domingo, 16 de maio de 2010

O perigo da história única

Este vídeo foi um presente da Karin, a dica dela me apresentou uma das melhores coisas q vi nos últimos tempos. Lindo.



Para ver com legendas, clique em http://www.ted.com/talks/lang/por_pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html

sábado, 15 de maio de 2010

Pai e filho britânicos simpatizantes do neonazismo são condenados

Mais dois neonazistas condenados.

Muitas vezes eu me pergunto como tenho estômago para essas coisas...
E, ainda que me custe (trocadilho infâme!) eu não desisto nunca.




Dois britânicos, pai e filho, simpatizantes de ideias nazistas, foram condenados à prisão nesta sexta-feira (14) depois que a polícia descobriu um veneno mortal que poderia ser usado como arma química na casa deles.

Condenado a dez anos de prisão, Ian Davison, de 42 anos, fabricou suficiente ricina para matar nove pessoas.

Ele foi condenado após admitir que produziu uma arma química, planejar atos de terrorismo e possuir manuais de terrorismo.

Seu filho Nicky, de 19 anos, foi condenado a dois anos de cadeia por possuir material útil para praticar atos extremistas.

A polícia encontrou o veneno durante uma busca na casa dos dois na cidade de Burnopfield, norte da Inglaterra, em junho do ano passado.

Neonazismo

O promotor Andrew Edis disse que Ian produziu a ricina em casa entre 2006 e 2007. Aparentemente, o veneno seria usado em uma tentativa de derrubar o governo britânico.

Ian explicou como pesquisou a manufatura da substância e comprou com facilidade os ingredientes.

"Um agravante particularmente desagradável deste caso é que você corrompeu seu filho", disse o juiz do caso a Ian.

Pai e filho, que foram julgados separadamente na cidade de Newcastle, mantinham o site de perfil neonazista ASF (Aryan Strike Force, ou "Força de Ataque Ariana", em tradução livre), cujo slogan é Whatever it Takes (ou Custe o que Custar).

Leia a notícia inteira em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/05/pai-e-filho-neonazistas-sao-condenados-na-gra-bretanha.html

mais ainda!

Supunhetamos, leitor (a), que você é jornalista e recebe pelo Correio um dossiê com comprovantes indicando que o ex-governador Paulo Maluf (ou o prefeito de uma capital do norte do país) roubou US$ 50 milhões e depositou tudo num paraíso fiscal. Os documentos -você percebe logo- foram grosseiramente falsificados. O que você faz? Joga tudo no lixo ou, ignorando a fraude, publica seu conteúdo como se fosse informação correta?

Essa pergunta feita no primeiro dia de aula sempre gerava polêmica no Curso de Jornalismo entre alunos da disciplina Ética e Legislação na Mídia que ministrei durante anos seguidos na Universidade Federal do Amazonas e, depois, na UERJ.

De um lado, estudantes mais afoitos justificavam: “O dossiê é falso, mas nos faz chegar a uma conclusão verdadeira: a de que Maluf é ladrão. Portanto, devemos publicá-lo, porque assim estaremos escrevendo certo por linhas tortas. No frigir dos ovos, o uso dessa mentira acaba deixando o leitor com a informação certa”.

Embora igualmente antimalufistas, outros alunos mais escrupulosos discordavam. Diziam: “se existe desconfiança de que Maluf é um ladrão de casaca -e as evidências são muitas- o repórter deve procurar provas do delito. Esse é o trabalho do jornalismo investigativo, que deve apresentar fato por fato e não vender fato por lebre. Inventar ou aceitar provas forjadas mesmo contra o pior crápula não é jornalismo. Quem renuncia à apuração dos fatos, engana os leitores, é um profissional incompetente e imoral.”

Esse parece ser o caso dos jornalistas da revista Veja Leonardo Coutinho, Igor Paulin e Júlia de Medeiros, que na semana passada assinaram uma reportagem encomendada intitulada “A Farra da antropologia oportunista”. Com uma diferença: como o dossiê falso não lhes foi remetido pelo Correio, eles saíram à caça não dos fatos, mas da lebre. O que nos faz pensar que aí tem dente de coelho.

Eles juram -mas não querem ver suas respectivas mães mortinhas no inferno se estiverem mentindo- que durante um mês visitaram onze municípios em sete estados, percorreram mais de 3 mil quilômetros de carro e barco e entrevistaram 70 pessoas em busca de fatos. Encontraram lebres. Não viram nem conversaram, por exemplo, com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, mas registraram declarações que ele nunca deu e que são exatamente o contrário de tudo aquilo que escreveu.

Mentiram pra cacete. Nem sequer uma vírgula ou um ponto de exclamação da matéria são verdadeiros. É tudo lorota! Entrevistas inventadas, números manipulados, informações fantasiosas, dados falsos, provas forjadas, fabricação de fatos. Tudo isso a troco de quê? Só a questão da luta pela terra pode ajudar a explicar tamanha agressão aos fatos e tanta falta de pudor.

veja o restante no autor, http://altino.blogspot.com/

Maravilhoso este post do Catatau!

May 14, 2010


Ver de olhos vendados

Algum tempo atrás surpreendeu quando a "blogosfera" brasileira conferiu um nome a Reinaldo Azevedo baseado em anglicismos: "reservoir dog" da Veja. O anglicismo faz parte do velho hábito de eufemizar, ou mesmo adornar, muitas coisas de gosto duvidoso (e nesse sentido o Dr. Ray e o Casseta e Planeta, cada qual a seu modo, mostram as inúmeras paródias).

O tal RA várias vezes se declarou "adepto ao debate de idéias" (sic). Mas quem já tentou comentar em seu blog sabe que não é assim: os comentários são selecionados, deleta-se os comentários contrários, e os moderadores se resumem a escolher comentários contrários imprecisos e estereotipados para o debate.

Ou então RA inicia cruzadas sazonais contra intelectuais de esquerda. Alguns respondem na moeda, apontando imprecisões. Outros devolvem o despeito, sabendo se tratar de alguém que "escolhe os debatedores" (RA já disse isso).

E não é que a caixa de comentários de RA emula o padrão editorial da própria revista Veja? Ou será, ironicamente, o contrário? O caso do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro é apenas o mais recente, nesse sentido. A revista foi tão infeliz quanto escolheu mal (mal??) o debatedor: deu uma aula sobre como desconsiderar qualquer figura de alteridade (portanto, qualquer debate, pois utilizou as idéias de Castro de forma irresponsável), e fez isso utilizando como objeto um antropólogo!

Segundo caso recente: a editora Abril demitiu o editor da National Geographic Brasil, Felipe Milanez, por criticar a Veja no twitter:

#veja psicografa entrevista q antropologos ñ deram.revista do #serra ñ faz jornalismo sujo.Nem jornalismo é http://miud.in/4uh

Também sobre o tema, http://www.tijolaco.com/?p=14170

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dos comentários

Aos que me perguntaram por e-mail: sim, eu modero comentários. Autorizo pouquíssimos. Antes qdo não fazia isso tinha muito troll e nazi me ameaçando de morte. Agora diminuiu.

DO NPTO

Idéia genial do Celso, do NPTO, que apóio: nenhum acadêmico brasileiro, de nenhuma área, tem direito de dar entrevista para a Veja, ou colaborar com a revista de que forma seja, enquanto não houver um pedido de desculpas a Eduardo Viveiros de Castro.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A grande resposta do Eduardo, com destaques, de novo, a pedidos!


Aos Editores da revista Veja:
Em resposta à mensagem que enviei à revista Veja no dia 01/05, denunciando a imputação fraudulenta de declarações que me é feita na matéria “A farra da antropologia oportunista”, o site Veja.com traz ontem uma resposta com o título “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”. Ali, os responsáveis pela revista, ou pela resposta, ou, pelo jeito, por coisa nenhuma, reincidem na manipulação e na mentira; pior, confessam cinicamente que fabricaram a declaração a mim atribuída.
Em minha carta de protesto inicial, sublinhei dois pontos: “(1) que nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) que não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma”.
Veja contesta estes pontos com os seguintes argumentos:
(1) “Sua primeira afirmação não condiz com a verdade. No início de março, VEJA fez contato com Viveiros de Castro por intermédio da assessoria de imprensa do Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde ele trabalha. Por meio da assessoria, Viveiros de Castro recomendou a leitura de um artigo seu intitulado “No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é”, que expressaria sua opinião de forma sistematizada e autorizou VEJA a usar o texto na reportagem de uma maneira sintética.”
Respondo: é falso. A Assessoria de Imprensa do Museu Nacional telefonou-me, talvez no início de março (não acredito mais em nada do que a Veja afirma), perguntando se receberia repórteres da mal-conceituada revista, a propósito de uma matéria que estariam preparando sobre a situação dos índios no Brasil. Respondi que não pretendia sofrer qualquer espécie de contato com esses profissionais, visto que tenho a revista em baixíssima estima e péssima consideração. Esclareci à Assessoria do Museu que eu tinha diversos textos publicados sobre o assunto, cuja consulta e citação é, portanto, livre, e que assim os repórteres, com o perdão da expressão, que se virassem. Não “recomendei a leitura” de nada em particular; e mesmo que o tivesse feito, não poderia ter “autorizado Veja” a usar o texto, simplesmente porque um autor não tem tal poder sobre trabalhos seus já publicados. Quanto à curiosa noção de que eu autorizei a revista, em particular, a “usar de maneira sintética” esse texto, observo que, além de isso “não condizer com a verdade”, certamente não é o caso que esse poder de síntese de que a Veja se acha imbuída inclua a atribuição de sentenças que não só se encontram no texto em questão, como são, ao contrário e justamente, contraditas cabalmente por ele. A matéria de Veja cita, entre aspas, duas frases que formam um argumento único, o qual jamais foi enunciado por mim. Cito, para memória, a atribuição imaginária: “Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original” . Com isso, a revista induz maliciosamente o leitor a pensar que (1) a declaração foi dada de viva voz aos repórteres; (2) ela reproduz literalmente algo que disse. Duas grosseiras inverdades.
Veja contesta o segundo ponto com o argumento:
(2) “Também não condiz com a verdade a afirmação feita por Viveiros de Castro no item (2) de sua carta. A frase publicada por VEJA espelha opinião escrita mais de uma vez em seu texto (“Não é qualquer um; e não basta achar ou dizer; só é índio, como eu disse, quem se garante” e “pode-se dizer que ser índio é como aquilo que Lacan dizia sobre ser louco: não o é quem quer. Nem quem simplesmente o diz. Pois só é índio quem se garante”).” Ato contínuo, a revista dá o texto na íntegra, repetindo que eu a autorizei a usar o texto “da forma que bem entendesse”.
No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf).
Pela ordem. Em primeiro lugar, essa resposta da revista fez desaparecer, como num passe de mágica, a frase propriamente afirmativa de minha suposta declaração, a saber, a segunda (Só é índio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original”), visto que a primeira (Não basta dizer que é índio etc.) permanece uma mera obviedade, se não for completada por um raciocínio substantivo. Ora, o raciocínio substantivo exposto em meu texto está nas antípodas daquele que Veja falsamente me atribui. A afirmação de Veja de que eu a autorizara a “usar” o texto da forma que ela “bem entendesse” parece assim significar, para os responsáveis (ou não) pela revista, que ela poderia fabricar declarações absurdas e depois dizer que “sintetizavam” o texto. Esse arrogamente “da forma que bem entendesse” não pode incluir um fazer-se de desentendido da parte da Veja.
Reitero que a revista fabricou descaradamente a declaração “Só é indio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original”. Se o leitor tiver o trabalho de ler na íntegra a entrevista reproduzida em Veja.com, verá que eu digo exatamente o contrário, a saber, que é impossível de um ponto de vista antropológico (ou qualquer outro) determinar condições necessárias para alguém (uma pessoa ou uma coletivdade) “ser índio”. A frase falsa de Veja põe em minha boca precisamente uma condição necessária, e, ademais, absurda. Em meu texto sustento, ao contrário e positivamente, que é perfeitamente possível especificar diversas condições suficientes para se assumir uma identidade indígena. Talvez os responsáveis pela matéria não conheçam a diferença entre condições necessárias e condições suficientes. Que voltem aos bancos da escola.
A afirmação “só é índio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original” é, repito, grotesca. Nenhum antropólogo que se respeite a pronunciaria. Primeiro, porque ela enuncia uma condição impossível (o contrário de uma condição necessária, portanto!) no mundo humano atual; impossível, na verdade, desde que o mundo é mundo. Não existem “ambientes culturais originais”; as culturas estão constantemente em transformação interna e em comunicação externa, e os dois processos são, via de regra, intimamente correlacionados. Não existe instrumento científico capaz de detectar quando uma cultura deixa de ser “original”, nem quando um povo deixa de ser indígena. (E quando será que uma cultura começa a ser original? E quando é que um povo começa a ser indígena?). Ninguém vive no ambiente cultural onde nasceu. Em segundo lugar, o “ambiente cultural original” dos índios, admitindo-se que tal entidade exista, foi destruido meticulosamente durante cinco séculos, por epidemias, massacres, escravização, catequese e destruição ambiental. A seguirmos essa linha de raciocínio, não haveria mais índios no Brasil. Talvez seja isso que Veja queria dizer. Em terceiro lugar, a revista parte do pressuposto inteiramente injustificado de que “ser índio” é algo que remete ao passado; algo que só se pode ou continuar (a duras penas) a ser, ou deixar de ser. A idéia de que uma coletividade possa voltar a ser índia é propriamente impensável pelos autores da matéria e seus mentores intelectuais. Mas como eu lembro em minha entrevista original deturpada por Veja, os bárbaros europeus da Idade Média voltaram a ser romanos e gregos ali pelo século XIV — só que isso se chamou “Renascimento” e não “farra de antropólogos oportunistas”. Como diz Marshall Sahlins, o antropólogo de onde tirei a analogia, alguns povos têm toda a sorte do mundo.
E o Brasil, será que temos toda a sorte do mundo? Será que o Brasil algum dia vai se tornar mesmo um grande Estados Unidos, como quer a Veja ? Será que teremos de viver em um ambiente cultural que não é aquele onde nascemos e crescemos? (Eu cresci durante a ditadura; Deus me livre desse ambiente cultural). Será que vamos deixar de ser brasileiros? Aliás, qual era mesmo nosso ambiente cultural original?
Grato mais uma vez pela atenção
Eduardo Viveiros de Castro
antropólogo – UFRJ

Sou antropóloga, logo não assino, nem leio VEJA

Começando a campanha...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Direto do NPTO

Veja falsificou depoimento de Eduardo Viveiros de Castro


May 4th, 2010 by NPTO.

É óbvio que os jornalistas da Veja já estão partindo do princípio de que, já que comparado à coluna do Reinaldo Azevedo ali do lado, tudo vai parecer bom, a gente pode escrever qualquer coisa.



Eis a resposta da Veja:

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro enviou a VEJA uma carta – divulgada amplamente na internet – sobre a reportagem “A farra antropológica oportunista”, publicada nesta edição da revista. Na carta, Viveiros de Castro diz: “(1) nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma”.

Sua primeira afirmação não condiz com a verdade. No início de março, VEJA fez contato com Viveiros de Castro por intermédio da assessoria de imprensa do Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde ele trabalha. Por meio da assessoria, Viveiros de Castro recomendou a leitura de um artigo seu intitulado “No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é”, que expressaria sua opinião de forma sistematizada e autorizou VEJA a usar o texto na reportagem de uma maneira sintética.


Também não condiz com a verdade a afirmação feita por Viveiros de Castro no item (2) de sua carta. A frase publicada por VEJA espelha opinião escrita mais de uma vez em seu texto (“Não é qualquer um; e não basta achar ou dizer; só é índio, como eu disse, quem se garante” e “pode-se dizer que ser índio é como aquilo que Lacan dizia sobre ser louco: não o é quem quer. Nem quem simplesmente o diz. Pois só é índio quem se garante”).

O antropólogo Viveiros de Castro pode não corroborar integralmente o conteúdo da reportagem, mas concorda, sim, como está demonstrada em sua produção intelectual, que a autodeclaração não é critério suficiente para que uma pessoa seja considerada indígena.[ênfase - NPTO]

Deixemos de lado os que vão dizer que receber um texto da assessoria de imprensa do lugar onde o cara trabalha autoriza a citar o sujeito como se o tivessem entrevistado.

Vejam a real beleza da coisa: em sua resposta, A VEJA NÃO REPRODUZ A FRASE QUE O EVC DIZ QUE NÃO DISSE, para que o leitor não possa compará-la com a frase que ele disse, e ver que (1) ELAS NÃO SÃO IGUAIS, e (2) A FRASE DO EVC SAIU NA VEJA ENTRE ASPAS, COMO DECLARAÇÃO REPRODUZIDA LITERALMENTE. O leitor tinha todo o direito de achar que era uma frase saída da boca do EVC. Não era: A FRASE FOI INVENTADA PELA VEJA.

O texto do qual a Veja diz que tirou a citação (o que, conforme sua própria confissão, e segundo ficará claro para quem ler o artigo, é falso) é muito difícil. Não se pode esperar que leigos entendam as referência a Lacan, os deleuzismos, a distinção entre differénce e identidade, enfim. É um texto escrito para antropólogos. Não acho que o Lacan esteja ali de graça, nem a idéia deleuziana do devir. Ninguém é obrigado a entender disso, mas quem não entender, favor não escrever sobre isso.

Como regra, só escreva sobre o que você conseguir ler.

Não tenho idéia se as propostas do EVC são boas, mas, ao contrário do cara que escreveu a matéria, e tal como o antropólogo que eles deveriam ter chamado para explicar o assunto para eles, sei que o texto do EVC não tem porra nenhuma a ver com o que a reportagem defende. Pago pra ver um antropólogo que entenda do assunto e diga que é a mesma coisa. A frase da Veja é:

Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente de cultura indígena original

É óbvio que o que a Veja está tentando fazer o Viveiros de Castro dizer é que só é índio quem ficou lá pelado comendo mandioca, e, eventualmente, outros índios, no mesmo lugar da mata a vida inteira, até morrer de varíola por volta de 1600.

Nem se vocês enfiarem o Reinaldo Azevedo no cu do cadáver fresco do Lévi-Strauss você vai conseguir fazer essa idéia sair de dentro de um antropólogo. Com muita boa vontade, e, repito, eu não acredito no que vou dizer agora, é só for the sake of argument, esse critério pode corresponder a um dos que o EVC oferece (como suficiente, mas não necessário): o cara estar lá no território ancestral.

Antes de dizer os outros critérios, vale notar o seguinte: o texto é inteiro feito para dizer que quem adota só esse critério está inteiramente errado. Arrumem um antropólogo para ler e vejam o que ele diz.

Além disso, há vários outros critérios: parentesco, parentesco por afinidade (ele diz claramente: quem os índios aceitarem como parentes, é índio), adesão aos valores culturais – que pode ser flutuante, pois, e aqui há um ponto muito importante, parte dos caras querendo virar índio são índios que foram pressionados a virar brancos durante décadas – adesão ao patrimônio cultural (minha expressão, não falo antropologuês bem o suficiente para ainda traduzir). Mesmo no caso dos índios que estão só agora estudando a própria cultura, o EVC oferece uma citação interessante do Sahlins: quando os europeus resolveram reaprender sua própria cultura, que tinham esquecido por séculos, nós chamamos isso de Renascimento.

Repito: não tenho a menor idéia do que seria uma boa política indigenista (e o próprio termo é esquisito). É possível que, se eu conhecesse o assunto a fundo, discordasse do EVC. Agora, eu sei ler, e sei que falsificaram o depoimento do cara. A Veja interpretar errado um texto técnico não é tão grave. O gravíssimo é pegar a interpretação errada, colocar entra aspas, e dizer que é do autor.


Fim de feira completo, falsificação, crime. A Veja deve dinheiro a Eduardo Viveiros de Castro.

Alguém explique para os caras que eles não têm material humano para discutir idéia complicada. Se essa idéia também for complicada demais pra eles, arrumem um macaco que saiba falar por sinais “palavra grande ruuuuuuuim”.

E se me permitem a fixação pós-moderna com a linguagem, o mais interessante na resposta da Veja é o “espelha”. No espelho se vê invertido, direita é esquerda, esquerda é direita, Eduardo Viveiros de Castro é Veja.

PS: o triste é que pode ser que apareça um desses intelectuais de aluguel pra defender a revista. Se aparecer, bring it on.

PSTU: se um ou mais antropólogos quiserem escrever apresentações mais bem feitas do texto do EVC, eu coloco como post, se vocês quiserem. O Igor imagino que vá publicar no Chihuahua.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Veja criou nova inquisição

é a vez são os antropólogos serem caluniados em prol da fogueira santa do liberalismo.

(Não) Veja e Viveiros de Castro

Viveiros de Castro para Veja

Talvez os responsáveis pela matéria não conheçam a diferença entre condições necessárias e condições suficientes. Que voltem aos bancos da escola.






Ao Editores da revista Veja:

Na matéria “A farra da antropologia oportunista” (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), seus autores colocam em minha boca a seguinte afirmação: “Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original” .

Gostaria de saber quando e a quem eu disse isso, uma vez que (1) nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma. Na verdade, a frase a mim mentirosamente atribuída contradiz o espírito de todas declarações que já tive ocasião de fazer sobre o tema. Assim sendo, cabe perguntar o que mais existiria de “montado” ou de simplesmente inventado na matéria. A qual, se me permitem a opinião, achei repugnante.

Grato pela atenção,

Eduardo Viveiros de Castro

Antropólogo – UFRJ



2. Resposta da Veja



Carta

“No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”

3 de maio de 2010

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro enviou a VEJA uma carta – divulgada amplamente na internet – sobre a reportagem “A farra antropológica oportunista”, publicada nesta edição da revista. Na carta, Viveiros de Castro diz: “(1) nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma”.

Sua primeira afirmação não condiz com a verdade. No início de março, VEJA fez contato com Viveiros de Castro por intermédio da assessoria de imprensa do Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde ele trabalha. Por meio da assessoria, Viveiros de Castro recomendou a leitura de um artigo seu intitulado “No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é”, que expressaria sua opinião de forma sistematizada e autorizou VEJA a usar o texto na reportagem de uma maneira sintética.



3.



Aos Editores da revista Veja:

Em resposta à mensagem que enviei à revista Veja no dia 01/05, denunciando a imputação fraudulenta de declarações que me é feita na matéria “A farra da antropologia oportunista”, o site Veja.com traz ontem uma resposta com o título “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”. Ali, os responsáveis pela revista, ou pela resposta, ou, pelo jeito, por coisa nenhuma, reincidem na manipulação e na mentira; pior, confessam cinicamente que fabricaram a declaração a mim atribuída.

Em minha carta de protesto inicial, sublinhei dois pontos: “(1) que nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) que não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma”.

Veja contesta estes pontos com os seguintes argumentos:

(1) “Sua primeira afirmação não condiz com a verdade. No início de março, VEJA fez contato com Viveiros de Castro por intermédio da assessoria de imprensa do Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde ele trabalha. Por meio da assessoria, Viveiros de Castro recomendou a leitura de um artigo seu intitulado “No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é”, que expressaria sua opinião de forma sistematizada e autorizou VEJA a usar o texto na reportagem de uma maneira sintética.”

Respondo: é falso. A Assessoria de Imprensa do Museu Nacional telefonou-me, talvez no início de março (não acredito mais em nada do que a Veja afirma), perguntando se receberia repórteres da mal-conceituada revista, a propósito de uma matéria que estariam preparando sobre a situação dos índios no Brasil. Respondi que não pretendia sofrer qualquer espécie de contato com esses profissionais, visto que tenho a revista em baixíssima estima e péssima consideração. Esclareci à Assessoria do Museu que eu tinha diversos textos publicados sobre o assunto, cuja consulta e citação é, portanto, livre, e que assim os repórteres, com o perdão da expressão, que se virassem. Não “recomendei a leitura” de nada em particular; e mesmo que o tivesse feito, não poderia ter “autorizado Veja” a usar o texto, simplesmente porque um autor não tem tal poder sobre trabalhos seus já publicados. Quanto à curiosa noção de que eu autorizei a revista, em particular, a “usar de maneira sintética” esse texto, observo que, além de isso “não condizer com a verdade”, certamente não é o caso que esse poder de síntese de que a Veja se acha imbuída inclua a atribuição de sentenças que não só se encontram no texto em questão, como são, ao contrário e justamente, contraditas cabalmente por ele. A matéria de Veja cita, entre aspas, duas frases que formam um argumento único, o qual jamais foi enunciado por mim. Cito, para memória, a atribuição imaginária: “Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original” . Com isso, a revista induz maliciosamente o leitor a pensar que (1) a declaração foi dada de viva voz aos repórteres; (2) ela reproduz literalmente algo que disse. Duas grosseiras inverdades.

Veja contesta o segundo ponto com o argumento:

(2) “Também não condiz com a verdade a afirmação feita por Viveiros de Castro no item (2) de sua carta. A frase publicada por VEJA espelha opinião escrita mais de uma vez em seu texto (“Não é qualquer um; e não basta achar ou dizer; só é índio, como eu disse, quem se garante” e “pode-se dizer que ser índio é como aquilo que Lacan dizia sobre ser louco: não o é quem quer. Nem quem simplesmente o diz. Pois só é índio quem se garante”).” Ato contínuo, a revista dá o texto na íntegra, repetindo que eu a autorizei a usar o texto “da forma que bem entendesse”.

(Veja o link para meu texto: http://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf).

Pela ordem. Em primeiro lugar, essa resposta da revista fez desaparecer, como num passe de mágica, a frase propriamente afirmativa de minha suposta declaração, a saber, a segunda (Só é índio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original”), visto que a primeira (Não basta dizer que é índio etc.) permanece uma mera obviedade, se não for completada por um raciocínio substantivo. Ora, o raciocínio substantivo exposto em meu texto está nas antípodas daquele que Veja falsamente me atribui. A afirmação de Veja de que eu a autorizara a “usar” o texto da forma que ela “bem entendesse” parece assim significar, para os responsáveis (ou não) pela revista, que ela poderia fabricar declarações absurdas e depois dizer que “sintetizavam” o texto. Esse arrogantemente “da forma que bem entendesse” não pode incluir um fazer-se de desentendido da parte da Veja.

Reitero que a revista fabricou descaradamente a declaração “Só é índio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original”. Se o leitor tiver o trabalho de ler na íntegra a entrevista reproduzida em Veja.com, verá que eu digo exatamente o contrário, a saber, que é impossível de um ponto de vista antropológico (ou qualquer outro) determinar condições necessárias para alguém (uma pessoa ou uma coletividade) “ser índio”. A frase falsa de Veja põe em minha boca precisamente uma condição necessária, e, ademais, absurda. Em meu texto sustento, ao contrário e positivamente, que é perfeitamente possível especificar diversas condições suficientes para se assumir uma identidade indígena. Talvez os responsáveis pela matéria não conheçam a diferença entre condições necessárias e condições suficientes. Que voltem aos bancos da escola.

A afirmação “só é índio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original” é, repito, grotesca. Nenhum antropólogo que se respeite a pronunciaria. Primeiro, porque ela enuncia uma condição impossível (o contrário de uma condição necessária, portanto!) no mundo humano atual; impossível, na verdade, desde que o mundo é mundo. Não existem “ambientes culturais originais”; as culturas estão constantemente em transformação interna e em comunicação externa, e os dois processos são, via de regra, intimamente correlacionados. Não existe instrumento científico capaz de detectar quando uma cultura deixa de ser “original”, nem quando um povo deixa de ser indígena. (E quando será que uma cultura começa a ser original? E quando é que um povo começa a ser indígena?). Ninguém vive no ambiente cultural onde nasceu. Em segundo lugar, o “ambiente cultural original” dos índios, admitindo-se que tal entidade exista, foi destruido meticulosamente durante cinco séculos, por epidemias, massacres, escravização, catequese e destruição ambiental. A seguirmos essa linha de raciocínio, não haveria mais índios no Brasil. Talvez seja isso que Veja queria dizer. Em terceiro lugar, a revista parte do pressuposto inteiramente injustificado de que “ser índio” é algo que remete ao passado; algo que só se pode ou continuar (a duras penas) a ser, ou deixar de ser. A idéia de que uma coletividade possa voltar a ser índia é propriamente impensável pelos autores da matéria e seus mentores intelectuais. Mas como eu lembro em minha entrevista original deturpada por Veja, os bárbaros europeus da Idade Média voltaram a ser romanos e gregos ali pelo século XIV — só que isso se chamou “Renascimento” e não “farra de antropólogos oportunistas”. Como diz Marshall Sahlins, o antropólogo de onde tirei a analogia, alguns povos têm toda a sorte do mundo.

E o Brasil, será que temos toda a sorte do mundo? Será que o Brasil algum dia vai se tornar mesmo um grande Estados Unidos, como quer a Veja ? Será que teremos de viver em um ambiente cultural que não é aquele onde nascemos e crescemos? (Eu cresci durante a ditadura; Deus me livre desse ambiente cultural). Será que vamos deixar de ser brasileiros? Aliás, qual era mesmo nosso ambiente cultural original?

Grato mais uma vez pela atenção

Eduardo Viveiros de Castro

antropólogo – UFRJ


acréscimo, o RA, já tinha mexido com ele antes, vejam em http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/antropologia-miolo-mole/

NOTA DA COMISSÃO DE ASSUNTOS INDÍGENAS

A reportagem divulgada pelo último número da revista Veja, provocativamente intitulada “Farra da Antropologia oportunista”, acarretou uma ampla e profunda indignação entre os antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de 10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.
Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela FUNAI a antropólogos das ONG’s e pagos em função do número de indígenas e terras “identificadas” (!) são obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer outras perícias usuais em procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a FUNAI seleciona antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subalternizadas e marginalizadas.

Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Sub-títulos como “os novos canibais”, “macumbeiros de cocar”, “teatrinho na praia”, “made in Paraguai”, “os carambolas”, explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes (possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada. Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.

A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a matéria “repugnante”. O outro, que foi presidente da FUNAI por 4 anos, critica duramente a matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a “uma frase impronunciada” e de “sentido desvirtuante” de sua própria visão.

A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens envolvidos são desconhecidos, isto apenas considerando os últimos anos. O antropólogo Stephen Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses depois, uma reportagem intitulada “Os Falsos Índios”, publicada em 29 de março de 2006,

defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.

Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título “Made in Paraguai - A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um sub-título foi repetido na matéria da semana passada - "Made In Paraguay”. O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.

Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada “Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio” (pgs. 104-106). O sub-título diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do “apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.

Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de direito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.

Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo “neocon”. A presença de “reporteres de dossier” é uma outra característica deste tipo de revista. A luz dos comentários deste conceituado jornalista a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada não deixa de ser bastante significativa. Ai aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M’bià, confrontados por uma proposta do mega-investidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, que os qualificam como “paraguaios” (tal como os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).

Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (em disputas concretas com interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).

É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA está em contato com seus assessores no campo jurídico visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.

Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para, através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas

como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão.

João Pacheco de Oliveira

Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI

terça-feira, 4 de maio de 2010

Os Espertalhões e a Veja

Acabei de ler o artigo da veja "A Farra da Antropologia Oportunista" e fiquei estarrecida com a forma bem articulada e ordenada de encobrir verdades, explicitar meias palavras e escancarar depoimentos – escolhidos a dedo – de supostas autoridades discursivas.

Como antropóloga e jornalista percebo, como muitos de vocês, o caráter declaradamente parcial da linha editorial da revista, que de fato não pretende se apresentar como um meio de comunicação que ponha em discussão os dois ou mais lados de uma questão. Sua pretensão é a da formação de opinião a partir de um posicionamento parcial, enfático e carregado de uma expressividade de "dona da verdade", baseada na longa data de existência e, para grande parte do público que a lê, na suposta seriedade de seus artigos – já que não podemos chamar de matéria jornalística escritos tão escancaradamente opinativos como os deste periódico.

Até aí nada de errado, já que a revista se declara abertamente opinativa, não escondendo portanto sua parcialidade. Escrevo, no entanto, a fim de percebermos a forma como a revista pega cada uma das informações e cuidadosamente as seleciona para ir além da opinião e distorcer, omitir e comprometer o posicionamento ético que supostamente acalenta. Começando com as autoridades discursivas citadas – Mércio Pereira Gomes e Eduardo Viveiros de Castro – que demonstram um olhar não só reconhecidamente parcial com relação ao processo de fortalecimento de identidades étnicas no país, como tiveram suas frases escolhidas a dedo para corroborar com uma perspectiva de "originalidade cultural" e de deslegitimação do processo de regularização de territórios indígenas – se é que foram mesmo frases deles, pois o Viveiros de Castro já desmentiu a presença de qualquer fala sua no artigo.

Por outro lado, o artigo explicita meias verdades, ao citar no box "índio bom é índio pobre", o caso de um grupo que, por "culpa" da Funai, teria perdido a oportunidade de vender seu território, em troca de 1 milhão de reais para cada família. Ora, sabemos que, por lei as terras indígenas são propriedade da União e de posse coletiva dos Guarani, sendo inalienáveis, o que evidentemente – mas não tão evidentemente no artigo – impossibilita qualquer tipo de negociação. Por outro lado, ficou explícita a perspectiva preconceituosa como foi caracterizada a liderança do grupo, que segundo a revista é "casada com um caminhoneiro (branco), tem carro, tv, computador, faz compras no supermercado" – fiquei pensando se ela seria mais poupada se fizesse compras em alguma vendinha local.

São tantas as meias verdades, que parece difícil numerar todas. Temos, por exemplo, o momento em que são citados os Anacé (CE), como grupo que faz macumba por achar que seria indígena, o que o artigo trata de declarar como um erro, já que se trataria de um "culto africano". Omitindo, de forma perspicaz, o fato de que os grupos indígenas ao longo dos anos não viveram envoltos em uma bolha cultural, mas estabeleceram relações – de forma enfática naquela região – com populações de origem africana, do que derivaram formas culturais ampliadas, englobando a realidade religiosa dessas pessoas.

Curiosamente, ao citar os laudos antropológicos, segundo a Veja elaborados "sem nenhum rigor científico e com claro teor ideológico de uma esquerda que ainda insiste em extinguir o capitalismo, imobilizando terras para a produção", se depõe de forma criminosa – que seria melhor ressaltada através de um processo movido pela ABA – contra o trabalho de profissionais que têm no rigor científico sua base de ação, desmerecendo processos reflexivos multidisciplinares, que vão além da antropologia, englobando saberes não só das ciências sociais, como também históricos, geográficos, ambientais e jurídicos, para citar apenas algumas das disciplinas envolvidas na feição do documento.

Os ataques foram bem alimentados com informações cuidadosamente embaralhadas – como a de englobar em um mesmo percentual (77,6%) as terras indígenas, quilombolas, assentamentos e reservas florestais, como de áreas improdutivas (e o montante sobe para 90,6% quando incluem cidades e infraestrutura). Fiquei me perguntando o que, afinal, seria o que o artigo chama de "território para produção e desenvolvimento". Porque produtivas as terras indígenas, quilombolas e os assentamentos também são, como temos centenas de exemplos. E até mesmo em áreas de preservação, onde está crescendo a consciência de um manejo sustentável para as famílias que tiram seu sustento das florestas. Afinal, para quem se geraria renda com o que foi definido como "agronegócio" pela veja? A grandes conglomerados empresariais? A mega empresários que pouco ou nada trazem em troca para o país, além de seus nomes divulgados na lista dos mais ricos do mundo (e o que afinal isso contribui para a vida dos brasileiros???)

A Veja parte de uma imoralidade ética e ofensiva não só às comunidades tradicionais, antropólogos e indigenistas como também ao próprio jornalismo.

Um olhar preconceituoso,

tanto do que seria as comunidades tradicionais e assentados rurais quanto da perspectiva de desenvolvimento, que pelo que pude ver se refere a uma visão elitista e antiquada, destinada a negócios que gerem renda para a pequena parcela de privilegiados economicamente. Desmerecendo inclusive a crescente onda de valorização pela comunidade internacional do trabalho familiar e do comércio responsável, que incentiva a produção local e o manejo tradicional de recursos naturais.

Beira a vergonha a forma escancarada como se ataca os personagens apresentados na matéria, e como se transforma uma reivindicação que, evidentemente, tem também seu caráter político, em uma estratégia de "espertalhões", para se apossarem de terras que poderiam estar nas mãos produtivas do "agronegócio". Uma jogada de mestre desta revista, que transforma a reivindicação de grupos tradicionais em um simples jogo por dinheiro, e que coloca os "cidadãos brasileiros" como vítimas de índios,

quilombolas e assentados – que, pelo visto, não são brasileiros, e muito menos cidadãos.

Kelly Oliveira, Associada da ABA, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE

Nota da Diretoria da ABA sobre matéria publicada pela revista Veja

Nota da Diretoria da ABA sobre matéria publicada pela revista Veja (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010)

Frente á publicação de matéria intitulada "A farra da antropologia oportunista" (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em nome de seus associados, clama pelo exercício de jornalismo responsável, exigindo respeito à atuação profissional do quadro de antropólogos disponível no Brasil, formados pelos mais rigorosos cânones científicos e regidos por estritas diretrizes éticas, teóricas, epistemológicas e metodológicas, reconhecidas internacionalmente e avaliadas por pares da mais elevada estatura cientifica, bem como por autoridades de áreas afins. A ABA reserva-se ao direito de exigir dos editores da revista semanal Veja que publique matéria em desagravo pelo desrespeito generalizado aos profissionais e acadêmicos da área.





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