sábado, 13 de outubro de 2007

O SIMBÓLICO, O IMAGINÁRIO E O REAL

Uma visão sobre a Conferência de 8 de julho 1953, na Sociedade Francesa de Psicanálise

A meus bons amigos,

Vocês podem ver que para esta primeira comunicação dita "científica", de nossa nova Sociedade, tomei um título no qual não há falta de ambição. Começarei, pois, escusando-me, pedindo-lhes que considerem esta comunicação dita científica, antes como, ao mesmo tempo, um resumo de pontos de vista que aqueles que estão aqui, meus alunos, conhecem bem, com os quais já estão familiarizados desde dois anos por meu ensinamento e também como uma espécie de prefácio ou de introdução a uma certa orientação de estudo da psicanálise. Com efeito, creio que o retorno aos textos freudianos que fizeram o objeto de meu ensinamento desde dois anos, me — ou melhor, a nós, a todos nós que trabalhamos juntos — deu a idéia sempre mais certa que não há abordagem mais total da realidade humana que aquela que é feita pela experiência freudiana e que não se pode deixar de voltar às fontes e de apreender verdadeiramente em todos sentidos da palavra — não se pode deixar de pensar que a teoria da psicanálise (e ao mesmo tempo a técnica, que formam uma única e mesma coisa) tem sofrido uma espécie de estreitamento e, para dizer a verdade, uma degradação. É que, com efeito, não é fácil manter-se ao nível de uma tal plenitude. Por exemplo, um texto como o do Homem dos Lobos, eu penso tomá-lo esta noite como base e como exemplo do que tenho para lhes expor. Mas todo o dia de ontem eu fiz a releitura completa dele; ano passado eu havia feito um seminário a respeito. E eu tive, simplesmente, o sentimento que era totalmente impossível aqui lhes dar uma idéia disso, mesmo aproximada: e meu seminário do ano passado eu não tinha outra coisa a fazer a não ser refazê-lo no próximo ano. Pois o que percebi neste texto formidável, após o trabalho e o progresso que fizemos este ano ao redor do texto do Homem dos Ratos, me faz pensar que o que eu havia tomado ano passado como princípio, como exemplo, como tipo de pensamento característico fornecido por este texto extraordinário, era, literalmente, uma simples "aproximação" como se diz em linguagem anglo-saxã: em outras palavras, uma balbuciação.

De maneira que talvez eu faça uma breve alusão, incidentemente, mas tentarei sobretudo, simplesmente, dizer algumas palavras sobre o que significa a confrontação destes três registros que são bem os três registros da realidade humana, registros muito distintos e que se chamam: o simbólico, o imaginário e o real.

Uma coisa, primeiro, que é evidentemente surpreendente, e não poderia passar despercebida, é que há, na análise, toda uma parte de real em nossos sujeitos, precisamente, que nos escapa, que não escapava a Freud quando ele lidava com seus pacientes, com cada um deles. Mas, evidentemente, se isso não lhe escapava, estava fora de sua apreensão e de seu alcance. Não se poderia ser demasiadamente surpreendido pelo fato e pela maneira com que ele fala de seu "Homem dos Ratos", distinguindo entre suas "personalidades". É com isso que ele conclui: "A personalidade de um homem fino, inteligente e culto", ela a põe em contraste com as outras personalidades com as quais ele lidou. Se isso é atenuado quando ele fala de seu "Homem dos Lobos", ele porém fala disso. Mas, na verdade, não somos forçados a avalizar todas as suas apreciações. Não parece que se trate, no "Homem dos Lobos", de alguém de tão alta classe. Mas, é surpreendente, ele o colocou à parte, como um ponto particular. Quanto à sua "Dora", não falemos dela. Quase pode se dizer que ele a amou. Há, pois, aí algo que, evidentemente, não deixa de nos surpreender e que, em suma, é algo com que sempre lidamos. E direi que este elemento direto, este elemento de pesagem, de apreciação da personalidade, é algo bastante inefável com que lidamos no registro mórbido, de um lado, e mesmo no registro da experiência analítica com sujeitos que não se enquadram, absolutamente, no registro do mórbido; é algo que devemos sempre, em suma, reservar e que está particularmente presente à nossa experiência, a nós outros que somos encarregados com esta pesada, difícil tarefa de escolher os que se submetem à análise com finalidade didática. O que diremos, em suma, afinal de contas?

Quando falamos, ao fim de nossa seleção, a não ser todos os critérios que se invocam ("É preciso neurose para fazer um bom analista? Um pouco? Muito? Certamente não: Nenhuma?"). Mas afinal de contas, será isso que nos guia num julgamento que nenhum texto pode definir, e que nos faz apreciar as qualidades pessoais, esta realidade? E que se expressa nisto: que um sujeito tem fibra ou não tem; que ele é, como dizem os chineses ("She-un-ta"), homem de grande formato ou ("Sha-ho-yen") homem de pequeno formato? É algo de que é preciso dizer que é o que constitui os limites de nossa experiência. Que é neste sentido que se pode dizer, para colocar a questão de saber o que está posto em jogo na análise: "O que é"? É esta relação real ao sujeito, isto é, segundo uma certa maneira e segundo nossas medidas de reconhecer? É isto com que lidamos na análise? Certamente não. É incontestavelmente outra coisa. E bem, aqui está a pergunta que nos fazemos incessantemente e que se fazem todos aqueles que tentam dar uma teoria da experiência analítica. Qual é esta experiência singela entre todas, que vai trazer nestes sujeitos transformações tão profundas? Quais são elas? Qual é sua mola?

A elaboração da doutrina analítica desde anos está feita para responder a esta pergunta. É certo que o homem do público comum não parece admirar-se da eficácia desta experiência que se faz inteiramente com palavras; e de outra maneira, no fundo, ele tem razão já que, com efeito, ela funciona, e que, para explicá-la, pareceria que só devêssemos primeiro demonstrar o movimento em se andando. E já "falar" é introduzir-se no assunto da experiência analítica. É aí, com efeito, que convém proceder e saber primeiro fazer-se a pergunta: "O que é a palavra", isto é, o "símbolo"? Na verdade, aquilo a que assistimos é antes um evitamento desta questão. E o que constatamos é que, ao estreitarmos esta questão, ao querermos ver nos elementos e nas molas propriamente técnicos da análise que algo deve conseguir, por uma série de aproximações, modificar as condutas, as molas, os costumes do sujeito, chegamos muito rápido, a um certo número de dificuldades e de impasses, não ao ponto de encontrar para eles um lugar no conjunto de uma consideração total da experiência analítica; mas, indo neste sentido, vamos sempre mais em direção a um certo número de opacidades que se opõem a nós e tendem então a transformar a análise em algo, por exemplo, que parecerá muito mais irracional que o é, realmente.

É muito surpreendente ver quantos novatos recentemente chegados à experiência analítica, se produziram, em sua primeira maneira de se expressar sobre sua experiência, colocando a questão do caráter irracional desta análise, enquanto parece que talvez não haja, pelo contrário, técnica mais transparente. E, claro, tudo vai neste sentido. Abordamos um certo número de opiniões psicológicas, mais ou menos parciais do sujeito paciente; falamos de seu "pensamento mágico"; falamos de toda espécie de registros, que incontestavelmente têm seu valor e são encontrados de maneira muito viva pela experiência analítica. Daí a pensar que a própria análise toca [joue] num certo registro, claro, no pensamento mágico, só há um passo, rapidamente dado, quando não se parte e não se decide a ater-se primeiramente à questão primordial: "O que é esta experiência da fala/palavra [parole]"?

E, para dizer tudo, a colocar a questão da experiência analítica, a questão da essência e da troca da palavra. Eu creio que se deve partir disto: Partamos primeiro da experiência, tal como ela nos é apresentada nas primeiras teorias da análise: qual é este "neurótico" com o qual lidamos pela experiência analítica? O que vai ocorrer na experiência analítica? E esta passagem do consciente ao inconsciente? E quais são as forças que dão a este equilíbrio uma certa existência? Nós o chamamos o princípio do prazer. Para irmos mais rápido, diremos com o Sr. de Saussure que o sujeito "alucina seu mundo", isto é, suas ilusões ou suas satisfações ilusórias não poderiam ser de todas as ordens. Ele vai fazê-las seguir outra ordem que não, evidentemente, a de suas satisfações, que encontram seu objeto no real puro e simples. Nunca um sintoma matou a fome ou a sede de maneira durável, fora da absorção de alimentos que as satisfizessem. Mesmo se uma queda geral do nível da vitalidade pode decorrer disso, nos casos limites, por exemplo a hibernação natural ou artificial. Tudo isso só é concebível como uma fase que, claro, não poderia durar, pois causaria danos irreversíveis. A própria reversibilidade dos distúrbios neuróticos implica que a economia das satisfações que aí estavam implicadas fossem de outra ordem e infinitamente menos ligadas a ritmos orgânicos fixos, embora comandando, obviamente, uma parte deles. Isto define a categoria conceitual que define esta espécie de objetos. É justamente aquela que estou qualificando: "O imaginário", se se concorda em reconhecer aí todas as implicações que lhe convém. A partir daí é totalmente simples, claro, fácil, ver que esta ordem de satisfação imaginária só pode se encontrar na ordem dos registros sexuais. Tudo está dado aí, a partir desta espécie de condição preliminar da experiência analítica.

E não é surpreendente, embora, claro, estas coisas devessem ter sido confirmadas, controladas, inauguradas, eu diria, pela experiência, que uma vez feita a experiência, as coisas pareçam de um rigor perfeito. O termo "libido" é uma noção que só expressa esta noção de reversibilidade que implica na de equivalência, de um certo metabolismo das imagens; para poder pensar esta transformação, é preciso um termo energético e para isso serviu o termo libido. O de que se trata é, claro, algo complexo. Quando digo "satisfação imaginária", evidentemente não é o simples fato que Demetrius esteve satisfeito pelo fato que sonhou que possuía a sacerdotisa cortesã ... ainda que este caso só é um caso particular do conjunto ... Mas é algo que vai muito mais longe e está atualmente comprovado por toda uma experiência que é a experiência que os biólogos evocam concernente aos ciclos instintuais, muito especialmente nos registros dos ciclos sexuais e da reprodução: isto é, fora os estudos ainda mais ou menos incertos e improváveis concernentes aos relés neurológicos no ciclo sexual, que não são o que há de mais sólido em seus estudos, fica demonstrado que este ciclo, nos próprios animais ..........................eles não encontram outro termo que não a própria palavra que serve para designar os distúrbios e as molas primárias sexuais dos sintomas em nossos sujeitos, isto é, o "deslocamento". O que o estudo dos ciclos instintuais nos animais mostra é justamente sua dependência de um certo número de disparadores, de mecanismos de disparo que são essencialmente de ordem imaginária e que são o que há de mais interessante nos estudos do ciclo instintual, isto é, que seu limite, sua definição, a maneira de precisá-los, baseada sobre a provação [la mise à l'épreuve] de certo número de seu ........................... até certo limite de desvanecimento, são suscetíveis de provocar no animal esta espécie de colocação em ereção da parte do ciclo do comportamento sexual de que se trata. E o fato de que no interior de um ciclo de comportamento determinado sempre é possível sobrevir, em certas condições, certo número de deslocamentos; por exemplo, num ciclo de combate, a repentina sobrevinda, no retorno deste ciclo (nas aves, um dos combatentes que repentinamente começa a alisar suas penas), de um segmento do comportamento de desfile que intervirá lá no meio de um ciclo de combate. Mil outros exemplos disso podem ser dados. Não estou aqui para enumerá-los. Isto é simplesmente para dar a idéia de que este elemento de deslocamento é uma mola absolutamente essencial da ordem e principalmente da ordem dos comportamentos ligados à sexualidade.

Evidentemente, estes fenômenos não são seletivos nos animais. Mas outros comportamentos (ver os estudos de Lorenz sobre as funções da imagem no ciclo da alimentação) mostram que o imaginário desempenha um papel tão eminente quanto na ordem dos comportamentos sexuais. E, aliás, no homem, é sempre neste plano, e principalmente neste plano, que nos encontramos face a este fenômeno. Assinalemos desde já, pontuemos esta exposição por isto: Que estes elementos de comportamentos instintuais no animal são suscetíveis de alguma coisa onde vemos o esboço do que chamaremos de "um comportamento simbólico". O que chamamos no animal de comportamento simbólico é que quando um destes segmentos deslocados adquire um valor socializado, ele serve ao grupo animal como referência para um certo comportamento coletivo. Assim dizemos que um comportamento pode ser imaginário quando seu direcionamento sobre imagens sobre seu próprio valor de imagem para outro sujeito o torna suscetível de deslocamento fora do ciclo que assegura a satisfação de uma necessidade natural. A partir daí o conjunto de que se trata na raiz, o comportamento neurótico, pode ser considerado, no plano da economia instintiva, como elucidado, e é preciso saber por que se trata sempre de comportamento sexual, claro. Não preciso voltar ao assunto, a não ser para mostrar, rapidamente, que um homem possa ejacular ao ver uma pantufa é algo que não nos surpreende, nem tampouco que um cônjuge a use para fazê-lo voltar a melhores sentimentos, mas que certamente ninguém pode pensar que uma pantufa possa servir para matar uma fome, mesmo extrema, de um indivíduo. Da mesma forma, aquilo com que lidamos constantemente são fantasmas. Na ordem do tratamento não é raro que o paciente, o sujeito, faça intervir, no decurso da análise, um fantasma tal como o da "fellatio do parceiro analista". Será que isso é algo que faremos entrar num ciclo arcaico de sua biografia de uma maneira qualquer? Uma anterior sub-nutrição? É evidente que qualquer que seja o caráter incorporativo que damos a esses fantasmas, nunca pensaremos nisso. O que quer isso dizer? Isto pode dizer muitas coisas. De fato, é preciso lembrar que o imaginário está longe de se confundir com o campo do analisável, e que, por outro lado, pode haver outra função que não a imaginária. Não é porque o analisável coincida com o imaginário que o imagináriio se confunde com o analisável, com o exclusivamente analisável, e que seja inteiramente analisável ou o analisado. Para tomar o exemplo de nosso fetichista, embora isso seja raro, se admitirmos que se trata ali de uma espécie de perversão primitiva, não é impossível imaginar casos semelhantes. Suponhamos que se trate de um desses tipos de deslocamento imaginário, tal como aqueles que encontramos realizados no animal. Suponhamos, com outras palavras, que a pantufa seja aqui, muito estritamente, o deslocamento do orgasmo feminino, haja visto que é muito mais freqüentemente no macho que o fetichismo existe. Se não houvesse, literalmente, nada que pudesse representar uma elaboração em relação a este dado primitivo, isso seria tão inanalisável quanto é inanalisável tal ou tal fixação perversa. Inversamente, para falar de nosso paciente, ou sujeito, presa de um fantasma, aí é outra coisa que tem um sentido todo diferente, e aí, está bem claro que se este fantasma pode ser considerado como algo que representa o imaginário, pode representar certas fixações num estágio primitivo oral da sexualidade; por outro lado, não diremos que este felador seja um felador constitucional. Com isso quero dizer que o fantasma de que se trata, o elemento imaginário não tem senão um valor simbólico que só devemos apreciar e entender em função do momento da análise em que ele vai se inserir. Com efeito, mesmo se o sujeito não o confessa, este fantasma surge e sua freqüência mostra bastante que ele surge num momento do diálogo analítico. Ele está feito para se expressar, para ser dito, para simbolizar algo, e algo que tem um sentido diferente, como o mostra o próprio momento de diálogo. Portanto, o que quer dizer?

Que não basta que um fenômeno represente um deslocamento, em outras palavras, se inscreva nos fenômenos imaginários para ser um fenômeno analisável, de um lado, e que, para que ele o seja, é preciso que ele represente outra coisa que não ele mesmo, se assim posso dizer. Para abordar, de certa maneira, o assunto de que estou falando, isto é, o simbolismo, direi que toda uma parte das funções imaginárias na análise não têm outra relação com a realidade fantasmática que elas manifestam, a não ser, se quiserem o que a sílaba "po" [= pot, um pote, penico] tem com o vaso de formas, preferencialmente simples, que ela designa. Como se vê facilmente no fato que em "polícia" ou poltrão [= medroso], esta sílaba tem um valor completamente diferente. Poder-se-á usar o "pote" para simbolizar a sílaba "po", mas então será preciso acrescentar ao mesmo tempo outros termos imaginários igualmente, que não serão tomados por outra coisa que sílabas destinadas a completar a palavra. É assim que se deve entender o símbolo de que se trata no intercâmbio analítico, isto é, que o que encontramos e aquilo de que falamos é o que encontramos e reencontramos incessantemente e que Freud manifestou como sendo sua realidade essencial, quer se trate de sintomas reais, atos falhos, e o que quer que seja que se inscreva; trata-se, ainda e sempre de símbolos, e de símbolos mesmo muito especificamente organizados na linguagem, portanto funcionando a partir deste equivalente do significante e do significado: a própria estrutura da linguagem. Quem disse que "o sonho é um rébus" não foi eu; foi o próprio Freud. E que o sintoma exprime, ele também, algo estruturado e organizado como uma linguagem, é suficientemente manifestado pelo fato, para partir do mais simples entre eles, do sintoma histérico que é, que dá sempre algo equivalente de uma atividade sexual, mas nunca um equivalente unívoco; pelo contrário, ele é sempre plurívoco, sobreposto, superdeterminado e, para dizer tudo, muito exatamente construído à maneira pela qual as imagens são construídas nos sonhos, como representando uma concorrência, uma superposição de símbolos tão complexa quanto o é uma frase poética que vale ao mesmo tempo por seu tom, sua estrutura, seus trocadilhos, seus ritmos, sua sonoridade, portanto essencialmente em vários planos, e da ordem e do registro da linguagem. Na verdade, talvez isto não apareça bastante em seu relevo, se não tentarmos ver contudo, o que é, completamente, originariamente, a linguagem!

Evidentemente (a questão da origem da linguagem, não estamos aqui para fazer um dizer coletivo, nem organizado nem individual. É um dos assuntos que melhor podem motivar esses tipos de delírio) sobre a questão da origem da linguagem. A linguagem está aí, é um emergente. E agora que ela emergiu, nunca mais saberemos quando nem como ela começou, nem como era, antes que ela existisse. Mas, contudo, como expressar este algo que talvez tenha se apresentado como uma das mais primitivas formas da linguagem? Pensem as senhas [mots de passe]. Eu escolho este exemplo de propósito, justamente porque o erro e a miragem, quando se fala do assunto da linguagem, é sempre crer que sua significação é o que ela designa. Mas não. Mas não. Claro, ela designa alguma coisa. Mas antes de designar algo ela desempenha um certo papel. E eu dizia de propósito a senha [mot de passe], porque a senha tem essa particularidade de ser escolhida de uma maneira totalmente independente de sua significação (e se esta é ao que a Escola responde — sem dúvida é preciso jamais responder — que a significação de tal palavra é designar aquele que a pronuncia como tendo tal ou qual propriedade respondendo à pergunta que faz dar à senha. Outros diriam que o exemplo foi mal escolhido porque foi tomado de dentro de uma convensão (isto é ainda melhor); e, por outro lado, não se pode negar que a senha tem as mais preciosas virtudes: ela serve simplesmente para evitar que sejamos mortos. É bem assim que podemos considerar efetivamente a linguagem como tendo uma função. Nascida entre estes animais ferozes que devem ter sido os homens primitivos (considerando os homens modernos, isto não é inverosímil), a senha, justamente, não é aquilo pelo qual os homens do grupo se reconhecem, mas sim o que constitui o grupo. Há outro registro onde se pode meditar sobre esta função da linguagem; é o da linguagem estúpida do amor, que consiste, no último grau, no espasmo do êxtase — ou, pelo contrário, da rotina, conforme os indivíduos — em qualificar seu parceiro sexual com o nome do mais vulgar legume ou com o do mais repugnante animal. Isto expressa também, certamente, algo que não está longe, certamente, de tocar o assunto do horror ao anonimato. Não é por nada que tal ou tal destes apelidos, animal ou suporte mais ou menos totêmico, se encontra na fobia. Evidentemente é porque há entre ambos algum ponto comum. O sujeito humano está completa e especialmente exposto, como veremos em breve, a esta espécie de vertigem que surge, e sente a necessidade de afastá-la, de fazer alguma coisa transcendente; não está por nada na origem da fobia. Nestes dois exemplos, a linguagem está particularmente desprovida de significação. Aí vocês vêem melhor o que distingue o símbolo e o signo, isto é, a função interhumana do símbolo. Eu quero dizer que algo que nasce com a linguagem e que faz com que, após a palavra [mot] ter verdadeiramente sido palavra [parole] (e é para isso que a palavra serve), ter sido palavra pronunciada, os dois parceiros são outra coisa que antes. Isto, sobre o exemplo mais simples. Vocês poderiam crer, aliás, que não são justamente exemplos particularmente plenos. Certamente a partir destas poucas notas, poderão perceber que, contudo, seja na senha, seja na palavra chamada "de amor", trata-se de algo que, afinal, está cheio de alcance. Digamos que a conversação que num determinado momento de suas carreiras de estudante, vocês podem ter tido num jantar de padrão igualmente médio, onde o modo e a significação das coisas que aí se trocam ............... quanto este caráter é equivalente às conversações encontradas na rua e no ônibus e que não é outra coisa que não uma certa maneira de se fazer reconhecer, o que justificaria Mallarmé dizendo que a linguagem é comparável a esta moeda apagada que as pessoas se passam de mão em mão em silêncio.

Vejamos, pois, em suma, de que se trata a partir daí, em suma, o que se estabelece quando o neurótico chega à experiência analítica. É que também ele começa a dizer coisas. Ele diz coisas, e as coisas que ele diz, não podemos estranhar muito se elas, no início, não são outra coisa que não as palavras de pouco peso às quais acabei de fazer alusão. Todavia, há algo fundamentalmente diferente, é que ele vem ao analista para outra coisa que não para dizer tolices ou banalidades; que, desde já, na situação, algo está implicado, e algo que não é nada, já que, em suma, é seu próprio sentido mais ou menos que ele vem buscar; é que algo está aí misticamente colocado sobre a pessoa daquele que o escuta. Evidentemente ele se aproxima desta experiência, desta via original, com, meu Deus, o que ele tem à disposição: isto é, que o que ele crê primeiro, é que ele é, que deve ser o médico, que deve informar o analista. Evidentemente, vocês têm sua experiência diária; recolocando-o em seu plano, digamos que o de que se trata não é isso, mas que se trata de falar e, de preferência, sem tentar por si mesmo, pôr ordem, organização, isto é, tentar colocar-se, conforme um narcisismo bem conhecido, no lugar de seu interlocutor. Afinal de contas, a noção que temos do neurótico, é que em seus próprios sintomas, é uma palavra "presa" — onde se exprime, digamos, um certo número de "transgressões de uma certa ordem" — que, por elas mesmas, gritam ao céu a ordem negativa na qual elas se inscreveram. Por não realizar a ordem do símbolo de maneira viva, o sujeito realiza imagens desordenadas cujos substitutos ela são. E evidentemente, é isso que vai primeiro e desde já, se interpor a toda e qualquer relação simbólica verdadeira. O que o sujeito exprime primeiro e desde logo quando ele fala, se explica: é aquele registro que chamamos as "resistências" o que não quer e não pode se interpretar a não ser como o fato de uma realização hic et nunc na situação e com o analista, da imagem e das imagens que são as da experiência precoce. E é bem sobre isso que toda a teoria da resistência se edificou, e isso, somente após o grande reconhecimento do valor simbólico do sintoma e de tudo quanto pode ser analisado. O que a experiência prova e encontra, é justamente outra coisa que não a realização do símbolo; é a tentativa, pelo sujeito, de constituir, hic et nunc, na experiência analítica, esta referência imaginária, o que chamamos as tentativas do sujeito de fazer entrar a análise em seu jogo.

O que vemos, por exemplo, no caso do "homem dos ratos", quando nós percebemos (rápido mas não logo, e Freud também não) que ao contar sua história obsessional, a grande observação acerca do suplício dos ratos, há tentativa do sujeito de realizar, hic et nunc, aqui e com Freud, esta espécie de relação sádica anal que constitui, por si só, o tempero da história. E Freud percebe muito bem que se trata de algo que se traduz e se trai, fisionomicamente, sobre a cara mesma, o rosto do sujeito, pelo que ele qualifica naquele momento como "o horror do gozo ignorado". A partir do momento em que estes elementos da resistência intervieram na experiência analítica, que foi possível medir e até pesar como tais, é um momento significativo na história da análise. E se pode dizer que é a partir do momento em que se soube falar a respeito de maneira coerente e na data, por exemplo, do artigo de Reich, um dos primeiros artigos sobre o assunto (saído no International Journal), no momento em que Freud fazia surgir o segundo na elaboração da teoria analítica e que não representa nada mais que a teoria do eu [moi]; aproximadamente nesta época, em 1920, é publicado "das Es" [o Isso]; e naquele momento começamos a perceber no interior (é sempre necessário mantê-lo no interior do registro da relação simbólica), que o sujeito resiste; que esta resistência não é algo como uma simples inércia oposta ao movimento terapêutico, como, em física, se poderia dizer que a massa se opõe a toda e qualquer aceleração. É algo que estabelece um certo elo, que se opõe como tal, como uma ação humana, à do terapeuta; mas com a diferença que o terapeuta não deve se enganar. Não é a ele enquanto realidade que esta oposição está sendo feita, é na medida em que, no lugar dele, está sendo realizada uma certa imagem que o sujeito projeta sobre ele. Na verdade, estes próprios termos não são senão aproximativos. É também neste momento que nasce a noção de instinto agressivo, que se deve acrescentar à libido o termo "destruído". E isto, não sem razão, pois a partir do momento em que sua finalidade .................. as funções totalmente essenciais destas relações imaginárias, tais que elas ............................ sob forma de resistência, outro registro aparece que está ligado a nada menos que à própria função que o eu [moi] tem, a esta teoria do eu [moi] na qual não entrarei hoje, e que é o que é absolutamente preciso distinguir em toda e qualquer noção coerente e organizada do eu [moi] da análise; isto é, do eu [moi] como função imaginária do eu [moi], como unidade do sujeito alienado a ele mesmo, do eu [moi] como aquilo em que o sujeito não pode se reconhecer primeiro a não ser em se alienando, e, portanto, só pode se reencontrar se abolir o alter ego do eu [moi] que, como tal, desenvolve a dimensão, muito distinta da agressão, que se chama em si mesma e desde já, a agressividade. Eu creio que devemos retomar agora a questão nestes dois registros: a questão da palavra [parole] e a questão do imaginário.

A palavra [parole], eu lhes mostrei de forma abreviada, desempenha este papel essencial de mediação. De mediação, isto é, de algo que trocam os dois parceiros em presença, a partir do momento em que foi realizada. Isto aliás não tem nada que nos não esteja dado quando no registro semântico de certos grupos humanos. E se vocês lerem (não é um livro que merece todas as recomendações, mas ele é bastante expressivo e particularmente manejável e excelente como introdução para aqueles que precisam ser introduzidos), o livro de Leenhardt Do Kamo, vocês verão nele que, entre os Canacos, algo bastante peculiar se produz no plano semântico, é que a palavra "palavra" [parole] significa algo que vai muito mais longe que aquilo que chamamos assim. É também uma ação. E por sinal, para nós, "palavra dada" também é uma forma de ato. Mas é também às vezes um objeto, isto é, alguma coisa que se porta, um feixe ... É qualquer coisa. Mas a partir daí algo existe que não existia antes. Seria preciso também fazer outra ressalva: é que esta palavra [parole] mediatriz não é pura e simplesmente mediatriz neste plano elementar; que ela possibilita entre dois homens transcender a relação agressiva fundamental à miragem do semelhante. É preciso que ela seja ainda algo bem diferente, pois se refletirmos nisto, veremos que não somente ela constitui esta mediação, mas também ela se constitui na própria realidade: isto é muito evidente se vocês considerarem o que se chama uma estrutura elementar, isto é, arcaica, do parentesco. Longe de serem elementares, elas não o são sempre. Por exemplo, especialmente (mas na verdade estas estruturas complexas não existiriam sem o sistema das palavras [mots] que as expressa), o fato que, entre nós, os interditos que regem o intercâmbio humano dos negócios, no sentido próprio da palavra [mot] sejam reduzidos a um número de interditos excessivamente restringido, tende a nos fazer confundir termos como "pai, mãe, filho" com relações reais. É porque o sistema das relações de parentesco, na medida em que ele tenha sido feito, se tornou extremamente reduzido, em seus limites e em seu campo. Mas se vocês fizessem parte de uma civilização onde vocês não pudessem desposar tal prima ao sétimo grau porque ela é considerada como prima paralela, ou inversamente, como prima cruzada, ou se encontrando com vocês em uma certa homonimia que retorna a cada três ou quatro gerações, vocês perceberiam que as palavras e os símbolos têm uma influência decisiva na realidade humana, e é porque as palavras [mots] têm exatamente a significação que eu decreto de dar a elas. Como diria Humpty Dumpty em Lewis Caroll quando lhe perguntam por que, ele dá esta resposta admirável: "porque eu sou o senhor" [maître].

Saibam que, na origem, o homem é que, com efeito, dá seu sentido à palavra [mot]. E que só as palavras [mots] depois se encontraram no comum acordo da comunicabilidade, isto é, que as mesmas palavras [mots] servem para se reconhecer a mesma coisa; é precisamente em função de relações, de uma relação de saída que possibilitou a estas pessoas serem pessoas que comuniquem. Em outras palavras, absolutamente não se trata de, salvo em uma percepção psicológica exprimida, tentar deduzir como as palavras [mots] saem das coisas e são sucessivamente e individualmente aplicados a elas, mas de entender que é no interior do sistema total do discurso, do universo de uma linguagem determinada, que comporta, por uma série de complementaridades, um certo número de significações; que o que há para ser significado, isto é, as coisas, a se organizar, a tomar lugar. É bem assim que as coisas, através da história, se constituem. É o que torna particularmente pueril toda e qualquer teoria da linguagem, na medida em que deveríamos entender o papel que ela desempenha na formação dos símbolos. Que aquela que dá, por exemplo, Wasserman, que faz a respeito (no International Journal of Psychoanalysis, 1934), um artigo muito bonito que se chama "Language, behaviour and dynamic psychiatry". É claro que um dos exemplos que ele dá mostra suficientemente a fraqueza do ponto de vista behaviorista. Pois é disso que se trata na ocasião. Ele pensa resolver o problema da simbólica da linguagem dando este exemplo: o condicionamento que faria efeito na reação da contração da pupila à luz que se teria regularmente feito se produzir ao mesmo tempo que uma sineta. Terminar-se-ia obtendo a contração da pupila pela simples audição da palavra "contract". Vocês pensam que com isso vocês resolveram o problema da linguagem e da simbolização? Mas é bem claro que se em vez de "contract", se tivesse dito outra coisa, se teria podido obter o mesmo resultado. E o de que se trata não é o condicionamento de um fenômeno, mas aquilo de que se trata nos sintomas é da relação do sintoma com o sistema inteiro da linguagem, isto é, do sistema das significações das relações interhumanas como tais. Creio que a mola daquilo que acabei de lhes dizer é isto: o que constatamos e em que a análise recorta muito exatamente estas ressalvas e nos mostra até nos detalhes o alcance e a presença das mesmas? É nem mais nem menos nisto: que toda e qualquer relação analisável, isto é, interpretável simbolicamente está sempre mais ou menos inscrita numa relação a três.

Já vimos isso na estrutura da palavra [parole]: mediação entre tal e tal sujeito no que é realizável libidinal; o que a análise nos mostra e o que dá seu valor a este fato afirmado pela doutrina e demonstrado pela experiência, que nada, afinal, se interpreta, pois é disso que se trata por intermédio da realização edipiana. É isso que isso significa. Isso quer dizer que toda e qualquer relação a dois está sempre mais ou menos marcada pelo estilo do imaginário; e que para que uma relação tome seu valor simbólico, é preciso que haja a mediação de uma terceira personagem que realize, em relação ao sujeito, o elemento graças a que sua relação ao objeto pode ser mantida a uma certa distância. Entre a relação imaginária e a relação simbólica, há toda a distância que há na culpabilidade. É por isso, a experiência o mostra, que a culpabilidade sempre tem a preferência sobre a angústia. A angústia está, em si mesma, desde logo, isso sabemos através dos progressos da doutrina e da teoria de Freud, ela está sempre ligada a uma perda, isto é, a uma transformação do eu [moi], isto é, a uma relação a dois prestes a esvanecer e à qual deva suceder algo que o sujeito não pode abordar sem uma certa vertigem. Isso é que é a natureza e o registro da angústia. Assim que o terceiro se introduz. E ..................... que entra na relação narcísica, introduz a possibilidade de uma mediação real pelo intermédio essencialmente da personagem que, em relação ao sujeito, represente uma personagem transcendente, em outras palavras, uma imagem de mestria por meio da qual seu desejo e cumprimento podem se realizar simbolicamente.

Neste momento, intervém outro registro, que é justamente aquele que chamamos: quer o da lei quer o da culpabilidade, conforme o registro no qual ele está sendo vivido (Vocês vêem que eu resumo um pouco: é o termo certo. Creio que, dando de maneira abreviada , eu não os desoriento demais, posto que são coisas que aqui ou alhures em minhas reuniões, eu repeti várias vezes). O que eu gostaria de destacar a respeito deste registro, do simbólico, porém, é importante. É isto: logo que se trata do simbólico, isto é, aquilo em que o sujeito se dirige numa relação propriamente humana, logo que se trata de um registro do "eu" [je], aquilo em que o sujeito se dirige em "eu quero, eu amo ...", há sempre algo, literalmente falado, problemático, isto é, que há aí um elemento temporal muito importante a se considerar. O que eu quero dizer assim? Isto coloca todo um registro de problemas que devem ser tratados paralelamente à questão da relação do simbólico com o imaginário.

A questão da constituição temporal da ação humana é absolutamente inseparável da primeira. Ainda que eu não possa detê-la em sua amplidão esta noite, é preciso pelo menos mostrar que a encontramos constantemente na análise, e, quero dizer, da mais concreta maneira. Aí também, para entendê-la, convém partir de uma noção estrutural, existencial para assim dizer, da significação do símbolo. Um dos pontos que parece dos mais ............................... da teoria analítica, isto é, do automatismo, do pretendido automatismo de repetição, aquele do qual Freud tão bem mostrou o primeiro exemplo, e como o primeiro domínio age; a criança à qual, pela desaparição, se abole o brinquedo. Esta repetição primitiva, esta escansão temporária que faz com que a identidade do objeto seja mantida: e na presença e na ausência, temos aí muito exatamente o alcance, a significação do símbolo na medida em que ele se relaciona com o objeto, isto é, com aquilo que se chama o conceito. Ora aí também encontramos algo ilustrado que parece tão obscuro quando lido em Hegel, isto é, que o conceito é o tempo. Precisaria uma palestra de uma hora para demonstrar que o conceito é o tempo (Coisa curiosa, o Senhor Hyppolite, que estuda a "Fenomenologia do Espírito", se contentou em colocar uma nota no pé da página dizendo que isso era um dos pontos mais obscuros da teoria de Hegel). Mas aí vocês tocaram verdadeiramente esta coisa simples que consiste em dizer que o símbolo do objeto é justamente o objeto aí. Quando ele não está mais aí, é o objeto encarnado em sua duração, separado dele mesmo e que, por isso mesmo, pode estar de certa maneira, sempre presente para vocês, sempre aí, sempre à sua disposição. Encontramos aí novamente a relação que existe entre o símbolo e o fato que tudo quanto é humano é considerado como tal e quanto mais isso é humano, tanto mais preservado é, se assim se pode dizer, do lado movente e decomposto do processo como tal.

O homem faz, e, antes de mais nada, ele mesmo faz subsistir numa certa permanência tudo quanto perdurou como humano. E nós reencontramos um exemplo. Se eu tivesse querido abordar a questão do símbolo por outro ângulo, em vez de falar sobre a palavra [mot], a palavra [parole] e do pequeno feixe, teria partido do túmulo sobre a tumba do chefe ou sobre a tumba de qualquer pessoa. É isto que caracteriza a espécie humana, rodear o cadáver de algo que constitui uma sepultura, de manter o fato que "isso durou". O túmulo ou qualquer outro sinal de sepultura merece muito exatamente o nome de símbolo, de algo humanizante. Eu chamo símbolo tudo aquilo cuja fenomenologia tentei mostrar. É porque, se eu lhes assinalo isto, não é sem razão, e a teoria de Freud deve ter ido até a noção que ele valorizou de um instinto de morte, e todos aqueles que, depois, enfatizando unicamente o que é o elemento resistência, isto é, o elemento ação imaginária durante a experiência analítica, e anulando mais ou menos a função simbólica da linguagem, são os mesmos para os quais o instinto de morte não tem razão de ser. Esta maneira de "realizar", no sentido próprio da palavra, de reconduzir a um certo real a imagem, evidentemente aí incluída uma função essencial, um particular signo deste real; trazer ao real a expressão analítica é sempre, naqueles que não têm este registro, que a desenvolvem sob este registro, é sempre correlativo, posto entre parênteses, e até a exclusão daquilo que Freud colocou sob o registro do instinto de morte, ou que foi chamado mais ou menos automatismo de repetição.

Em Reich, é exatamente característico. Para Reich, tudo quanto o paciente conta é flatus vocis, o modo como o instinto manifesta sua armadura. Ponto que é muito significativo, muito importante, mas, entretanto, o instinto de morte fica excluído posto entre parênteses toda esta experiência enquanto simbólica. Evidentemente este elemento de morte não se manifesta somente sobre o plano do simbólico. Vocês sabem que se manifesta naquilo que é do registro narcísico. Mas é de outra coisa que se trata, e que está muito mais perto deste elemento de "aniquilação" [néantisation) final, ligado a toda espécie de deslocamento. Claro, se pode concebê-lo. A origem, a fonte, como eu o indiquei a respeito de elementos deslocados da possibilidade de transação simbólica do real. Mas é também algo que tem muito menos relação com o elemento duração, projeção temporal, na medida em que eu entendo o futuro essencial do comportamento simbólico como tal. (Vocês percebem que sou forçado a ir um pouco rápido. Há muitas coisas para dizer sobre tudo isso. E é certo que a análise de noções tão diferentes quanto estes termos de: resistência, resistência de transferência, transferência como tal ... A possibilidade de fazer entender a este respeito o que é preciso chamar propriamente "transferência" e deixar à resistência. Creio que tudo isso pode bastante facilmente se inscrever em relação a estas noções fundamentais do simbólico e do imaginário). Para terminar gostaria simplesmente de ilustrar de certa maneira (é sempre necessário dar uma pequena ilustração àquilo que se diz), de lhes dar algo que não é senão uma aproximação em relação a elementos de formalização que desenvolvi mais além com os alunos do Seminário (por exemplo, no "Homem dos Ratos"). Pode-se conseguir formalizar completamente com elementos como aqueles que vou lhes mostrar. Isto é algo que lhes mostrará o que quero dizer. Eis aqui como uma análise poderia se inscrever, muito esquematicamente, desde seu início até o fim: rS - rI - iI - sR - iS - sS - sI - iR - rR - rS, realizar o símbolo. rS: Isso é a posição de partida. O analista é uma personagem simbólica como tal. E é nesta qualidade que vocês o procuram, na medida em que ele é ao mesmo tempo o símbolo, por ele mesmo, da onipotência, que ele mesmo já é uma autoridade, o Senhor. É nesta perspectiva que o sujeito o procura e se coloca numa certa postura que é aproximadamente esta: "Você é que detém minha verdade", postura totalmente ilusória, mas que é a postura típica. rI: depois, temos aí a realização da imagem. Isto é, a instauração mais ou menos narcísica na qual o sujeito entra numa certa conduta que é justamente analisada como resistência. Isto, em razão de que? De uma certa relação iI. É a captação da imagem que é essencialmente construtiva de toda e qualquer realização imaginária, na medida em que nós a consideramos como instintual, esta realização da imagem que faz com que o carapau fêmea seja cativado pelas mesmas cores que o macho e que eles entrem progressivamente numa certa dança que os conduz aonde vocês sabem. O que é que a constitui na experiência analítica? Eu o coloco provisoriamente num círculo (ver mais adiante). Depois temos: iR: que é a continuação da transformação precedente: I é transformado em R. É a fase de resistência, de transferência negativa, ou até, no limite do delírio, que há na análise.

É uma certa maneira que certos analistas tendem sempre mais a realizar: "A análise é um delírio bem organizado", fórmula que ouvi da boca de um de meus mestres, que é parcial, mas não inexata. Depois, o que ocorre? Se o ................ é bom, se o sujeito não tem todas as disposições para ser psicótico (caso no qual ele permanece no estágio iR), ele passa a: iS: a imaginação do símbolo. Ele imagina o símbolo. Na análise, temos mil exemplos da imaginação do símbolo, por exemplo: o sonho. O sonho é uma imagem simbolizada. Aqui intervém: sS: que possibilita a reversão. Que é a simbolização da imagem. Em outras palavras, o que se chama "a interpretação". Isto, unicamente após a transposição da fase imaginária que engloba, aproximadamente: ri - iI - iR - iS começa a elucidação do sintoma pela interpretação (sS). sI. Depois temos: sR: que é, em suma, a finalidade de toda e qualquer saúde, que não é (como se crê) adaptar-se a um real mais ou menos bem definido, ou bem organizado, mas fazer reconhecer sua própria realidade; em outras palavras, seu próprio desejo. Como eu muitas vezes o enfatizei, fazê-lo reconhecer por seus semelhantes, isto é, simbolizá-lo. Naquele momento, reencontramos: rR: O que nos possibilita, no fim, chegar ao rS. Isto é, muito exatamente, aquilo de onde partimos.Não pode ser diferente, pois se o analista é humanamente válido, isso só pode ser circular. É uma análise para comportar várias vezes este ciclo iI: é a própria parte da análise, é o que se chama (erradamente) "a comunicação dos inconscientes".

O analista deve ser capaz de entender o jogo que seu sujeito joga. Ele deve entender que ele mesmo é o carapau macho ou fêmea, conforme a dança que seu sujeito conduz.O sS é a simbolização do símbolo. O analista é que deve fazer isso. Ele não tem dificuldade: ele mesmo já é um símbolo. É preferível que ele o faça com completude, cultura e inteligência. É por isso que é preferível, que é necessário que o analista tenha uma formação tão completa quanto possível na ordem cultural. Quanto mais vocês souberem, tanto mais isso valerá. E isso (sS) só deve intervir após um determinado estágio, após uma determinada etapa transposta.E, em particular, é neste registro que pertence o sujeito (não é por nada que não o separei). O sujeito forma sempre e mais ou menos uma certa unidade mais ou menos sucessiva, cujo elemento essencial se constitui na transferência. E o analista vem a simbolizar o sobre-eu, que é o símbolo dos símbolos. O sobre-eu [surmoi] é simplesmente uma palavra que não diz nada (uma palavra que interdita). O analista precisamente não tem dificuldade alguma para simbolizá-la. É precisamente o que ele faz.O rR é seu trabalho, impropriamente designado com o termo desta falsa "neutralidade benevolente" da qual se fala a torto e a direito, e que simplesmente quer dizer que, para um analista, todas as realidades, em suma, são equivalentes; que todas elas são realidades. Isto parte da idéia que tudo quanto é real é racional e inversamente. E é o que deve dar-lhe esta benevolência sobre a qual vem se quebrantar a resistência e levar a bom porto sua análise.Tudo isso foi dito um pouco rapidamente. Eu teria podido falar-lhes sobre muitas outras coisas. Mas, afinal, isso não passa de uma introdução, um prefácio àquilo que tentarei tratar mais completamente, mais concretamente, o relatório que espero lhes fazer em Roma sobre o assunto da linguagem na psicanálise.



DISCUSSÃO

O Professor Lagache agradece o conferencista e abre a discussão.

SRA. MARCUS BLAJAN: "Sua conferência fez "ressoar em mim os sinos ..." Pena que não entendi certas palavras. Por exemplo: "transcendente". Duas coisas me impressionaram particularmente: — O que você disse a respeito da angústia e da culpabilidade; — E o que acabou de dizer a respeito de rR. São coisas que sentimos muito confusamente. O que disse a respeito da angústia e da culpabilidade me fez pensar em uns casos, à agorafobia, por exemplo. O que diz a respeito de rR ... que tudo quanto existe tem direito de existir, posto que é humano ..."

DR. LACAN: "O que eu disse a respeito da angústia e da culpabilidade ... a distância ... A angústia está ligada à relação narcísica, a Sra. Blajan dá disso uma ilustração muito bonita (pois não há fenômeno mais narcísico) com a agorafobia. Toda vez que comentei um caso em meu seminário, sempre mostrei os diferentes tempos de reação do sujeito. Toda vez que ocorre um fenômeno a dois tempos, na obsessão, por exemplo, o primeiro tempo é a angústia, e o segundo é a culpabilidade que dá apaziguamento à angústia no registro da culpabilidade. A respeito da palavra "transcendente", ela não é uma palavra muito metafísica, nem sequer metapsicológica. Vou tentar ilustrá-la. O que é? O que quer dizer na ocasião precisa em que eu a usei? É isto: que na relação com seu semelhante, como tal, na relação a dois, na relação narcísica, sempre há, para o sujeito, algo desvanecido. Ele sente, afinal de contas, que é o outro e que o outro é ele. E este sujeito definido reciprocamente é um dos tempos essenciais da constituição do sujeito humano. É um tempo em que ele não quer subsistir, ainda que sua estrutura esteja sempre no ponto de aparecer, e muito em certas estruturas neuróticas. A imagem especular se aplica ao máximo. O sujeito não é senão o reflexo de si mesmo. A necessidade de constituir um ponto que constitua o que é transcendente é justamente o outro enquanto outro. Pode-se tomar mil exemplos. Por exemplo, é completamente claro, já que eu tomo o exemplo da fobia. O fato que é justamente a uma angústia semelhante que corresponde o fato de subsistir o parceiro humano algo tão estranho, tão separado da imagem humana quanto o é a imagem animal. Na realidade, se vemos que o que quer que seja o que possamos pensar sobre a função (pois tudo isso não é transparente, quaisquer que sejam os trabalhos feitos a respeito), o que quer que seja o que possamos pensar sobre a origem histórica real do totemismo, há uma coisa muito certa, é que ele é em todo caso, ligado à interdição do canibalismo, isto é, que não se pode comer ... pois é todavia o modo de relação humana primitiva. O modo de relação humana mais primitivo é certamente a absorção da substância de seu semelhante. Aí vocês vêem bem qual é a função do totemismo. É de fazer dele um sujeito transcendente àquele (Não penso que o Dr. Gessain me contradiga). Aí reencontramos várias questões sobre um dos pontos que mais os interessam: a relação entre crianças e adultos. Os adultos, para a criança, são transcendentes na medida em que eles são iniciados. O mais estranho é que as crianças não são menos transcendentes para os adultos. Isto é, por um sistema de reflexão característico de toda e qualquer relação, a criança se torna, para os adultos, a causa de todos os mistérios. É a sede desta espécie de confusão das línguas entre crianças e adultos, e um dos pontos mais essenciais que devemos levar em conta quando se trata de intervenção sobre as crianças. Haveria outros exemplos a tomar. Em particular naquilo que constitui a relação edipiana de tipo sexual, que é algo do sujeito, e que ao mesmo tempo o ultrapassa, constituição de uma forma a uma certa distância."

DR. LIEBSCHUTZ: "Você nos falou do simbólico, do imaginário, mas havia o real, de que você não falou."

DR. LACAN: "Eu falei um pouco a respeito todavia. O real é ora totalidade ou o instante transcorrido ... Na experiência analítica, para o sujeito, há sempre o choque contra algo, por exemplo, o silêncio do analista. Eu devia ter dito, porém, que ocorre algo que acrescentei no fim, somente. Através deste diálogo, ocorre todavia algo muito surpreendente, sobre que não pude insistir, isto é, é um dos fatos da experiência analítica que valeria, por si só, muito mais que uma comunicação. A pergunta deve ser feita sob este ângulo: como é que ocorre? ... (eu tomo um exemplo muito concreto) que no fim da análise, estes sonhos ... (não sei se eu disse ou não que eles são compostos como uma linguagem ... efetivamente, na análise, ele servem de linguagem. E um sonho, no meio ou no fim da análise, é uma parte do diálogo com o analista ...) Pois, como é que ocorre que estes sonhos (e muitas outras coisas ainda: a maneira com que o sujeito constitui seus símbolos ...) têm algo que é a marca absolutamente surpreendente da realidade do analista, isto é, da pessoa do analista tal como ela está constituída em seu ser? Como é que ocorre que através desta experiência imaginária e simbólica se chegue a algo que, em sua última fase, é um conhecimento limitado, mas surpreendente, da estrutura do analista? É algo que por si só coloca um problema que eu não pude abordar esta noite."

DR. MAUCO: "Eu me pergunto se não é necessário lembrar os vários tipos (?) de símbolos."
DR. LACAN: "... É um emblema."

DR. MAUCO: "O símbolo é algo vivenciado. Por exemplo, a casa, primeiramente sentida por um símbolo, depois está elaborada coletivamente, disciplinada coletivamente ... ele evoca sempre a palavra casa."
DR. LACAN: "Permita-me lhe dizer que não compartilho absolutamente esta opinião, como o demonstra a experiência analítica, isto é, que tudo quanto constitui o símbolo, estes símbolos que reencontramos nas raízes da experiência analítica, que constituem os sintomas, a relação edipiana ... Jones faz deles um pequeno catálogo e demonstra que se trata sempre essencialmente dos temas mais ou menos conexos às relações de parentesco, do tema do rei, da autoridade do senhor e do que concerne à vida e à morte. Ora, tudo aquilo de que se trata aí, são, evidentemente, símbolos. São precisamente elementos que não têm absolutamente nada a ver com a realidade. Um ser completamente engajado na realidade, como o animal, não faz espécie alguma de idéia disso. São justamente pontos onde o símbolo constitui a realidade humana, onde ele cria esta dimensão humana sobre a qual Feud insiste constantemente quando ele diz que o neurótico vive sempre no registro daquilo que comporta ao máximo elementos de incerteza, daquilo que ele designa por "a duração da vida", "a paternidade"... Tudo quanto não tem evidência sensível. Tudo quanto está na realidade humana constrói, e constrói primitivamente, por certas relações simbólicas que podem depois encontrar sua confirmação na realidade. O pai é efetivamente o genitor. Mas antes que o saibamos, com certeza o nome-do-pai cria a função do pai. Creio, pois, que o símbolo não é uma elaboração da sensação nem da realidade. Aquilo que é propriamente simbólico (e os símbolos mais primitivos) é outra coisa, que introduz na realidade humana algo diferente que constitui todos os objetos primitivos de verdade. O que é notável é que a categoria dos símbolos, dos símbolos simbolizantes, são todos eles desse registro, isto é, comportando, pela criação dos símbolos, a introdução de uma nova realidade na realidade animal."

DR. MAUCO: "Mas sublimada e elaborada, tem-se o alicerce da linguagem ulterior."
DR. LACAN: "Aí, totalmente de acordo. Por exemplo, as relações, os próprios lógicos apelam tudo naturalmente para os termos de parentesco. É o primeiro modelo de relação transitiva."

DR. MANNONI: "A passagem da angústia à culpabilidade parece ligada à situação analítica. A angústia pode levar à vergonha não à culpabilidade. Quando a angústia não evoca a idéia de um punidor, mas sim de um afastamento, o que aparece é a vergonha. A angústia pode se traduzir, não em culpabilidade, mas sim em dúvida. Creio que é porque o analista está presente, que a angústia se transforma em culpabilidade."
DR. LACAN: "Completamente de acordo! É uma situação privilegiada na experiência analítica que faz com que o analista detenha a palavra, que ele julgue; e porque a análise se orienta totalmente num sentido simbólico, porque o analista o suscitou àquilo que falta, porque o pai foi somente um sobre-eu (surmoi), isto é, "Lei sem palavras" na medida em que isto é constitutivo da neurose, que a neurose está definida pela transferência. Estas definições são todas equivalentes. Efetivamente, há outras direções infinitas à reação da angústia. E não está excluído que algumas delas apareçam na análise ... Cada qual merece ser analisada como tal. Creio que a questão da dúvida está muito mais próxima da constituição simbólica da realidade. Ela é, de certa maneira, preliminar. Se houver uma posição que se possa qualificar essencialmente, no sentido no qual eu a entendo, de "subjetiva", isto é, que é ela que constitui toda a situação. Isto é, quando e como ela está realizada? É um desenvolvimento à parte."

DR. BERGE: "A passagem da angústia à culpabilidade ... O que me impressionou nestes dois termos é a noção da insegurança. A angústia e a culpabilidade: a insegurança ... A angústia está sentida sem se saber qual é o perigo. A culpabilidade é uma defesa, porque há um objeto e que se sabe o que ele é."

DR. LACAN: "Eu preciso muito de um desvio ... Um .......................... indeterminado se torna para mim um suplício latente." DR. GRANOFF: "O paralelismo entre a atitude dos homens em relação à antropofagia e seus filhos ... Sem remontar muito longe na história, na história dos Normandos, aproximadamente no século XVI, certas cartas de marinheiros comportavam a renúncia à antropofagia, dizendo que os marinheiros "renunciavam a beber sangue humano ... a espetar crianças sobre o espeto ..." O esquema que você dá aqui encontra sua ilustração no processo analítico, mas também na formação da personalidade. O que comprova que a análise somente retoma o processo da formação da personalidade."

DR. LACAN: "O fetichismo é uma transposição do imaginário. Ele se torna um símbolo."

DR. GRANOFF: "Para falarmos do real, todos nós precisamos da ajuda de alguém para apreendermos o real. E, no fundo, a estrutura da personalidade do fetichismo seria uma análise que ter-se-ia interrompido após iS. Freud nos ensina que "o fetichismo não é um órgão feminino, mas uma imagem angustiante que faz disparar um processo da ordem do imaginário". E é o processo que, neste caso particular, não chega a ..................."

DR. LACAN: "Mais adaptado à natureza das coisas, se considerarmos que tudo aquilo de que se trata na análise é da ordem da linguagem, isto é, afinal de contas, de uma lógica. Conseqüentemente, é o que justifica esta formalização que intervém como uma hipótese. Quanto ao que você diz de Freud não concordo que no assunto da transferência, ele tenha tomado de empréstimo modelos mais ou menos atomísticos, associacionistas, ou até mecanicistas do estilo de sua época. O que me parece impressionante é a audácia com que ele admitiu completamente não repudiar no registro da transferência o amor, pura e simplesmente. Ele absolutamente não considera que isso seja uma espécie de impossibilidade, de impasse, algo que saía dos limites. Ele viu muito bem que a transferência é a própria realização da relação humana sob sua forma mais elevada, realização do símbolo que está aí, no início e no fim de tudo aquilo. E entre um começo e um fim, que são sempre a transferência; no início, em potência, dada pelo fato que o sujeito vem, a transferência está aí pronta para se constituir. Ela está aí desde o início. Que Freud tenha feito entrar o amor nela é uma coisa que deve nos mostrar até que ponto ele dava seu alcance a estas relações simbólicas, mesmo no plano humano, pois, afinal de contas, se devemos dar um sentido a este algo de limite, sobre o que quase não se pode falar, que é o amor, é a conjunção total da realidade e do símbolo que formam uma única e mesma coisa." ................... nunca. Nunca conduzi um tratamento do fetichismo até o fim. Mas creio que o exemplo de fetichismo é insubstituível." DR. LACAN: "Efetivamente, não retomei o fetichismo."

DR. GRANOFF: "Mas, no tocante à culpabilidade, na medida em que o fetiche possibilita a ele uma relação entre ..."
DR. PIDOUX: "Eu vi, a respeito da angústia e culpabilidade, eu gostaria de perguntar se você não pensa que o símbolo não intervém ................. e da angústia no trabalho, e do elemento transferencial."

DR. LACAN: "Exatamente. Como ele intervém no menor acting-out ... o que é transferência e ..."

DR. ANZIEUX: "Quando Freud fez a teoria clínica, ele tomou de empréstimo modelos de sua época ... Ao nos propor este começo de esquema, gostaria de saber se estes modelos são do registro do símbolo ou do imaginário. E que origem dar a estes modelos? O que você propõe hoje é uma mudança de modelo permanente de pensar os dados clínicos, adaptado à evolução cultural? Ou alguma outra coisa?"

DRA. DOLTO: "Realidade e símbolo. O que entendes com realidade?" D

R. LACAN: "Um exemplo: a encarnação do amor é a dádiva da criança que, para um ser humano, tem este valor de algo mais real."

DRA. DOLTO: "Quando a criança nasce, ela é simbólica da dádiva. Mas também pode haver dádiva sem criança. Portanto pode haver palavra sem linguagem."

DR. LACAN: Justamente, eu estou sempre pronto para dizê-lo; o símbolo ultrapassa a palavra."

DRA. DOLTO: "Constantemente chegamos a "o que é o real?" e sempre escapamos. E há outra maneira de se apreender a realidade psicanalítica que não esta, que, para minha psicologia, parece muito extrema. Mas tu és um mestre tão extraordinário que podemos te seguir se só depois entendemos. Na apreensão sensorial, que é um registro da realidade, há bases que me parecem mais seguras preliminarmente à linguagem, e a imagem de nosso corpo. E eu sempre pensava, e particularmente para a expressão verbal, já que o adulto se passa sobretudo por meio de expressão verbal do imaginário, se não houver imagem do próprio corpo ................ Desde que o outro tem ouvidos, não se pode falar ..........."

DR. LACAN: "Tu pensas muito nisto, que o outro tem ouvidos?"

DRA. DOLTO: "Eu, não, as crianças. Se eu falo, é porque eu sei que há ouvidos. Eu não falaria disso antes da idade edipiana, se fala mesmo se não houver ouvidos. Mas depois da idade edipiana, não se pode falar se não houver ouvidos."
DR. LACAN: "O que queres dizer?"
DRA. DOLTO: "Para falar, é preciso que haja boca e ouvidos. Então fica uma boca."

DR. LACAN: "É o imaginário."
DRA. DOLTO: "Ontem eu tive um exemplo disso. Ontem, numa criança muda que desenhava olhos sem orelhas. Eu disse a ela (posto que ela é muda): Não estranha que ela não possa falar, aquela, já que ela não tem boca. Ela tentou, com um lápis, colocar uma boca. Mas ela a colocou no lugar que cortava o pescoço. Ela perderia a cabeça, se falasse, perderia a inteligência; perderia a noção de um corpo vertical, se falasse. Para falar, é preciso a certeza que haja uma boca e que haja ouvidos."

DR. LACAN: "Aceito, sim." Mas os fatos muito interessantes que tu destacas são totalmente ligados a algo completamente deixado de lado, ligados à constituição da imagem do corpo enquanto ... do eu [moi] e com este corte ambíguo: o corpo fragmentado. Não vejo aonde queres chegar ..."

DRA. DOLTO: "A linguagem é só uma das imagens. É só uma das manifestações do ato de amor, só uma das manifestações onde o ser, no ato de amor, está fragmentado. Não somos completos, já que precisamos nos completar quando precisamos de palavra [parole]. Ele não sabe o que diz; é o outro que ele ouve. O que se passa pela linguagem pode se passar por muitos outros meios."

DR. MANNONI: "Uma ressalva: É porque os desenhos não são imagens, mas sim objetos e o problema de saber se sua imagem é símbolo ou realidade? É extremamente difícil."

DR. LACAN: "É um dos modos pelos quais em todo caso na fenomenologia da intenção, se aborda o imaginário, por tudo aquilo que é reprodução artificial, os mais acessíveis."

SRA. MARCUS-BLAJAN: "É importante ver a predominância do visual. Em geral os sonhos são visuais. Eu me pergunto a que isso corresponde."

DR. LACAN: "Tudo quanto é captação ..............."

as marcas de formatação são minhas.

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