E você, Demóstenes, com que raça você quer acabar?
Mar 8th, 2010 by NPTO.
(o Demóstenes começa ali logo depois de 30 minutos; o racismo começa lá pelo minut 50)
Não, o comentário do Bornhausen sobre “acabar com essa raça” não era racista (ele queria acabar com o PT, e, afinal, foi a raça dele que meio que sumiu). Indignado, pois, por seu partido ter dito algo que não era racista, Demóstenes Torres resolveu botar ordem na casa e deixou claro quem é que é fascista de verdade nessa budega.
Em um depoimento no STF, Demóstenes disse que esse negócio dos negros serem vítimas da escravidão é papo furado. Os negros faziam tráfico de escravos na África. Além disso, essa história de que as escravas eram estupradas não é bem assim, não. O Gilberto Freyre já disse que era tudo meio consentido.
Antes de continuar, pensem no que teria acontecido se isso tivesse sido dito nos EUA. O líder dos republicanos no Congresso vai na Suprema Corte e diz:
Olha, eu não sei quanto à vó do Obama lá na África, mas as pretas que mandaram pra cá queriam era dar pra gente. Elas liked it rough.
A reação pública a isso faria a Guerra Civil parecer uma briga entre as torcidas organizadas do Boavista e do Duque de Caxias. Mas aqui só rendeu uma corajosa matéria na Folha e a coluna redentora do Gaspari de hoje, além, é claro, das citações nos blogs de esquerda de sempre (como este).
A matéria do Gaspari traz as citações necessárias para livrar a barra do coitado do Gilberto Freyre, que falou umas besteiras, mas nada desse naipe. E era brilhante, único autor brasileiro que eu vi na reserva de livros da biblioteca do Nuffield College.Tá lá no Gaspari:
Gilberto Freyre escreveu o seguinte:
“Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime”.
“O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravação com a sua docilidade de escrava: abrindo as pernas ao primeiro desejo do sinhô-moço. Desejo, não: ordem.”
“Não eram as negras que iam esfregar-se pelas pernas dos adolescentes louros: estes é que no sul dos Estados Unidos, como nos engenhos de cana do Brasil, os filhos dos senhores, criavam-se desde pequenos para garanhões. (…) Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravidão.”
Ao que eu acrescentaria que sempre me choca a leveza com que filhodaputa aplica nossa moral cotidiana a vítimas de situações extremas. O sujeito vê que uma judia no campo de concentração aceitou dar para o SS para não ir para o gás, e, ao invés de pensar, caralho, vejam em que situação colocaram a coitada, ele pensa, “ah, então devia mesmo ser uma boa bisca”.
Para uma escrava no Brasil, ter um filho do senhor poderia significar, por exemplo, a chance de criar seu próprio filho: não era impossível que o senhor, que podia vender os filhos dos escravos quando quisesse, aliviasse um pouco a barra dela em troca de sexo. Criar o próprio filho é uma experiência que todos damos de barato como natural à vida humana, mas que foi negada (ao menos como algo com o que se poderia contar) a gerações e gerações de mulheres no Brasil da senzala. Aí uma dona descobre um meio de não se separar de seu bebê, e o que diz o Demóstenes? Queria era dar, né não, vagabunda?
Bom, alguém ficou chocado com o fato da elite brasileira mais reacionária ser racista? Bom, eu não. O que me choca é que esse jumento tenha sido o melhor que o PFL arrumou para mandar ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL criticar a ação afirmativa. Aí o cara se tocou que era melhor citar algum livro, lembrou que alguém disse pra ele que o Gilberto Freyre dizia que a escravidão era o maior barato, e ele mandou ver.
É perfeitamente possível ser contra as cotas por bons motivos (eu permaneço mais ou menos agnóstico). No próprio discurso do Demóstenes, muito confuso, tem um ou outro ponto razoável. Agora, não é fácil ganhar o debate se não se tem uma alternativa para combater a exclusão racial no Brasil, e praticamente impossível se o seu campeão for o PFLóstenes.
A campanha eleitoral começou, como se pode ver pelas capas das revistas semanais das últimas semanas. Sempre que vocês verem a mídia conservadora se comportando como partido, lembrem-se que isso se deve, em boa parte, ao fato de que não há um partido de direita minimamente higiênico ao qual delegar essa função.
PS: mais sobre o assunto no Sakamoto.
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