Adriana Dias
A
humanidade relembra hoje 68 anos da liberação de Auschwitz, o maior campo de
concentração estabelecido pelos regime nazista. Na verdade, o complexo que
recebeu o nome de Auschwitz-Birkenau, incluiu centros de concentração, de
trabalho forçado e extermínio, localizados a 37 km a oeste de Cracóvia, perto
da fronteira pré-guerra entre a Polônia e a Alemanha. Escolhi com cuidado a
palavra relembra, porque eu não ousaria escrever celebra ou comemora: mesmo a liberação
de Auschwitz, implica na existência de Auschwitz, e, portanto, torna esta data (i)comemorável
e (i)celebrável.
Ao
entrar no campo, naquele 27 de janeiro de 1945, os soldados soviéticos
encontraram menos prisioneiros do que se esperava: os oficiais nacional-socialistas,
precavidamente, obrigaram a imensa maioria dos prisioneiros, a marchar rumo ao
oeste da Alemanha nas denominadas "marchas da morte", a fim de
eliminá-los, coerentemente com seu sadismo e perversidade, no caminho. Os milhares
de prisioneiros esqueléticos, no entanto, eram a prova do extermínio em massa
efetuado em Auschwitz. Centenas de milhares de ternos masculinos, cerca de
800.000 vestidos, e mais de 7.000 quilos de cabelo, não foram destruídos pelos
militares, em sua fuga apressada. Eram provas reais do inconcebível, imagem
farta do irrepresentável.
Naquele
campo em que as cores esqueceram os homens, as cinzas caem do céu e o cheiro da
morte pairava no ar, os trens estavam parados, finalmente. Não havia mais nos
trens os gritos, os desesperados, os condenados. Os trens que não paravam de
chegar, de toda Europa ocupada pelo estado nazi que se tornou burocraticamente
uma indústria de genocídio, agora estavam parados. Mas, os homens que vieram
naqueles trens e que ainda estavam naquele campo, fracos demais para caminhar
até morrer, eram os rostos quase mortos que os soviéticos viam: os
sobreviventes, judeus, ciganos, pessoas com deficiência, refugiados, presos
políticos, gays, lésbicas, testemunhas de Jeová, uma massa humana, que
partilhou por anos a fome, os apitos de madrugada, o cheiro de carne queimada,
o abandono dos pássaros, o silêncio da morte e o medo da vida.
O
crematório havia parado. Os trens haviam parado. Mas, a morte estava em cada
canto de Auschwitz. A humanidade relembra hoje 68 anos da liberação de Auschwitz,
para que Auschwitz jamais se repita. Para que jamais o crematório volte a
funcionar. Para que jamais os trens carreguem os condenados para o crematório.
Para que jamais se deporte os prisioneiros condenados para os trens. Para que jamais
se façam as listas dos que devem ser deportados. Para que jamais se pense em
deportar para a morte os que não consideramos cidadãos. Para que jamais seja
possível legalizar um não cidadão como não humano. Para que jamais seja possível
pensar, no seio da humanidade em classificar humanos e sub-humanos.
A
humanidade relembra hoje 68 anos da liberação de Auschwitz. Que a lembrança de Auschwitz
nos liberte de toda intolerância e nos devolva a humanidade em plenitude. Que,
um dia, Auschwitz seja a memória do que como humanidade, todos, escolhemos
jamais ser.