terça-feira, 5 de junho de 2007

De raças, racismo e sociobiologia

Nélio Rodrigues - Revista Galileu

Sérgio Danilo Pena - Professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG e presidente do Gene - Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais

Lamentavelmente o professor José Alexandre Felizola Diniz Filho entendeu de maneira equivocada as minhas declarações publicadas em GALILEU em fevereiro de 2003. A fonte da sua confusão parece ter sido o fato da palavra "raça" poder assumir diferentes significados.
Biologicamente, a raça é usada como um sinônimo de subespécie e caracterizada pela existência de linhagens evolutivas distintas dentro das espécies (Templeton, A.R. Am. Anthropol. 100: 632, 1999). Assim, a presença de diferenciação genética é uma condição necessária, embora não suficiente, para a definição de subespécies ou raças. Na prática, a diferenciação genética é mensurada comparando a variabilidade entre indivíduos dentro das raças com a variabilidade entre as raças. Como no Homo sapiens a variabilidade dentro das chamadas "raças" (grupos continentais) representa 93% a 95% da variabilidade genética total, caracteriza-se assim a ausência de diferenciação genética e, conseqüententemente, a inexistência de raças humanas.
Entretanto, a palavra "raça" também serve para denotar categorias socialmente definidas.
Em seu livro "Classes, Raças e Democracia", Antônio Sérgio Guimarães distingue a crença de que raças existam cientificamente ("racialismo") da prática odiosa de discriminação com base em "diferenças raciais" (racismo): indivíduos podem ser racialistas ou não-racialistas e, separadamente, racistas ou anti-racistas. Fica claro que a inexistência de raças do ponto de vista biológico não impede a ocorrência do racismo, já que este depende somente da existência de "raças" como construções sociais. Esta diferença entre os dois sentidos da palavra "raça" é sutil e parece ter escapado a Diniz Filho. Mas ela é importantíssima, como demonstra a polêmica sobre o pedido de habeas-corpus de Siegfried Ellwanger, atualmente sendo apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ellwanger foi condenado por crime de racismo no Rio Grande do Sul, por ter editado obras de conteúdo anti-semita. A argumentação do seu recurso perante o STF, surpreendentemente acolhida pelo ministro relator, foi de que ele não poderia ter cometido o crime de racismo previsto na Constituição, porque os judeus não compõem uma raça. Em brilhante opinião contrária, o ministro Maurício Corrêa defendeu uma interpretação "teleológica e sistêmica" da Constituição Federal, afirmando que a genética baniu de vez o conceito tradicional de raça e que a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens. O julgamento final estava previsto para o fim de abril.

Sobre o tema da sociobiologia, abordado por César Ades em carta na edição de abril, reafirmo que o paradigma de organização social humana apresentado em 1975 por Edward Wilson no livro "Sociobiology: The New Synthesis" é inaceitável, por ser reducionista e biologicamente determinista. Como Lewontin, Rose e Kamin afirmam em "Not in Our Genes": "A Sociobiologia é uma tentativa de fornecer um alicerce científico a Adam Smith [1723-1790]. Ela mistura mendelismo vulgar, darwinismo vulgar e reducionismo vulgar, a serviço do status quo". Assim, não é surpresa nenhuma que a sociobiologia tenha sido acolhida de braços abertos pela direita americana, que passou a usá-la para justificar "cientificamente" suas posições reacionárias.

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