quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sementes do anti-semitismo

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Sementes do anti-semitismo
postado no blog 09/07/2008

http://robertounicamp.blogspot.com/2008/07/correio-popular-de-campinas-publicada.html


"O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações
são as que dão o ser ao pregador. Ter nome de pregador, ou ser pregador de nome
não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o
mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o
conceito que de sua vida têm os ouvintes" (Padre Vieira).


A hierarquia católica é decisiva na semeadura do ódio anti-semita, sobretudo no século 20. Tal atitude dura até o desencanto com o nazi-fascismo. Quando a Cúria percebe que sua aliança com os regimes totalitários serve apenas a eles, começa o lento e gradual divórcio, cujos resquícios permanecem após a Segunda Guerra nas ditaduras de Franco e de Salazar.

Razões de Estado ordenam o acordo de Latrão (é reconhecida por Mussolini a soberania papal sobre o Vaticano) e a Concordata de Império com Hitler em 20/7/1933. Nesta última, os sacerdotes são assimilados aos funcionários estatais.

Vantagens semelhantes foram pagas com moeda infernal, algo talvez imprevisto por Pio XII que assinou a Concordata, antes de subir ao trono de Pedro. O Secretário de Estado Pacelli nota que os termos do texto são violados por Hitler e protesta, mas não há ruptura entre as duas potências, a espiritual e a secular.

Surge a Encíclica Mit brennender Sorge ("Com Ardente Inquietação" ) que condena o racismo. Mas a maior denúncia do racismo deixa de ser publicada. Em 1938 Pio XI encomenda o projeto de uma Encíclica sobre a unidade do gênero humano. O redator do texto é o padre John La Farge SJ, estudioso do racismo nos EUA. Na pesquisa para o projeto colaboram os padres G. Desbuquois (francês) e G. Gundlach (alemão), também da Companhia de Jesus. O trabalho é feito em 1938. Como a França e boa parte da Europa estão sob vigia, o padre Gundlach é denunciado à Gestapo por um zelador que operava nos círculos vaticanos. O padre é advertido: se entrasse na Alemanha seria preso.

Instalado em Roma, o mesmo sacerdote denuncia (1/4/1938) na Rádio do Vaticano o "falso catolicismo político" dos bispos austríacos e do cardeal Innitzer que declara apoio ao Anschluss (união Áustria e Alemanha): "Os responsáveis pelas almas e fiéis" diz Sua Eminência, "se alinham incondicionalmente atrás do grande Estado alemão e do Füher" . (Cf. Georges Passelecq (monge beneditino) e Bernard Suchecky (historiador judeu): L’ Encyclique caché de Pie XI. Une occasion manquée de l’ Église face à l’antisémitisme, La Découverte, Paris, 1995, p. 104). Pio XI exige sua retratação, mas a semente foi lançada. Hitler, que o pontífice chama o "profeta do Nada" tem agora no seu redil, muitas ovelhas católicas tangidas pelos pastores.

O nome da Encíclica seria Humani generis unitas (A Unidade do Gênero Humano) e denunciaria o nacionalismo racista e a guerra. São nela atacadas "a pretensa concepção dos antigos germanos" e a identificação entre Deus, raça e povo, Estado e governantes. A defesa dos judeus é fragílima no escrito, quase toda extraída de um artigo do padre Gundlach sobre o anti-semitismo, publicado em 1930.

A Encíclica não foi publicada. Várias causas indicam a censura: fim do pontificado de Pio XI e ascensão de Pio XII, amigo da Alemanha e cauteloso quando se tratava de defender os católicos, não os perseguidos por Hitler. O superior jesuíta dos redatores, polonês (já sabemos como os bispos poloneses pensavam, no caso dos judeus) escondeu o texto o quanto pôde. Apesar de tudo, o documento chegou ao Papa Pio XI. Este, em audiência privada com o padre La Farge pediu-lhe que redigisse "como se fosse o próprio papa" . Confessa o bom padre: "É como se a rocha de São Pedro tivesse caído sobre minha cabeça" .

La Farge fez chegar o manuscrito ao papa, apesar do superior polonês. Quem deseja mais informações, leia o próprio livro, citado acima, em que se publica o texto da Encíclica censurada e as notas de Henri Medelin na revista Études (Paris): Cristianismo, História, Racismo, Vaticano (dezembro de 1995, p. 6). No próximo artigo, falaremos da atitude dos católicos brasileiros sobre o anti-semitismo.
Postado por Roberto Romano às 8:11 PM

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22/07/2008 Roberto Romano

Roberto Romano
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O anti-semitismo brasileiro


Após verificar alguns prismas do anti-semitismo católico na Europa, passemos ao Brasil. Não existe imprensa religiosa sem o controle da Hierarquia. A regra vale para o nosso País em 1934. O Tratado de Latrão e a Concordata de Império fazem da Igreja uma aliada dos regimes liderados por Mussolini e Hitler.

A Concordata com o governo nazista surge em 1933. Os religiosos brasileiros liderados pela Hierarquia, no esquema da Ação Católica, em 1934 ostentam atitude simpática diante do poder totalitário. A Revista A Ordem (dirigida por leigos mas sob a tutela e censura dos bispos) escreve no Editorial do número 47 (janeiro de 1934, página 77) contra os judeus e em favor de Hitler. No entender do editorialista a perseguição anti-semita não passa de “mistificação” devida a uma “conjura” dos judeus contra Hitler, com o alvo de “impedir que o nacional-socialismo” assegure o poder:

“Já se havia dito que o êxodo dos judeus em massa, da Alemanha, obedecia a
um plano político organizado contra o partido de Hitler. (...) Malgrados porém
esses propósitos, graças ao patriotismo do povo alemão, os judeus vão desistindo
da sua conjura, e retornam às antigas atividades que exerciam (...) submissos às
leis do país”.


A citação do Editorial, cujo título é Os horizontes clareiam, a encontro em Cândido Moreira Rodrigues, no livro A Ordem, uma revista de intelectuais católicos, 1934-1945” (São Paulo, Autêntica - Fapesp, 2005, p. 148).

O anti-semitismo segue, em articulistas da revista, o elogio da ditadura. “A nossa hora é a Hora da Força. Os governos, ou são discricionários e absolutos, como na Rússia, na Itália, na Alemanha e nas infinitas ditaduras secundárias (...) ou tendem para a ditadura, como nos Estados Unidos; ou vivem em crises intermináveis, e são liberais, como na França e na Inglaterra” (Oliveira, J. Lourenço: “A Hora inquieta que vivemos”, A Ordem, junho 1934).

Alguns, como Perillo Gomes, criticam a violência nazista e o racismo, mas apoiam o uso da força para combater os movimentos subversivos (“A Limpeza feita na Alemanha”, A Ordem, 1934). Outros, como Julio Sá, criticam o racismo mas afirma que “no fundo do fascismo, como do nazismo” existe o sinal do retorno do homem ao seu “verdadeiro destino”.

A partir de 1938 o Estado totalitário mostra a face contrária à religião. Em Roma e no Brasil a Igreja ensaia um passo atrás na concórdia diplomática e política anterior. No artigo “As vitórias de Hitler”, Perillo Gomes condena os nazistas. “Haja porém o que houver, de uma coisa estamos seguros: só a Igreja tem por si a promessa de perdurar até a consumação dos séculos. Átila ou Hitler, todos passam”.

Alceu Amoroso Lima em “O nacionalismo cristão” (A Ordem, outubro de 1938) condena o racismo e cita o füher. “Assim se exprime o próprio Hitler, tomando como exemplo a nossa América: ‘A experiência histórica mostra com precisão assustadora que toda mistura de Arianos com povos inferiores traz como consequência o fim do povo portador de cultura (...) A América Central ou do Sul, na qual os conquistadores românicos se misturam com os indígenas (...) o resultado (...) é assim : a) abaixamento do nível da raça superior e b) decadência física e mental e com isso o início de uma enfermidade crescente!- Mein Kampf)”.

Todas as citações de A Ordem, as retiro de Moreira Rodrigues, no livro excelente citado acima.De 1934 a 1938, a posição mudou? Como a revista dirigida de fato pela Hierarquia publica artigos sobre “conjuras judaicas” contra o bom Hitler e quatro anos depois enxerga o diabo no Terceiro Reich? Merleau Ponty, em artigo intitulado “Fé e Boa Fé” sugere que os católicos sempre se dizem “culpados pelo pretérito, infalíveis no presente e inocentes quando se trata do futuro”.

No anti-semitismo eclesiástico esta lógica é a efetiva. Esperemos que a Igreja saiba anular os anti-semitas dissimulados no redil. Afinal, não é muito recordar aos católicos que Jesus, sua mãe e seu pai, são judeus.

Postado por Roberto Romano às 5:36 AM
Terça-feira, Julho 22, 2008

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