ninguém sai vivo de um campo de concentração.A perseguição desumana e a inimaginável animalização imposta a estas pessoas pelo mais abominável regime totalitário de todos os tempos foi mais do que suficientemente retratada. Não se trata aqui apenas de reafirmar isto: mas de recordar a dor. Eu convivi em cada uma das entrevistas com a dor, incômoda, nauseante, consternadora. A descrição de toda a tortura criara em mim um estado de alerta: ultrapassamos, como humanos, os limites possíveis. E, se humana me construo, afinal humano ser é humano fazer-se, esta dor é minha. É minha porque não posso permitir a partilha deste fato sem me surpreender que pessoas humanas, como eu e você, um dia optaram por permitir que campos de concentração aprisionassem judeus, ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais, enfim, outras pessoas humanas, como eu e você.
O sentido da palavra humano se fragilizou pela experiência tenebrosa do holocausto, pois a perseguição realizada por parte da humanidade à outra parte estilhaçou o espelho em que mirávamos o nosso rosto pseudo civilizado. Restou-nos resgatar nossa face humana. É verdade que toda uma luta por Direitos Humanos se iniciou, mirando este resgate. Isto, no entanto, parece escapar-nos. Permitir que vozes se levantem negando o Holocausto é não acalmar feridas mal cicatrizadas, é abrir permissão para assassinar novamente.
Por isto, não posso aceitar a vinda do presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil no início de maio. Na delegação de Ahmadinejad, composta por pelo menos cem pessoas, estarão representantes de vários setores do governo iraniano e empresários. Serão assinados acordos de cooperação econômica, técnica e cultural. Este controverso presidente defende varrer Israel do mapa, questiona o Holocausto e recusa pressões para suspender o programa nuclear iraniano. O comércio bilateral com o Irão significa 2 bilhões de dólares e a presença da Petrobrás no Irão - a estatal estuda ampliar a atuação iniciada em 2004.
Esta semana, a administração Obama reafirmou que concorda com Israel a respeito do programa nuclear iraniano: ele é uma gigantesca ameaça à estabilidade, notadamente delicada, do Oriente Médio. Munido de um apelo populista (se auto-proclama "o amigo do povo"), Mahmoud Ahmadinejad quando eleito presidente do Irã, em 2005, no entanto, ainda era uma figura pouco conhecida internacionalmente. Sua trajetória política conhecia como marco a designação para prefeito de Teerã, em 2003. Fortalecido pelo apoio de setores conservadores poderosos, que mobilizaram uma rede de mesquitas a seu favor, a candidatura à presidência obteve vitória nas urnas.
Como prefeito, o ex-militar havia fechado inúmeras lanchonetes de fast-food e obrigado todos os funcionários homens da prefeitura a usar barba e vestir camisas de mangas compridas. Recusava qualquer manifestação pró-ocidente, como exemplifica a proibição, determinada por ele, da primeira campanha publicitária desde a Revolução Islâmica de 1979, apenas por se vincular a imagem de uma celebridade ocidental, o jogador de futebol britânico David Beckham. Ahmadinejad também defende o programa nuclear que tanto preocupa os Estados Unidos e a União Européia. Desde sua posse, o Presidente iraniano manifestou nas Nações Unidas sua intenção firme de prosseguir com a produção de combustível nuclear. Desde então, ele insiste nesta concepção: defende o Irã como possuidor de "um direito inalienável" à energia nuclear e ofereceu mesmo a países estrangeiros um papel no seu programa nuclear.
Não quero partilhar o solo brasileiro com este homem. Simplesmente, porque ele se recusa a partilhar a humanidade com milhões de seres humanos, ao negar sua dor, história e memória.