sexta-feira, 23 de maio de 2008

Resenha - Claude Lévi-Strauss

Direto do blog do Daniel Ruoso
Análise dos conceitos básicos da obra de Lévi-Strauss

Da Natureza à Cultura

O limite entre Natureza e Cultura sempre foi, sem dúvida, um dos debates mais calorosos, senão dentro da Antropologia, entre a Antropologia e as outras ciências. A importância da determinação daquilo que é natural e daquilo que é cultural é justamente o debate daquilo que pode ser determinado ou não pela ordem biológica.
"Onde acaba a natureza? Onde começa a cultura?" [Levi-Strauss:1976, p. 42].
Para o autor, esta questão é fundamental para a própria disciplina da Antropologia, e negar essa questão seria negar a possibilidade de se estudar a própria cultura humana, uma vez que não seria possível saber o que é cultural e o que é determinado biologicamente.

Lévi-Strauss então, no Capítulo I d'As Estruturas Elementares do Parentesco, faz justamente o esforço de buscar uma maneira de identificar em que momento seria possível determinar como o fim do biológico e o início do cultural, o início do social. Para isso ele vai tratar de alguns métodos possíveis de se descobrir o limite entre o biológico e o cultural.

Para ele:

O método mais simples consistiria em isolar uma criança recém-nascida e observar
suas reações a diferentes excitações durante as primeiras horas ou os primeiros
dias depois do nascimento. Poder-se-ia então supor que as respostas fornecidas
nessas condições são de origem psicobiológicas, e não dependem de sínteses
culturais ulteriores [Levi-Strauss:1976, p. 42].

Mas hoje podemos perceber o quanto essa hipótese é absurda. Os estudos de Desenvolvimento da Criança nos mostram que só é possível pensar o desenvolvimento do ser humano a partir dos estímulos que ele recebe, e que ao contrário da afirmação de que "
a criança anda espontaneamente desde que organicamente for capaz de fazê-lo"
[Levi-Strauss:1976, p. 42],
se a criança não receber os estímulos sociais ela não irá se desenvolver. Desta forma, com aquilo que conhecemos hoje, é impossível pensar o desenvolvimento humano separado do meio social, o próprio desenvolvimento motor e intelectual está intimamente ligado ao meio social, de forma que não é possível fazer a cisão do momento que a criança trabalha somente a partir dos instintos para quando ela começa a aprender. Hoje se afirma que a criança começa a aprender mesmo dentro do útero materno.

O próprio autor, após analizar casos de crianças perdidas na mata (os "meninos-lobo") percebe a limitação desta abordagem:
A outra opção passa a ser a de procurar justamente na comparação entre o comportamento humano e o comportamento animal, colocando o comportamento humano como cultural e o animal como biológico. A utilização da "antinomia entre a cultura e a natureza" representada na relação entre homem e animal parte de um pressuposto pouco discutido de que o homem é o único animal que cria cultura. Este pressuposto, como eu disse, é pouco discutido, mas cada vez mais estão surgindo experiências que colocam isso em questão.
A opção passa a ser a de "reconhecer o esboço, os sinais precursores da cultura" nos macacos antropóides. E é a partir da análise da "promiscuidade" da forma como se dão as relações sexuais nesses grupos, que o autor chega à conclusão de que
Esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro que permita distinguir um processo natural de um proceseso cultural[Levi-Strauss:1976, p. 46].

Então se a ausência de regras é o que define essa distinção, para se determinar o limite entre natureza e cultura é preciso buscar a regra que está presente em todas as culturas, pois assim estaríamos chegando àquilo que define o início do processo de formação cultural. E esta regra, segundo o autor, é a da proibição do incesto.

Porque a proibição do incesto apresenta, sem o menor equívoco e indissoluvelmente reunidos, os dois caracteres nos quais reconhecemos os atrtibutos contraditórios de duas ordens exclusivas, isto é, constituem uma regra, mas uma regra que, única entre todas as regrgas sociais, possui ao mesmo tempo caráter de universalidade [Levi-Strauss:1976, p. 47].

A característica universal da proibição do incesto se dá, segundo o autor, pelo caráter limiar da própria questão, uma vez que essa involve algo reconhecidamente natural (o ato sexual), mas involve também algo reconhecidamente social (a regra). Para Lévi-Strauss, a regra é o elemento fundamental na caracterizaçåo da cultura.

A proibição do incesto possui ao mesmo tempo a universalidade das tendências e dos instintos e o caráter coercitivo das leis e das instituições [Levi-Strauss:1976, p. 49].

A partir da proibição do incesto, o autor explica o surgimento de instituições como o matrimônio:
a proibição do incesto obriga-os a estabelecer uma série de normas através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição das mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar [Lobato:1999].

A noção de Estrutura
Para Lévi-Strauss, a cultura é um sistema onde todas as coisas estão relacionadas de forma que a alteração de um desses elementos resultaria na alteração de todo o sistema. O que há em comum a todos esses sistemas, presentes em diferentes culturas é a estrutura. O estruturalismo de Lévi-Strauss tem, neste sentido, uma intenção de universalidade, pois ele pretende mapear aquilo que há em comum a qualquer cultura, como uma estrutura fundamental da própria condição humana.

Como qualquer proposta metodológica que tenha intenção de universalidade, o Estruturalismo também sofre do mal de ausência de critérios. Fica a cargo da competência do antropólogo chegar ou não à essas estruturas. Um bom antropólogo conseguirá perceber os elementos estruturais de uma cultura, se algo não é respondido por essa estrutura, significa que o trabalho não foi bem feito e que ocorreu algum erro de análise.

Em O Feiticeiro e a sua Magia, a proposta metodológica é apresentada de forma bastante clara. Lévi-Strauss ao tomar uma intenção parecido com a de Kant na Crítica a Razão Pura, utiliza um artifício razoavelmente semelhante, ao colocar a ciência ocidental como capaz de explicar os acontecimentos de qualquer outra cultura. O autor monta um esquema no qual a eficiência do feiticeiro está diretamente ligada ao grau de crença da sociedade na própria eficiência do feiticeiro, de forma que o mal ou o bem produzido por este seriam fruto apenas da forma como o próprio indivíduo e a sociedade agem depois da ação do feiticeiro.

Assim como Kant foi criticado por tentar fundamentar a possibilidade da ciência utilizando os resultados da própria ciência, Lévi-Strauss merece a crítica de colocar a ciência ocidental (no caso, a psicologia), acima de qualquer suspeita. Aquilo que seria uma característica do funcionamento particular daquela cultura, o autor explica através de processos de "auto-indução" criados pela ciência ocidental. Isso, apesar de representar um problema metodológico, é um dos pilares do estruturalismo, que conta que o indivíduo de uma sociedade não se dá conta das estruturas, e apenas o antropólogo (o bom antropólogo, é claro) poderá analisar aquela sociedade como uma totalidade e perceber as estruturas. No caso que estou colocando aqui, a sociedade que acredita em feitiçaria não tem consciência sobre as estruturas que as regem, e o antropólogo é quem tem como dar conta disso. No caso em questão, as "estruturas fundamentais" daquela cultura são explicadas pela ciência ocidental.

A questão que talvez não tenha ficado tão clara ao se explicar isso tudo, é que a proposta colocada por Lévi-Strauss carrega um nível complicado de etnocentrismo, a partir do momento em que ele tenta explicar o funcionamento de uma cultura através de elementos de outra, que na verdade é a própria proposta do estruturalismo.

É claro que precisamos perceber também que, mesmo que ignoremos o problema do etnocentrismo, ainda teremos o problema da ausência de critérios para se estabelecer o universal, restando apenas o método indutivo que não cabe neste trabalho criticar. Mas sem dúvida não podemos ignorar a influência deste autor ao propor um método de análise rigorosa do trabalho etnográfico, pensando a sociedade em partes que formam um todo estrutural.
mas sem dúvida, os problemas apontados não são despresíveis, uma vez que o estruturalismo foi abandonado quase que totalmente pela academia a partir da década de 1990, dando lugar ao pós-estruturalismo, que como o próprio nome já diz, só pode existir depois do estruturalismo.


Referências Bibliográficas

LOBATO, J. P. A proibição do Incesto em Lévi-Strauss. Revista Oficina: Família, seus conflitos e perspectivas sociais, n. 9 ano 6, p. 14-20, jun 1999
LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Sao Paulo: Editora da Universidade de Sao Paulo/Editora Vozes, 1976
Daniel Ruoso13/09/2004

Um comentário:

PauloCesar disse...

Oi Drica,Sei que vc manda bem no frances, donc,profitez bien..

http://youtube.com/watch?v=0hStPQRsW7Y