Na ilusão do anonimato, brasileiros usam a internet para propagar o ódio racial. 93,5% das denúncias são de perfis e comunidades criminosas no Orkut, revela organização
Hoje, dos 180 milhões de brasileiros, cerca de 30 milhões têm acesso à internet. Ambiente considerado por muitos como privado e anônimo, a rede tem sido usada para a prática da pornografia infantil, da pedofilia e a disseminação do ódio racial, de gênero e sexual. Um grupo de profissionais das áreas de Direito e Informática, de professores a desenvolvedores de software, cientistas da computação e pesquisadores, se uniu e começou a discutir em 2004 uma possibilidade de detectar e combater esses crimes, o que ainda não era feito sistematicamente no país.
Em dezembro de 2005, nasceu a SaferNet Brasil, primeira organização não-governamental do Hemisfério Sul dedicada exclusivamente à defesa e à promoção dos Direitos Humanos na Sociedade da Informação. Antes dela não existia um canal de denúncia, apenas ações isoladas de algumas organizações que eventualmente recebiam denúncias e não sabiam para onde encaminhá-las.
“A criação da Safernet foi exatamente com esse objetivo de suprir esta lacuna,afirma Thiago Tavares Nunes de Oliveira, presidente e diretor de Projetos da SaferNet e um de seus fundadores.
oferecer um serviço de natureza e relevância pública para combater este tipo de
uso indevido, ilegal que se faz da internet”,
Para isso, criaram um projeto de recebimento de denúncias anônimas de crimes e violações contra esses direitos. A equipe de seis pessoas rastreia as denúncias e redige as notícias-crime, que são encaminhadas às autoridades.
“Uma vez recebida, a denúncia é rastreada e a nossa equipe produz um relatórioexplica Thiago. A organização atua na base do voluntariado e é mantida pelos próprios fundadores. Das 188.553 denúncias recebidas entre 30/01/2006 e 10/10/2006, 30.221 foram de racismo e neonazismo (16,1%).
na forma de uma notícia-crime, que traz o conjunto de informações coletadas na
rede e que vão servir como fonte de informação para que a Polícia Federal ou o
Ministério Público Federal (MPF) possam instaurar um procedimento de
investigação, um Inquérito Policial para investigar aquele crime, identificar os
autores, processá-los e puni-los na forma da lei. Já foram produzidas mais de
600 páginas de notícias-crime apenas neste ano”,
Para garantir o anonimato do denunciante e possibilitar que ele acompanhe também de forma anônima seu andamento a SaferNet criou um sistema de gerenciamento em que no momento em que o cidadão informa a URL (endereço do site ou página) que ele quer denunciar, o sistema gera automaticamente um número aleatório que identifica aquela denúncia. “
Com aquele número ele pode voltar ao nosso site sempre que quiser e verificar oexplica. Além dos relatórios diários que produz e encaminha às autoridades, a SaferNet produz relatórios específicos. O primeiro foi sobre a pornografia infantil e a pedofilia no Orkut, entregue no dia 15 de agosto ao MPF de São Paulo e à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. E agora está terminando o segundo, sobre crimes de ódio, que, explica Thiago, são racismo, neonazismo, intolerância, xenofobia, homofobia e apologia ou incitação a crimes contra a vida. Ele ressalta que todas as conclusões e considerações do relatório têm como base casos concretos, que foram denunciados para as autoridades e cujas provas foram colhidas e preservadas pela SaferNet Brasil.
andamento da denúncia de forma completamente anônima. Basta que ele guarde o
número”,
“Nesta pesquisa selecionamos mais de trinta casos para estudo, de comunidades eexplica. A Vira teve acesso à integra do que foi produzido até o momento neste relatório, que deve estar pronto até o final de outubro. Thiago destaca que o objetivo do trabalho é mais do que mostrar números. É revelar a forma como esses crimes se processam, como os criminosos agem.
perfis que são criados, por isso ele [o relatório] não pode se tornar público.
Contém imagens, mostra como acontece”,
“É um estudo sobre o “modus operandi” (metodologia de ação) do crime, que
servirá de fonte de estudo para as autoridades responsáveis pela investigação
destes crimes de ódio na internet.”
Hoje a SaferNet é operada em parceria com o MPF em São Paulo e está em busca de financiadores. É a central nacional de denúncia de crimes cibernéticos. Thiago, que é professor de Direito da Informática e de Informática Jurídica da Universidade Católica do Salvador e desde 2000 tem participado dos principais congressos e fóruns internacionais sobre Propriedade Intelectual, Governança da Internet e Software Livre, conta que a Comissão Européia investe anualmente 8 milhões de euros para financiar as ações de combate aos crimes cibernéticos.
No Brasil, o que existe hoje é um Grupo de Trabalho incumbido da missão de elaborar o Plano Nacional de Enfrentamento à Pedofilia e Pornografia Infantil na Internet.
“Este plano está em fase de elaboração, uma vez aprovado, esperamos que as ações
que estão previstas no Plano sejam levadas a cabo e com isso tenhamos parceiros
que possam financiar essas ações.”
O Procurador da República e coordenador do Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos do MPF, Sérgio Suiama, diz que o grupo nasceu em 2003 na Procuradoria da República em São Paulo.
“Temos cerca de 300 procedimentos em andamento e quase metade deles diz respeito a crimes de ódio, principalmente em comunidades do Orkut”,conta. São crimes praticados por brasileiros em sites brasileiros ou em sites estrangeiros. Suiama indica a SaferNet como o melhor canal para denúncia de crimes de racismo na internet.
Atualmente a organização está discutindo com o Comitê Gestor da Internet uma forma de padronizar a geração de indicadores que possam ser considerados oficiais da internet brasileira na área de crimes cibernéticos contra os Direitos Humanos.
“Possivelmente em dezembro deste ano nós já teremos um sistema pronto comconta Thiago. O sociólogo Marco Fonseca, 41 anos, pesquisa desde 1997 atos ilícitos na internet e já escreveu artigos e publicações acadêmicas sobre o assunto. Em 1998 foi premiado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) com o trabalho A Rede do mal: conexões entre o tráfico de Drogas e a Internet. Radicado nos EUA há cinco anos, desde 2001, pesquisa comportamento em comunidades nos EUA e na Europa. Em novembro de 2004, criou a comunidade “Web justice, QG da Diversidade”, bem antes de toda polêmica sobre crimes no Orkut. “Decidi criá-lo por entender que a internet será o principal veículo de comunicação de grupos radicais, extremistas, terroristas, supremacistas raciais e máfias”, conta. Seu objetivo é listar comunidades e perfis extremistas e ofensivos às minorias. É uma fonte para pesquisadores, jornalistas e autoridades. “Já mobilizamos internautas contra o comportamento desses grupos extremistas e também colocamos esse tema nas páginas dos jornais”, revela.
capacidade de gerar esses indicadores em tempo real que será disponibilizado na
página do Comitê Gestor da Internet e também na página da SaferNet
Brasil. Por enquanto esses números são internos e são fornecidos mediante
solicitação de qualquer pessoa”,
Marco ainda está mapeando dados do racismo, mas diz que estudos nos EUA apontam para mais de 6 milhões de páginas que fomentam ódio. O que chama sua atenção em relação ao racismo é o perfil do internauta. “Ele desenvolve uma análise simplista e cada vez mais recorre a teorias racistas do século passado”, explica. O sociólogo diz que seu interesse não é punir, mas entender. Para ele é a rede tem potencial para o ódio por garantir o anonimato e também porque alguns países permitem que conteúdos de ódio sejam alojados nos servidores. Marco indica a SaferNet como opção para denúncias e recomenda a ADL (www.adl.org), que, segundo ele, é uma das mais antigas organizações anti-ódio e anti-racismo. “A www.tolerance.org também é muito interessante porque combate o ódio nas escolas”.
Fora da Lei
A Justiça brasileira tem enfrentado problemas para chegar à identificação de alguns criminosos. O maior deles acontece com a Google Brasil, que se recusa a cumprir as leis brasileiras. Filial da estadunidense Google Inc., proprietária do site de relacionamentos Orkut, a empresa declarou que os casos envolvendo racismo e crime de ódio no Orkut vão seguir a lei americana e não a brasileira. Ainda que estes crimes estejam sendo praticados no Brasil por brasileiros e contra brasileiros.
No Orkut, as informações estão publicamente disponíveis para um universo de usuários que passa de 27 milhões, sendo 70% deles declaradamente brasileiros. “A investigação, a pesquisa e a identificação destas páginas, comunidades e perfis do Orkut não é difícil. A dificuldade é identificar a autoria, porque só quem tem esta informação é a Google e a Google Brasil”, explica Thiago Tavares. Segundo o presidente da SaferNet, eles alegam que estão no Brasil apenas para ganhar dinheiro.
Mas a resposta tem sido dura. O MPF ingressou com uma ação civil pública, com um pedido de uma indenização de mais de 130 milhões de reais pelos danos causados à sociedade brasileira com o pedido também de que a Justiça determine o imediato cumprimento das decisões judiciais não cumpridas pela Google Brasil, que obrigam a empresa a fornecer as informações destes pedófilos, racistas e neonazistas no Orkut. O Ministério Público pediu à Justiça que fixasse uma multa de 50 mil reais por dia para cada decisão não cumprida pela empresa. “É uma forma de pressioná-los pelo bolso. Acontece que a Google Brasil tem recorrido da decisão. É uma empresa brasileira, que está, portanto, obrigada a cumprir a legislação do país e se recusa. Temos uma queda de braço que está sendo travada pelo Ministério Público no judiciário, na justiça federal.”
Para Sérgio Suiama, o grande problema é em relação à Google e a alguns países, que têm tratamento diferenciado para o racismo. “A defesa da Google é que, pelo fato dos sites estarem hospedados nos Estados Unidos, é a lei americana que se aplica em relação a isso e a lei americana é totalmente complacente com esses crimes. Se aceitarmos essa tese, os crimes de ódio praticados por brasileiros no Orkut vão ficar impunes”, explica o Procurador da República.
Em outros sites brasileiros não existem problemas para obter as informações necessárias à identificação de usuários. Empresas como Uol, Terra, Ig e Click 21 assinaram um Termo de Cooperação com o MPF em São Paulo e se comprometeram a fornecer dados necessários às investigações de crimes. Se a página estiver no exterior, explica Thiago, “a gente encaminha ao canal de denúncia do país que está hospedando a página. Ele notifica o provedor e também a autoridade policial competente do país e a página também sai do ar”.
Caso Afropress
Desde o ano passado, a Agência Afroétnica de Notícias (Afropress), ¬única agência com foco na temática racial e étnica no país, vem sendo alvo de ataques de racistas e neonazistas que usam a internet para a pregação do ódio racial e da intolerância, que ameaçam inclusive a integridade física e pessoal do editor, o jornalista Dojival Vieira, e sua esposa, por meio de e-mails e mensagens no Orkut. De lá para cá já perderam a conta das vezes foram atacados e saíram do ar. “Recebemos ameaças pesadas. Minha mulher tem uma filha de 23 anos, e eles falaram: que parte do corpo da sua filha você quer receber em casa?”, conta Dojival, que têm informado regularmente o MPF, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH), a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e a Delegacia de Crimes Raciais.
Os ataques começaram quando a agência revelou o nome do primeiro acusado da prática de crime de racismo na rede:¬ o estudante Marcelo Valle Silveira Mello, do curso de Letras da Universidade de Brasília (UnB? ), que foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal com base na Lei 7.7716/89 e responde a Processo que tramita na 6ª Vara Criminal de Brasília, decisão inédita na Justiça brasileira, que pela primeira vez leva um acusado de racismo ao banco dos réus. “Os meios de comunicação em geral ainda tem a prática de omitir os nomes de acusados de crime de racismo, revelando apenas as iniciais. Nós demos o nome completo dele”, explica Dojival. A resposta veio em seguida. O jovem encaminhou um e-mail sob o codinome DROK3Z? – o justiceiro, fazendo ameaças e dizendo que eles iriam falir a Afropress. “A ameaça foi cumprida. Ficamos fora do ar durante quase uma semana. Achamos que transferindo para um provedor de uma grande empresa seria uma garantia de segurança. Foi um engano, continuamos a ser atacados. Isso para uma agência de notícias é fatal”, conta.
Marcelo pode pegar de 2 a 5 anos de cadeia por cada delito: racismo, apologia do ódio racial, uso da internet. No interrogatório em que foi ouvido, no mês passado, o jovem disse que a agência vem sendo atacada por seus amigos “para agradá-lo”. Sem hesitar, a ONG “ABC Sem Racismo, que detém os direitos sobre o Projeto Afropress, solicitou no interrogatório do jovem que fosse admitida como Assistente de Acusação do Ministério Público no caso. E foi aceita, apesar das tentativas contrárias dos advogado do estudante. Segundo Dojival é também a primeira vez no Brasil que uma entidade de combate ao racismo funciona como assistente de acusação do Ministério Público num processo contra um racista. “Nossa expectativa é que o Poder Judiciário adote uma posição exemplar nesse Processo, porque a condenação desse sujeito vai inibir os criminosos que se escondem na internet, e mais, vai demonstrar que as leis brasileiras estão sendo cumpridas para quem comete crime de racismo”, diz o jornalista.
Para o editor, os constantes ataques racistas contra o veículo configuram a violação de pelo menos três Direitos Fundamentais: o Direito à Liberdade de Expressão, o Direito à Comunicação e o Direito ao Trabalho. “A alternativa da resistência não é só a mais correta, mas a única. Se recuarmos ou desistirmos esses grupos nazi-racistas vão se declarar vitoriosos. E quais serão os próximos direitos que eles atacarão? A gente tem buscado chamar a atenção que o problema do racismo não é um problema só nosso, só dos negros, é um problema da sociedade brasileira.”
Desde janeiro deste ano, a Afropress está hospedada no provedor da Rede de Informações do Terceiro Setor (Rede Rits), que tem tido uma postura de aperfeiçoamento técnico, dificultando os ataques, e solidária. A Afropress, fundada em maio de 2004, atua sem qualquer apoio público ou privado, com o trabalho voluntário dos jornalistas que a mantém e de colaboradores esporádicos. A agência tem recebido dezenas de e-mail de solidariedade de seus leitores no Brasil e no mundo. “As pessoas começam a tomar consciência de que os ataques atingem direitos fundamentais de qualquer sociedade democrática. Acreditamos que a internet não é um veículo qualquer. É uma mídia que reúne formadores de opinião por excelência e tem a capacidade de reprodução e de influenciar outras mídias. É isso que nós temos demonstrado com esse caso.”
Caso UERJ
Cenário de crimes cibernéticos, a UERJ é exemplo de que o racismo pode se infiltrar em qualquer meio. Luis Felipe Quaresma Corbett, 29 anos, cursa Ciências Sociais na universidade e desde 2004, quando a comunidade no Orkut da UERJ foi tomada por perfis racistas, ele e um grupo de alunos iniciaram um movimento de repúdio ao racismo e à homofobia. “Tentávamos debater e derrubar os argumentos, mas era muito difícil, pois o moderador da comunidade na época apagava todos as nossas mensagens, num claro apoio aos racistas e homofóbicos”, conta. Segundo o jovem, isso só teve fim quando a moderação da comunidade passou para as mãos do ex-aluno Marco Fonseca, sociólogo criador da comunidade “WebJustice, QG da Diversidade”. Felipe cita o aluno Eduardo Chueri como um dos grandes estimuladores do racismo na universidade. “Ele participa de diversas comunidades anti-cotas, mas seu enfoque é sempre na difamação e na diminuição dos alunos cotistas, tanto do ponto de vista intelectual quanto moral”, justifica. Ele conta que algumas comunidades racistas se disfarçam de anti-cotas, como a “Contra Cotas”, a “Entrei Sem Cotas na Faculdade” e a “Cotas para Analfabetos”. Felipe acha que é difícil deter esse tipo de crime. “As pessoas confundem defender liberdade de expressão com a manutenção de coisas ofensivas à dignidade humana.”
O pernambucano Frederico Pereira de Oliveira também integrou o grupo de renovação das comunidades da UERJ, onde estuda História. “Não gosto da palavra racismo para se referir ao tipo de preconceito relacionado à cor da pele... A diferença genética entre os grupamentos humanos é mínima, insuficiente para caracterizar uma divisão em raças. Isso é um fato”, opina. O que o mobilizou foram as insistentes demonstrações de intolerância contra as políticas de cotas. Ele ressalta que por mais difundido que o acesso à internet esteja, ainda é algo acessível somente a uma parcela pequena da sociedade. “Uma parcela, portanto, ‘supostamente’ mais esclarecida e com um poder aquisitivo bem acima da faixa de pobreza. Logo os que mais tem acesso à informação é que se comportam de maneira mais intolerante em relação a abertura de novos acessos àqueles cuja cor da pele difere da sua. Isso é absurdo!”
Fred, como é conhecido, conta que a comunidade “MODER@DORES-UERJ” surgiu da iniciativa do moderador Rodrigo Marinho de fundar uma nova comunidade UERJ como alternativa à que existia. Com o êxito do projeto inicial, eles acharam certo ampliar a discussão e convidaram todos os moderadores da universidade a participarem. “O me chama mais a atenção em relação ao racismo na internet é a demagogia e a covardia. O negro é um ótimo amigo, mas não serve para casar com a nossa filha! A maneira como ainda é defendida a mentira de que o brasileiro não é preconceituoso. A idéia de miscigenação não condiz com a realidade”, desabafa.
Aos críticos, que nos primeiros meses de existências das novas comunidades contestaram o direito da existência do novo grupo, tiveram como resposta a aprovação das centenas de membros que em pouco tempo elogiaram a rotina e o cuidado na administração das novas comunidades.
Rodrigo Marinho, 20 anos, que desencadeou todo o processo, ingressará na UERJ no ano que vem pelo sistema de cotas. Foi alvo direto dos agressores. “Pensava que aquilo não aconteceria de forma alguma comigo, mas, estava enganado, então encontrei pessoas que compartilhavam com o mesmo desejo de trabalhar essa iniciativa contra o racismo na internet e o resultado foi bastante satisfatório em relação aos resultados concretos”, justifica. Rodrigo atua de maneira a dar enfoque a uma ideologia que sustente a melhoria da qualidade de vida das populações marginalizadas por falta de políticas governamentais.
“Pensava que num ambiente universitário, em nenhum momento tais reações e comportamentos ocorreriam. Foi algo que me deixou bastante surpreso”, revela. Mesmo assim ele diz que procura evitar que esses ataques afetem seu dia-a-dia, não fica se queixando o tempo inteiro com amigos e parentes. Para ele o que mais chama mais a atenção em relação ao racismo na internet é a covardia do ato, uma vez que os agressores optam por esconder suas identidades. “O que identifica as comunidades racistas da UERJ são os perfis falsos e a questão dos debates inflamados contendo um forte teor de segregação em relação ao sistema de cotas, como se o aluno Afro-Brasileiro fosse o responsável e o culpado por esse sistema existir. O argumento mais usado é de que o negro, ao optar pelo sistema, está dando um atestado de que não é capaz de entrar na universidade por mérito próprio”, conta.
A frase divulgada na comunidade “MODER@DORES-UERJ” reflete o pensamento de todos estes estudantes: “Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza, temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” (Boaventura de Souza Santos – sociólogo português).
Fique atento aos sinais!
Há quatro anos, a antropóloga paulistana Adriana Dias, 35 anos, pesquisa crimes de ódio na internet. Como resultado produziu como trabalho de conclusão do bacharelado o texto Links de Ódio: o Racismo, o revisionismo e o neonazismo na Internet, em 2005. Ela continua a pesquisa no Mestrado em Antropologia Social na Universidade de Campinas (Unicamp),agora analisando também as formas de anti-racismo na internet. (Agora é Doutorado!!!!)
Sua sensibilização para o tema veio com seu primeiro contato com o revisionismo, corrente de pensamento que prega a revisão histórica de temas ligados à formação da identidade racial, negando principalmente a realidade histórica do holocausto. Catalogando sites racistas com foco no negro e no judeu, construiu um banco de dados, com mais de 8 mil sites no mundo de perfil racista, mais de 500 deles brasileiros. Do total, Adriana etnografou* – como costuma definir – 54, sob o foco de quatro questões fundamentais: o combate à miscigenação, a orientação para divulgação de material, a negação da realidade histórica do holocausto e a pregação da superioridade da raça branca.
A pesquisadora concluiu que a maior parte deles combate o casamento interracial e a adoção de crianças negras, definindo as práticas como uma ameaça de “genocídio” à raça branca. Grande parte dá orientações para disseminação ideológica. “Alguns têm campanhas explícitas, outros simplesmente ensinam estratégias como distribuir panfletos discretos e discretamente, inserindo-os em livros esparsos em diferentes prateleiras de bibliotecas, sempre em página certa, para que um leitor desatento se depare com a mensagem ao ler o livro”, conta. Além disso, disse que foi possível detectar a imagem que os grupos fazem sobre os negros e os judeus, promovendo o que chamam de “animalização” das pessoas com esse perfil.
“Para eles, os negros são animais e deveriam ser escravos do branco. Condenam a heroização do negro no esporte pela ‘maldita mídia judaica’, que é construída só para atrair a atenção das mulheres”, aponta. Já os judeus, que também seriam animais, deveriam ser eliminados, porque representarem uma ameaça à raça branca, à medida que criam uma conspiração mundial contra os brancos. “Os sites não são anônimos, a maioria até se identifica, mas isso não quer dizer que seja uma identificação exata, a ponto até de se poder responsabilizar o autor. A maioria se diz descendente de brancos e proletários”, ressalta. Como exemplos, ela cita Wiliam Persie e David Lane, proletários estadunidenses que inclusive cumprem pena por crime de ódio.
Adriana também aponta características que de identificação de grupos racistas na internet. “O número 88 é bastante recorrente, porque é uma alusão a ‘HH’, sendo o H a oitava letra do alfabeto e ‘HH’ as iniciais de ‘Hi Hitler’.” Ela diz ainda que em chats e comunidades, usuários utilizam o “14-88” como cumprimento ou senha de identificação para atestar se o outro usuário é mesmo neonazista. “Porque, afinal, há os anti-nazistas infiltrados em comunidades para denunciar depois.”
Quanto a formas de controle, Adriana declara que todos os resultados de sua pesquisa foram enviados ao MPF. O promotor Sérgio Suiama distribuiu cópia do seu artigo para sua equipe de investigação.
* estudo descritivo das características antropológicas, sociais, culturais de um determinado povo
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