memória exacerbada e sempre exposta a novas controvérsias.

O triunfo do carisma

Matéria da Folha. Imperdível. Postada pelo marido fantástico.

UM DOS PRINCIPAIS HISTORIADORES DO NAZISMO, O INGLÊS IAN KERSHAW MOSTRA COMO HITLER CHEGOU AO PODER E EXPLICA POR QUE O REGIME NÃO PROSPEROU EM OUTROS PAÍSES


O nazismo não nasceu do psiquismo ou de uma característica específica da
população alemã
MARTHA ZUBERMARTINE FOURKIEN

Apesar da fama que seus trabalhos sobre o nazismo lhe garantiu na comunidade internacional, Ian Kershaw continua apegado a sua Inglaterra natal.Ele concedeu a entrevista abaixo na Universidade de Sheffield, onde leciona história contemporânea. Kershaw fala de seus estudos sobre o nazismo com confiança tranquila, revelando conhecimento aprofundado de inúmeras publicações sobre o assunto.

Como esse homem sossegado se tornou um dos maiores especialistas no regime hitlerista? Um pouco por acaso, explica. Duas circunstâncias orientaram sua escolha.Por um lado, seu interesse nas questões políticas desse período e na história social; por outro, as aulas de alemão que cursou no Instituto Goethe de Manchester.Em 1972 e 1974, duas estadas na Baviera reforçaram seu interesse pela civilização alemã. Trabalhou no prestigioso Instituto de História do Tempo Presente, em Munique, dirigido pelo historiador alemão Martin Broszat.Dessa época nasceria o livro "Popular Opinion and Political Dissent in the Third Reich" [Opinião Popular e Dissenso Político no Terceiro Reich].

Uma coisa levou a outra, e várias questões começaram a despertar a curiosidade do historiador: como explicar o "sucesso" do nazismo? A população alemã era impregnada de um antissemitismo mais profundo que o antijudaísmo tradicional dos países católicos? Por que, entre todas as economias industriais e capitalistas, a Alemanha foi a única a ter produzido uma ditadura fascista tão extrema?

PERGUNTA - Hitler elaborou uma teoria política ou aproveitou circunstâncias favoráveis para instalar sua ditadura? A quem, de fato, cabe a responsabilidade pelo nazismo?

IAN KERSHAW - Hitler foi alguém que tinha opiniões muito fortes e decididas sobre qualquer assunto. Radicalizava tudo e podia igualmente bem se enfurecer rapidamente ou entusiasmar-se de maneira desmedida.Em Viena, ele era solitário e pouco sociável. Na Primeira Guerra, foi considerado um soldado muito corajoso, mas um pouco excêntrico, que se mantinha à margem dos outros.Mas em 1919, em Munique, ele se deu conta de que podia ser ouvido. Ele diz em dois momentos do livro "Minha Luta": "Então tomei consciência de que eu podia falar". Essa visão muito maniqueísta das coisas se tornou um trunfo formidável quando ele começou a falar com as pessoas nas cervejarias de Munique.Foi essa visão de conjunto, taticamente muito flexível, que lhe permitiu, nos anos 1920 e 1930, adaptar-se aos interesses mais diversos -aqueles das diferentes facções nazistas e os da população alemã.Contudo seria restritivo demais dizer que a responsabilidade pelo nazismo recai sobre um único indivíduo. É verdade que Hitler tem mais responsabilidade que qualquer outra pessoa, mas, à medida que a crise da democracia alemã foi se desenvolvendo, ele foi atraindo mais e mais pessoas.Tampouco podemos dizer que o nazismo tenha nascido do psiquismo ou de uma característica específica da população alemã. Nas eleições de 1932 e 1933, 13 milhões de alemães votaram no partido nazista, número que não representava mais do que um terço dos eleitores. Quando as eleições eram livres, Hitler nunca recebeu mais de um terço dos votos, o que significa que dois terços dos alemães não votaram nos nazistas.O que se pode afirmar é que Hitler conseguiu articular certas tendências da cultura política alemã e atrair mais e mais pessoas. Portanto, a responsabilidade pelo regime nazista cabe, ao mesmo tempo, a Hitler, o homem, e a certos setores da sociedade -mas não à sociedade alemã em sua totalidade.


PERGUNTA - Então o sr. não aprova a tese do americano Daniel J. Goldhagen, que defende que o conjunto da população alemã, fundamentalmente antissemita, foi cúmplice do nazismo e do Holocausto?

KERSHAW - É evidente que havia um antissemitismo profundo na Alemanha muito antes da Primeira Guerra. Talvez mais do que na França, mas não mais que em toda a Europa oriental -na Polônia, Romênia, Hungria, Áustria, onde Hitler nasceu, e, sobretudo, Rússia. Nos anos 1920, porém, esse antissemitismo alemão era sobretudo passivo; o antissemitismo violento -e ativo- era obra de uma pequena minoria.É claro que essa minoria despertou entre 1929 e 1932, e os eleitores que votaram no Partido Nacional Socialista alemão (ou seja, os nazistas) sabiam que estavam votando num partido que odiava os judeus. Mas os estudos que foram feitos sobre o voto nazista nesse período mostram que o antissemitismo não foi a motivação principal desses eleitores.

PERGUNTA - Foi Hitler quem decretou a "solução final"?
KERSHAW - Considerar que Hitler tenha decretado a solução final equivaleria a dizer que essa ditadura funcionava segundo as leis ditadas por ele. Acontece que o que constatamos ao estudar o período dos anos 1930 é, antes, uma forma pragmática de governar.A radicalização do nazismo se deu por etapas até 1941-42, quando a Alemanha já estava em plena guerra contra a União Soviética, visando a erradicar o "bolchevismo judaico".Para os nazistas, judeus e bolcheviques eram a mesma coisa. Desde o primeiro dia da operação Barbarossa (a invasão da União Soviética pelas tropas alemãs), não houve nenhuma ordem explícita de Hitler.É preciso destacar o papel das SS como a organização mais poderosa e mais radical do Estado nazista. Foram elas que, nessa fase, colocaram em prática a divisa de Hitler sobre ser preciso livrar a Alemanha dos judeus.No verão de 1941, na União Soviética invadida pelas tropas alemãs, esse movimento se radicalizou. Os judeus começaram a ser fuzilados às dezenas de milhares. Em setembro, 33 mil judeus foram mortos em dois dias!O que seria feito, então, com os outros judeus da Europa? O extermínio já tinha começado na União Soviética; os chefes nazistas pressionavam Hitler para deportar os judeus austríacos e alemães para o leste, e Hitler deu sinal verde. Em seguida, o mesmo passou a ser feito com os judeus da Europa ocidental (incluindo a França).Os massacres foram o resultado de um processo que se desenrolou por etapas. Hitler tinha uma visão geral das coisas, mas deixava os outros agirem em seu lugar.Não pode haver dúvida quanto a sua responsabilidade nem quanto ao fato de ele ter sido um antissemita fanático. Mas foi o sistema nazista, com sua radicalização progressiva, que levaria ao genocídio dos judeus.

PERGUNTA - Em que Hitler, como o sr. diz em seus trabalhos, foi um líder carismático?
KERSHAW - É preciso entender a palavra "carismático" em seu sentido técnico, e não no sentido usual que assumiu hoje, quando falamos do carisma de um astro da música pop ou até mesmo de John F. Kennedy.Para o sociólogo Max Weber, o carisma significa que uma comunidade se investe em uma pessoa e atribui a ela certo número de qualidades heroicas. O que retiro de Weber é que o indivíduo não necessariamente possui essas qualidades que os outros enxergam nele.No caso de Hitler, por que esse homem que descrevemos como estando à margem da sociedade, ao mesmo tempo excêntrico e tão voluntarista, começa a ser ouvido por certas pessoas?Porque ele responde às aspirações delas.Na sociedade alemã dos anos 1920, as pessoas que nunca tinham ouvido falar em Hitler consideravam que o regime era corrompido pelos políticos, que a Alemanha estava afundando e que ela precisava de um grande líder como Bismarck ou Frederico, o Grande -alguém que pudesse salvar o país dessa terrível crise política e econômica e que permitisse um renascimento nacional.Foi assim que as pessoas começaram a acreditar em Hitler.Para um megalomaníaco como ele, que naquele momento já conquistara muita autoconfiança, o caminho estava traçado: o grande personagem que salvaria a Alemanha era ele.Ele ocupava o ápice de um sistema, tendo por missão alcançar certos objetivos.Mas, por trás disso, era submetido a pressões de diferentes facções -entre as quais é preciso destacar o papel poderoso do Exército, que até 1938 teve exatamente os mesmos objetivos de expansão militar que Hitler, embora a maioria dos oficiais não fosse nazista.Durante muito tempo, os objetivos dos nazistas mais ou menos coincidiram com os de grande número de nacionalistas alemães que faziam parte das elites tradicionais do país. Podemos afirmar que as Forças Armadas, os grandes empresários, os grandes proprietários de terras e os altos funcionários apoiaram Hitler durante muito tempo, até que foi tarde demais e se viram presos numa armadilha, dentro do culto a esse líder carismático.

PERGUNTA - Um modelo como esse poderia funcionar em outro país?
KERSHAW - É preciso levar em conta que uma das causas muito importantes para a ascensão do nazismo foi a crise profunda que atingiu a Alemanha nos anos 1930.A particularidade dessa crise é que ela foi multiforme: crise do sistema político e governamental, crise econômica, social e ideológica, tudo isso associado a um sentimento de humilhação nacional devido à derrota na Primeira Guerra.A Alemanha era um país em que a democracia tinha raízes frágeis, e o sistema político instalado após a guerra (a República de Weimar) nunca chegou a ser verdadeiramente aceito, nem por grande parte da população, nem pelas elites.Quando chegou a depressão mundial, em 1929, todo o sistema que passou a ser questionado, e não apenas certos setores. Na Grã-Bretanha, por exemplo, de 1929 a 1931, houve uma crise econômica e política, mas não uma crise de Estado. Com a exceção de uma pequena minoria muito radical, ninguém cogitava em questionar o rei ou o Parlamento. O sistema era suficientemente estável para fazer frente a uma crise.Na França, os governos da Terceira República (1870-1940) foram muito frágeis. Mas a França estava no campo dos vencedores (de 1914-18) e não passava por uma crise de amplitude igual à dos países em que o fascismo se instalou.Na Alemanha, a necessidade de uma regeneração nacional era uma mensagem muito forte da qual Hitler era o portador.Alguns imaginaram que ele não permaneceria no poder por muito tempo, mas, sob o Terceiro Reich, a economia começou a crescer novamente, o Exército foi reconstituído, a Alemanha recuperou territórios que havia perdido.Os ingleses e os franceses se mostraram muito fracos diante de Hitler, que foi se fortalecendo mais e mais. Diante disso, os alemães que hesitavam ou que não gostavam de Hitler se uniram à sua volta. E a dinâmica carismática funcionava cada vez melhor.Quando a guerra chegou, já era tarde para recuar -a ditadura já estava bem instalada por um processo progressivo de radicalização. O mito só desabou com a derrota, quando o sistema se audodestruiu depois de ter exterminado mais de 5 milhões de judeus.

A íntegra desta entrevista saiu na revista francesa "Sciences Humaines". Tradução de Clara Allain.Folha Online

Leia mais sobre o debate em torno do nazismo, que divide os historiadores em "intencionalistas" e "funcionalistas", emwww.folha.com.br/091331

Comentários a respeito da matéria

Em primeiro lugar, informo que este post está sendo digitado por meu marido, por motivos de saúde. Estou ditando o post.

No início de maio, concedi entrevista aos jornalistas da IstoÉ, para uma matéria que saiu hoje denominada de: Os nazistas brasileiros, cujo subtítulo informa: Um duplo homicídio revela a existência de novos seguidores de Hitler no País, com plano político, armas e conexões no Exterior.

Muito minunciosos, os jornalistas parecem ter feito um bom trabalho. Tenho a princípio, no entanto, duas críticas de pronto: a primeira, é à capa da edição, achei de mau gosto a exposição da suástica, reavivando na memória coletiva um símbolo do hediondo regime nazi. A segunda, é ao subtítulo: não foi este duplo homicídio que revelou a existência de neonazistas no país. Há crimes cometidos por estes grupos desde a década de noventa, e na Internet, sites, blogs, fóruns, chats, listas de discussão, comunidades em redes sociais virtuais têm participantes, que promovem o neonazismo, em grande número. Apenas a comunidade no Orkut, do jornal editado pela vítima do homicídio em questão, tem mais de 400 membros (dados de acesso do dia de hoje).

Há ainda muita intolerância na Internet. Em lingua inglesa, espanhola e portuguesa, há mais de 22.000 URLs que disponibilizam material que fazem apologia ao nazismo, que negam o holocausto, que oferecem material anti-semita, que descrevem, de forma profundamente racista, o negro e o judeu como "inimigos", que apresentam um discurso absurdamente homofóbico, que enfim, se valem de um discurso demarcado pelo ódio.

Precisamos nos reconstruir como humanos, a cada dia, na luta contra essa intolerância. Assim que puder, comentarei o restante da matéria.

domingo, 10 de maio de 2009

Aniversário de Marcel Mauss


10 de maio de 1872 - Epinal, França
“não devemos confiar em nossas impressões" (Mauss, 1979:24).

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Diversidade


Acho tão lindo este logo, pela diversidade, e o blog tava tão pesado com estas notícias,

que a imagem é um alívio...


terça-feira, 5 de maio de 2009

Grupo de neonazistas presos em Curitiba recolhia doações mensais em dinheiro

CURITIBA - Um economista de São Paulo está preso em Curitiba acusado de integrar um grupo neonazista e mandar matar o casal Bernardo Dayrell Pedroso, 24 anos, e Renata Waeschter Ferreira, 21 anos. Pedroso seria um rival do economista Ricardo Barollo, 34 anos, no controle de grupos de orientação nazista no Paraná e por esse motivo, segundo a polícia, foi eliminado. O advogado do economista, Adriano Bretas, diz que seu cliente estudou a ideologia nazista, conhecia Bernardo Dayrell Pedroso, mas não participa de movimentos de ultradireita. "Portanto negamos que ele tenha dado ordem para matar Dayrell ou qualquer outra pessoa."

O grau de organização do grupo impressionou a polícia paranaense.
- Eles faziam contribuições mensais em dinheiro para alavancar esse projeto - explicou o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari. De acordo com ele, reuniões com até 100 adeptos do neonazismo foram realizadas em São Paulo, sob a liderança de Barollo.
Barollo foi preso em São Paulo. Com ele, foi apreendido farto material nazista. Também há registros de atas de reuniões e uma apostila onde se planeja a criação de novo país, batizado pela organização de "Neuland" (Terra Nova, em alemão).

A apostila tem detalhes de como seria o regime político desse novo país, da construção das casas ao processo eleitoral. "Achamos até títulos de eleitor já impressos", diz o delegado do Cope, Francisco Caricati.

Embora fosse projetado por brasileiros, o novo país teria seu território em solo europeu, livre, segundo os documentos encontrados, "da influência de negros, homossexuais e, principalmente judeus".

Além de Barollo, foram presos Jairo Maciel Fischer, 21, João Guilherme Correa, 18 anos, Rosana Almeida, 22, Gustavo Wendler, 21, e Rodrigo Mota, 19. Fischer e Correa teriam sido os autores dos disparos que mataram Bernardo e Renata, quando eles saiam de uma festa em Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba. A festa, promovida para comemorar o aniversário de Adolf Hitler, foi organizada por Pedroso. Mota seria o motorista do carro que levava Fischer e Correa e Rosana e Wendler foram responsáveis por atrair o casal para fora da festa.

MPF em SP denuncia rapaz por racismo e apologia ao nazismo através do Orkut

Publicada em 04/05/2009 às 20h18mAdauri Antunes Barbosa, O Globo

SÃO PAULO - O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo denunciou na semana passada R.C, de 21 anos, por ter praticado, induzido e incitado a discriminação e o preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional por meio do site de relacionamentos Orkut. De acordo com as investigações, o denunciado era membro da comunidade "Mate um negro e ganhe um brinde", composta por 16 pessoas, e que veiculava mensagens racistas e nazistas. (Leia também: Grupo de neonazistas preso em Curitiba recolhia doações mensais em dinheiro )

De acordo com o Ministério Público, em um tópico da comunidade, cuja discussão era qual seria o "brinde" mencionado no nome da comunidade, R.C fez a seguinte postagem, em transcrição literal: "deveria ser a eliminação de todos eles e proibir a internet gratis sei la como eh neh siegheil camaradas."

Depois que o Google, empresa dona do Orkut, identificou o usuário, a Justiça Federal autorizou a busca e apreensão na casa do denunciado, onde foram apreendidos também uma vários materiais de cunho nazista, como desenhos remetendo à suástica, folhas impressas com imagens de Hitler e correlatas, um DVD com o título "Skinheads - Força Branca" e o livro "Diário de um Skinhead", entre outros.

O procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, autor da denúncia, do grupo de combate aos crimes cibernéticos do MPF, lembrou que crimes cometidos em sites de relacionamentos serão investigados e punidos.

- A Procuradoria da República em São Paulo já ajuizou outras ações por crimes de ódio praticados na internet. Os usuários brasileiros da rede mundial de computadores precisam saber que a internet não é 'terra de ninguém', e que os crimes cometidos em redes de relacionamento como o Orkut serão investigados e punidos, na forma da lei - afirmou.

Ontem a comunidade "Mate um negro e ganhe um brinde" já não estava mais no ar no Orkut. Em fevereiro de 2006 uma outra comunidade com o mesmo nome também foi eliminada do site de relacionamentos. No entanto, vários comunidades antinazistas utilizam o mesmo tom racista. Ontem eram encontradas algumas comunidades contra os nazistas, entre elas "O nazista é um v...enrustido", com 1.634 integrantes, "Nazista lixo humano " (195), "Ñ so racista mas, odeio nazista" (117), e "Nazista bom é no paredón!!!"

O crime de racismo, conforme a Constituição, é inafiançável e imprescritível e a pena para quem incita a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional através da Internet é de dois a cinco anos de prisão. Os demais usuários da comunidade que postaram mensagens de cunho racista, segundo o MPF, são de outros estados e estão sendo investigados em outros inquéritos policiais.

sábado, 2 de maio de 2009

Polícia prende seis pessoas acusadas de prática de neonazismo no Paraná

CURITIBA - Seis pessoas foram presas por suspeita de envolvimento na morte de um casal, na semana passada, na região metropolitana de Curitiba. Segundo a Polícia Civil, o crime foi motivado por divergências políticas e disputa de poder dentro de um grupo neonazista. Ao todo, foram cumpridos 16 dezesseis mandados de busca e apreensão nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A arma do crime teria sido encontrada no Tio Grande do Sul. Além disso, foi apreendido material de apologia ao nazismo.

Segundo a polícia, grupos neonazistas na capital paranaense continuam atraindo novos simpatizantes e tornaram-se referência para adeptos do nazismo dentro e fora do Brasil. Eles planejam a criação de divisões armadas para perseguir judeus, negros, homossexuais, comunistas e qualquer grupo ou indivíduo que se oponha à ideologia de ultradireita.

As primeiras vítimas de um desses grupos foram dois simpatizantes do próprio movimento: Bernardo Dayrell Pedroso, de 24 anos, e Renata Waechter Ferreira, de 21. Ele, estudante de Direito em Minas Gerais. Ela, aluna do curso de Arquitetura na PUC/PR. O casal foi encontrado morto, ao lado do carro da jovem, na madrugada do dia 21 de abril, no km 6 da BR-116, no município de Quatro Barras.

O Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), que investiga o caso, já sabe que o casal participava de uma festa em uma chácara em Campina Grande Sul, município vizinho a Quatro Barras. O evento, que reuniu cerca de 15 pessoas era, na verdade, uma celebração do aniversário do ditador alemão Adolf Hitler (20 de abril de 1889 - 30 de abril de 1945). O encontro foi marcado pela internet e reuniu skinheads neonazistas de Curitiba e de outros estados.

Duas pessoas que estiveram na chácara, disseram que foi proibida a entrada na chácara com celulares e máquinas fotográficas. Os organizadores não queriam que fossem feitas imagens do local, decorado com bandeiras suásticas e pôsteres de Adolf Hitler.

- Fora isso, era como uma comemoração normal, com churrasco e cerveja. Sem drogas, já que drogas não são bem vistas entre nós - diz um dos participantes da festa.

A comemoração foi iniciada com um discurso que teria sido feito por um homem identificado como Bernardo Dayrell. A cada menção a Hitler, chamado de Fürher pelos participantes, as mãos eram levantadas, no tradicional cumprimento nazista. Dayrell teria organizado o encontro e discursado durante a maior parte do tempo. Tido como um "intelectual" dentro do grupo, o rapaz seria contrário às agressões praticadas contra gays e travestis em Curitiba. Para ele, esse tipo de ataque depunha contra o grupo e complicava a aceitação do movimento pela sociedade.
Em diversos fóruns e sites de nacional-socialistas e adeptos da supremacia da raça branca, Dayrell é descrito como um pensador, colaborador de publicações e revistas neonazistas.

Para Dayrell, segundo os participantes, o avanço da ideologia nazista em Curitiba e no Brasil se daria pelo convencimento da classe média com a publicação de fanzines, folhetos apócrifos, encartes em livros da biblioteca púbica e sites na internet. Em seu perfil no orkut, Dayrell cita poetas, filósofos e pensadores, a maioria deles sem relação com os pensamentos nazistas.
- Ele era muito inteligente. Escrevia muito bem e tinha um grande poder de persuasão. Foi esse carisma que atraiu a Renata - afirma um dos membros do grupo.

Renata, por sua vez, tinha mais interesse por ocultismo e pelo esoterismo, características dos grupos neonazistas, do que na ideologia política e racista. Amigos, colegas de sala e professores afirmam não ter percebido nenhum comportamento racista ou antissocial da garota.

Na chácara, o discurso de Dayrell foi bem recebido pelos participantes. Os pontos de vista dele, porém, estavam longe de representar uma unanimidade em Curitiba. Uma outra corrente do movimento neonazista defenderia a imposição do grupo pela violência, como as agressões a homossexuais praticadas na capital há algumas semanas. Esse grupo, com ramificações em São Paulo, defenderia uma linha de frente neonazista, pronta a agir com armas de fogo e a matar, caso necessário. A divergência com a estratégia adotada por Dayrell teria chegado no limite. Para garantir o controle do movimento em Curitiba, decidiram eliminá-lo.

O crime seria cometido por duas pessoas, que haviam sido proibidas por Dayrell de entrarem na festa. A dupla planejava entrar no local e matar o casal dentro da chácara. Eles teriam mudado de ideia ao constatar a presença de amigos na festa. Por isso, teriam optado por assassinar o rapaz do lado de fora. O rapaz foi morto com um único disparo na cabeça. Renata levou um tiro na nuca e um na altura da perna.

Na quinta-feira de manhã, um casal foi detido pelo Cope na Vila Isabel. Para a polícia, eles afirmaram que não sabiam da intenção do trio de matar os namorados. Nesta sexta, dois policiais do Cope, em conjunto com a polícia especial de São Paulo (Garra) prenderam Ricardo Barollo, em São Paulo. Ricardo foi preso em seu apartamento, em Moema, na zona sul de São Paulo. Segundo a polícia, Barollo teve a prisão temporária de 30 dias decretada pela Justiça do Paraná. O rapaz, cujo codinome no movimento skinhead é França, seria o mandante do crime. No apartamento dele, a polícia encontrou material neonazista, inclusive informações sobre a criação de um novo país.

França seria um dos principais mentores da criação de uma linha de frente armada dentro da organização skinhead.