Um engenheiro preso e acusado de racismo no Campo Belo, na zona sul da capital paulista. Dois travestis atacados na zona oeste de São Paulo. Um deles, de 19 anos, morreu no local. O segundo foi alvejado pela bala que atravessou o corpo do companheiro.
Agressões a jovens que saíam da sinagoga durante o Shabat em Ribeirão Preto. Um cigano teve seus dentes de ouro arrancados por jovens que atacaram o seu acampamento. Torcidas organizadas marcam encontro pela internet para brigar em portas de estádios de futebol.
Esses fatos, nem sempre isolados, fazem parte do dia a dia da equipe de Margarete Barreto, delegada titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Com uma equipe de dois escrivães (Rivaldo Schiavelli e Ângela Ferreira), duas delegadas (Margarete, titular, e Daniela Branco, assistente) e oito investigadores a Decradi consegue trabalhar com mais precisão por meio de parcerias com entidades representantes das minorias, como a Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci), Federação Israelista de São Paulo, Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual (Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania), ONG Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades e Federação Paulista de Futebol.
Além de investigar, a Decradi realiza estudos de casos sobre intolerância. "Temos um banco de dados sobre os principais casos e autores desses crimes. Procuramos estudar o porquê da intolerância e quais os motivos que levam uma pessoa a cometer esse tipo de crime", explica Margarete.
A delegacia está em funcionamento desde 2006, mas seu nascimento deu-se em 2000, quando surgiu o Grupo de Repressão e Análise da Intolerância (Gradi) na Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo. Naquele ano, um fato norteou a direção do Gradi. O ataque a um casal de homossexuais por um grupo de skinheads na Praça da República ganhou notoriedade. "O fato fez com que começássemos a estudar as principais formas de homofobia. Ao longo do tempo descobrimos que outras minorias, além das comunidades lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT) e negra, também sofriam preconceito e intolerância, mas, dificilmente se manifestavam," informa Margarete.
"Pode parecer exagero, mas é só olhar as páginas dos jornais que vemos todos os dias, quase sem exceção, agressões a minorias, seja por sua orientação sexual, seja religiosa ou mesmo por sua cor", diz.
Cidadania perdida A criação do Gradi e, depois, da Decradi, fez com que mudassem os rumos da segurança em São Paulo. "Matérias sobre Direitos Humanos, incluindo o direito das minorias, são obrigatórias na Academia de Polícia Civil e nas escolas de formação da Polícia Militar", assegura Hédio Silva, ex-secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo.
A titular da delegacia explica que os ataques às minorias surgem de diversas maneiras. Pela internet (cyberbullying e sites neonazistas), ataques aos centros de religiões de matriz africana (candomblé e umbanda), agressões física e verbal. "As investidas não ocorrem aleatoriamente. Muitas vezes, são estudadas criteriosamente. No caso dos homossexuais, particularmente os travestis, quando acontecem, dificilmente eles registram boletim de ocorrência na delegacia, geralmente porque alguns trabalham de maneira irregular e não querem se expor," afirma.
Dimitri Sales, coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual, da Secretaria da Justiça, diz que a comunidade LGBT é historicamente vulnerável. "Ao negar o estereótipo branco, macho e adulto, fatalmente o gay perde o seu espaço, tanto na escola como no trabalho. Ele não tem o reconhecimento da cidadania. Se parte para a transexualidade, a situação piora; perde até o direito de moradia", lamenta.
Mais cidadania, menos exclusão
"O Estado de São Paulo ganhou em cidadania ao criar a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), modelo de diálogo com os movimentos sociais", diz Hédio Silva, ex-secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo. O advogado explica que a intolerância tem afetado as religiões de matriz africana (candomblé e umbanda). "Muitos sacerdotes vêm reclamando das constantes ameaças aos seus templos e terreiros", informa.
O crescimento dessa violência pode ser verificado em números. Há 12 anos, a Secretaria da Justiça realizou levantamento sobre julgamentos de crimes de discriminação religiosa e racial referente ao período de 1951 a 1996. Resultado: nove casos julgados. De 2004 a 2009, esse número saltou para 1,1 mil casos julgados. "A sociedade está mais atenta e recorre ao Judiciário toda vez que acontece um crime dessa natureza. Por isso, o número de processos julgados tem crescido exponencialmente", salienta. O Estado brasileiro tem de ter uma resposta à intolerância, e o funcionamento da Decradi e a sua manutenção podem ser o primeiro passo", finaliza.
Serviço
Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi)
Rua Brigadeiro Tobias, 527 - 3º andar - Luz - São Paulo
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