MILITARES IMPEDIRAM QUE DOM HELDER RECEBESSE NOBEL DA PAZ
PARA QUEM ACREDITA QUE O REGIME MILITAR NÃO FOI TÃO NOCIVO ASSIM (E PARA AQUELES QUE CONTINUAM PEDINDO A VOLTA DELE), UMA DEMONSTRAÇÃO DO QUÃO ESTE PERÍODO FOI TÃO NOCIVO PARA O BRASIL. MILITARES IMPEDIRAM QUE DOM HELDER RECEBESSE NOBEL DA PAZ.
No site da Adital:
Dom Helder Câmara, um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e signatário do Pacto das Catacumbas, documento que contribuiu para a formação da Teologia da Libertação na América Latina, foi difamado pelo governo ditatorial brasileiro [1964-85], através do ministério das relações exteriores, com o objetivo de impedi-lo de receber o prêmio Nobel da Paz. O ato teria sido uma represália pela sua atuação em prol dos direitos humanos dos perseguidos políticos no Brasil.
Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife [Estado de Pernambuco], mesmo indicado quatro vezes ao Nobel da Paz, entre os anos de 1970 e 1973, não pôde alcançar o reconhecimento, graças à atuação difamatória do governo brasileiro. Este produziu e difundiu entre os membros do comitê gestor do Prêmio informações que distorciam fatos de sua vida pessoal e religiosa.
Dom Helder faleceu de causas naturais, em 1999, aos 90 anos.
“No Brasil, se mata e tortura em nome da segurança nacional”
“Isso [a perseguição e difamação a dom Helder] nós já sabíamos. Mas a partir da liberação desses documentos, pudemos reunir provas da atuação da ditadura brasileira para silenciar Dom Helder”, explica em entrevista à Adital a historiadora Lucy Pina Neta, membro do Instituto Dom Helder Câmara (IDHeC), sediado em Recife.
Lucy explica que a perseguição a Dom Helder teria se intensificado a partir de um convite para ele ir à França proferir uma palestra. Era o dia 26 de maio de 1970, e se comemorava o aniversário da Revolução Francesa.
Na ocasião, sob os ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”, propostos pela revolução, Helder Câmara falou abertamente sobre a tortura e as perseguições políticas aplicadas pelo regime ditatorial brasileiro. Exemplificando os casos do religioso Frei Tito, covardemente torturado, e de um estudante pernambucano, que teria “se suicidado”, na Casa do Estudante, em Recife. “No Brasil, se mata e tortura em nome da segurança nacional”, vociferou.
“Aquele foi um ato revolucionário de um pacifista. Foi a primeira vez em que se falava sobre os casos de tortura [do governo militar] fora do Brasil. Por isso Câmara a nomeou [a palestra] ‘Quaisquer que sejam as consequências’, pois não se sabia o que ia acontecer. Um padre muito próximo seu já havia sido assassinado [padre Henrique, torturado e assassinado, em 1969], e havia o risco de não ser aceito de volta ao Brasil”, explica a ativista.
O governo brasileiro impôs um silêncio forçoso à mídia nacional, que foi impedida de citar o nome do bispo. A medida drástica funcionou no Brasil, mas, no mundo, a a figura de Dom Helder Câmara era cada vez mais citada como defensor dos direitos humanos.
Uma política para silenciar os defensores de direitos
“Não estamos discutindo se Dom Helder tinha ou não o direito ao Prêmio [Nobel da Paz], pois esta [Comissão que elege os vencedores] se trata de uma instância privada, não é esta a questão. O que estamos discutindo aqui é a ação difamatória do Estado brasileiro contra um cidadão nacional, que teve sua vida voltada para a proteção e denúncia contra as violações dos direitos humanos”, defende Moraes.
A ação do estado brasileiro teria violado princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como no que se refere à liberdade de expressão.
“Dom Helder denunciou as agressões da ditadura, o que os militares queriam era impedir que sua voz obtivesse mais espaço, silenciá-lo (…). O embaixador brasileiro em Oslo [capital da Noruega, país que outorga o Prêmio Nobel] mantinha o governo brasileiro informado. Por exemplo, há um documento que diz ‘ele não foi indicado este ano, mas no próximo [1971] ele terá grandes chances. [para impedir] Precisamos de recursos, de jornalistas…’”, afirma Moraes.
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Na terceira parte do Relatório, nas “Cartas conciliares”, o leitor pode conferir como o religioso brasileiro reagiu ao processo de contrainformação que seu nome despertou. “Helder não se vitimava, acreditava que a sua luta era maior [que receber o Nobel]. Afirmava que sua não indicação era muito mais pelos seus acertos que pelos erros”, afirma o relator da CNV-PE.
Helder Câmara foi agraciado, entre outros, com o norueguês Prêmio Popular da Paz, espécie de “Nobel alternativo”, e com o Prêmio Martin Luther King, nos Estados Unidos.