domingo, 27 de janeiro de 2013

Libertando Auschwitz


Adriana Dias
                A humanidade relembra hoje 68 anos da liberação de Auschwitz, o maior campo de concentração estabelecido pelos regime nazista. Na verdade, o complexo que recebeu o nome de Auschwitz-Birkenau, incluiu centros de concentração, de trabalho forçado e extermínio, localizados a 37 km a oeste de Cracóvia, perto da fronteira pré-guerra entre a Polônia e a Alemanha. Escolhi com cuidado a palavra relembra, porque eu não ousaria escrever celebra ou comemora: mesmo a liberação de Auschwitz, implica na existência de Auschwitz, e, portanto, torna esta data (i)comemorável e (i)celebrável.
                Ao entrar no campo, naquele 27 de janeiro de 1945, os soldados soviéticos encontraram menos prisioneiros do que se esperava: os oficiais nacional-socialistas, precavidamente, obrigaram a imensa maioria dos prisioneiros, a marchar rumo ao oeste da Alemanha nas denominadas "marchas da morte", a fim de eliminá-los, coerentemente com seu sadismo e perversidade, no caminho. Os milhares de prisioneiros esqueléticos, no entanto, eram a prova do extermínio em massa efetuado em Auschwitz. Centenas de milhares de ternos masculinos, cerca de 800.000 vestidos, e mais de 7.000 quilos de cabelo, não foram destruídos pelos militares, em sua fuga apressada. Eram provas reais do inconcebível, imagem farta do irrepresentável.
                Naquele campo em que as cores esqueceram os homens, as cinzas caem do céu e o cheiro da morte pairava no ar, os trens estavam parados, finalmente. Não havia mais nos trens os gritos, os desesperados, os condenados. Os trens que não paravam de chegar, de toda Europa ocupada pelo estado nazi que se tornou burocraticamente uma indústria de genocídio, agora estavam parados. Mas, os homens que vieram naqueles trens e que ainda estavam naquele campo, fracos demais para caminhar até morrer, eram os rostos quase mortos que os soviéticos viam: os sobreviventes, judeus, ciganos, pessoas com deficiência, refugiados, presos políticos, gays, lésbicas, testemunhas de Jeová, uma massa humana, que partilhou por anos a fome, os apitos de madrugada, o cheiro de carne queimada, o abandono dos pássaros, o silêncio da morte e o medo da vida.
                O crematório havia parado. Os trens haviam parado. Mas, a morte estava em cada canto de Auschwitz. A humanidade relembra hoje 68 anos da liberação de Auschwitz, para que Auschwitz jamais se repita. Para que jamais o crematório volte a funcionar. Para que jamais os trens carreguem os condenados para o crematório. Para que jamais se deporte os prisioneiros condenados para os trens. Para que jamais se façam as listas dos que devem ser deportados. Para que jamais se pense em deportar para a morte os que não consideramos cidadãos. Para que jamais seja possível legalizar um não cidadão como não humano. Para que jamais seja possível pensar, no seio da humanidade em classificar humanos e sub-humanos.
                A humanidade relembra hoje 68 anos da liberação de Auschwitz. Que a lembrança de Auschwitz nos liberte de toda intolerância e nos devolva a humanidade em plenitude. Que, um dia, Auschwitz seja a memória do que como humanidade, todos, escolhemos jamais ser.

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