SaferNet: Bolsonaro agravou violência de ataques no Twitter
Ana Cláudia Barros
Evolução das denúncias de manifestações de ódio no Twitter em 2010(Fonte:SaferNet)
A máxima "a internet é um espelho fiel da sociedade" parece ainda mais cabível quando observadas as ondas de discriminação e ódio que têm emergido nos últimos meses no Twitter. Análise da evolução diária das denúncias no microblog, elaborada pela SaferNet e obtida com exclusividade por Terra Magazine, confirma o que já se suspeitava: eventos do "mundo real" impactam diretamente o ambiente virtual.
Nas cinco principais ondas de ataques e nas manifestações de menor proporção deflagradas no Twitter, no período que vai de novembro de 2010 a 16 maio deste ano, essa correlação fica evidente, conforme enfatiza o presidente da SaferNet Brasil - organização não-governamental que combate crimes contra direitos humanos na rede -, Thiago Tavares.
Ele chama a atenção para o "aumento significativo" da frequência e da violência dos ataques após a entrada em cena do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ).
- Com suas declarações polêmicas, o Bolsonaro acendeu o pavio e encorajou algumas ondas sucessivas de homofobia no Twitter e nas outras redes sociais no Brasil; Orkut principalmente - afirma, destacando a conexão entre realidade "online" e "offline".
- Se forem cruzados os dados da planilha com as notícias veiculadas na imprensa, é possível perceber ligação com fatos, como disputas no Congresso, violência a homossexuais na Avenida Paulista, chuvas no Nordeste, metrô em Higienópolis.
Sobre as ondas menores, acrescenta:
- Elas têm se apresentado constantes ao longo de 2011. Em sua maioria, foram detonadas pela polarização do debate em torno dos direitos dos homossexuais.
De acordo com Tavares, a incidência das manifestações de discriminação começou a se acirrar a partir do final do segundo semestre de 2010. Sobre os motivos deste crescimento, argumenta:
- Dois fatores são importantes e, em conjunto, ajudam a entender esses números. O Twitter se expandiu muito no Brasil do segundo semestre pra cá. Hoje, tem em torno de 15 milhões de usuários (no mundo, são cerca de 180 milhões). O aumento expressivo na base de usuários também influenciou no número de casos - diz, prosseguindo com a explicação:
- Outro fator importante foi a violência no debate eleitoral. Essa agressividade que permeou a campanha dos candidatos foi transposta para os eleitores. O clima de animosidade criou um ambiente propício para essas manifestações exacerbadas de ódio.
Evolução das denúncias de manifestações de ódio no Twitter em 2011 (Fonte:SaferNet)
De janeiro a dezembro de 2010, 2.372 tweets(mensagens postadas no microblog) com teor discriminatório foram encaminhados à Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, criada pela SaferNet e operada em parceria com os ministérios públicos federal e estaduais e a Polícia Federal.
Ao todo, foram contabilizados 23.589 denunciantes. Só de janeiro a 16 de maio de 2011, 1.181 tweets com as mesmas características foram reportados à SaferNet, quase a metade do acumulado no ano passado inteiro. Até a mencionada data, 8.942 pessoas se dispuseram a delatar os casos de discriminação. Todas as denúncias são anônimas.
"Detonadores"
O presidente da SaferNet explica que as ondas de preconceito no Twitter Brasil são desencadeadas pelo que chama de "perfis detonadores", usuários que "assumem a dianteira e inauguram uma sequência de ódio, uma gritaria generalizada".
A primeira grande onda aconteceu entre 1º e 4 de novembro do ano passado, logo após o anúncio do resultado das eleições presidenciais. Conforme a SaferNet, o perfil da estudante de Direito Mayara Petruso, apontada na época como pivô da polêmica em razão do comentário de que queria afogar os nordestinos, foi, de fato, o estopim das manifestações de preconceito. Neste período de quatro dias, 4.002 pessoas acionaram a ONG para denunciar.
Tavares comenta que foi necessário um "tratamento de choque" para estancar o tumulto na rede.
- Preparamos um relatório com 1.037 contas do Twitter, mandamos a lista para o Ministério Público e comunicamos à imprensa. Foi imediato. Cessou rapidamente.
- Se você comparar essa onda com as demais, vai perceber que as outras ondas duram, no máximo, 48, 72 horas estourando. A onda contra os nordestinos após as eleições, por sua vez, iria perdurar por mais de uma semana. Ela já durava cinco dias. Era uma atividade enorme. As mensagens estavam cada vez mais agressivas. Isso nos surpreendeu. Era uma onda absolutamente sem controle. Por isso decidimos adotar uma ação enérgica.
O segundo "tsunami" virtual foi registrado entre 17 e 19 do mesmo mês, após o lançamento, às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra, da campanha no Twitter "#HomofobiaNão". Em contraposição ao movimento, grupos conservadores criaram o perfil e a hashtag "#HomofobiaSim", o que impulsionou uma sequência de manifestações de repúdio aos homossexuais. Ao todo, 8.574 denunciaram.
Já a terceira onda, observada entre 29 e 30 também de novembro, teve como mote o neonazismo. Os alvos? Negros e gays. Os dois perfis apontados como os responsáveis pela propagação do ódio (@anjooslava e @anjonazistaheil) já não estão mais ativos, mas os comentários racistas e homofóbicos podem ser vistos via buscador Topsy, que mostra quem foram os autores da divulgação de determinado tweet e exibe as mensagens mais repassadas pelos usuários.
Entre os recados deixados pelos perfis, ataques frontais como: "Eu odeio homossexuais, desejo que todos eles tenham uma morte sofrida e dolorosa, meu sonho é um dia ver a humanidade livre dessa raça!"; "Meu avô foi brutalmente assassinado por um negro. Como eu vou defender esses lixos?"; "Rejeite o lixo multicultural! Despreze a escória homossexual!!! Não irei me acovardar, e sim massacrar"; "Esse país é um lixo, eles querem te obrigar a amar negros, homossexuais. Se for pra viver nesse lixo a minha vida toda, prefiro a morte".
A quarta grande onda, ocorrida em 28 e 29 de dezembro, também foi alavancada pela aversão aos gays, lésbicas, transexuais e bissexuais. Segundo a SaferNet, os perfis detonadores foram @contraGays e @estuproSim, este último cancelado.
A série de ataques mais recente aconteceu em 12 deste mês, após a eliminação do Flamengo na Copa do Brasil pelo Ceará. Em um único dia, 5.150 internautas, indignados com o teor das mensagens de preconceito contra nordestinos, recorreram à SaferNet.