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Como funciona a ideologia racista? Quais são os seus laços com o nacionalismo, a xenofobia e o autoritarismo? Quais são os obstáculos que o anti-racismo deve evitar na sua luta contra esse inimigo da democracia pluralista? A seguir, alguns dados para reflexão pelo especialista francês no assunto, Pierre-André Taguieff.
Racismo, uma violência que atinge a integridade da pessoa.
O pensamento racista repousa no postulado da fixidez da “essência” ou da “natureza” que todo indivíduo humano possuiria em razão de seu “nascimento”, ou pelas suas origens, colocadas como primárias ou determinantes. A unidade da humanidade está despedaçada, fragmentada em “categorias essenciais” entre as quais não existe em princípio nem portas, nem janelas, nem pontes. O racismo funciona como método de dissociação: ele separa e diferencia, antes de classificar segundo uma ordem hierárquica. Assim, ele fabrica seres “assimiláveis” e “inassimiláveis”.
É apenas quando conjuga uma ideologia política capaz de provocar mobilizações – como o nacionalismo – que o racismo doutrinal comporta normas e prescrições. Ele estimula a "limpar" ou a "purificar" a sociedade dos elementos "indesejáveis" que ela contém, a manter à distância determinadas categorias de população, a proibir-lhes o acesso a um ou outro status social e a uma ou outra profissão. Podemos reconhecer o racismo por seus efeitos, suas conseqüências, diretas ou indiretas: discriminação, separação ou segregação, subordinação e eliminação.
Desde o final do século XIX, o racismo vem se manifestando de maneira predominante sob a forma de nacionalismo. Ele surge primeiramente no nacionalismo xenófobo clássico visando preferencialmente o país vizinho e em seguida nos etno-nacionalismos contemporâneos que rejeitam as minorias e os "imigrantes", considerados perigosos para a identidade ou a homogeneidade do povo dominante, ou para a ordem interna e até mesmo a soberania do Estado-Nação.
Parece portanto ser necessário que a luta contra o racismo leve em consideração esses vetores privilegiados do racismo que são as mobilizações nacionalistas, tenham elas o apoio dos Estados-Nações existentes, ou fortaleçam-se contra estes últimos assumindo a forma de micro-nacionalismos separatistas.
As frentes anti-racismo
Durante os anos 80 e 90, o anti-racismo à francesa redefiniu-se por uma luta em duas frentes: por um lado, a luta contra a extrema direita política; por outro lado, uma mobilização em favor dos “imigrantes” ou de certas categorias de “estrangeiros” (de origem extra-européia) vistos como vítimas reais ou virtuais do “racismo”. Rapidamente, no entanto, a estratégia ofensiva visando a extrema direita passou à frente da estratégia defensiva, centrada no objetivo de oferecer ajuda e proteção aos “imigrantes” vitimados.
Desde 1984-1985, essa estratégia predominantemente midiática, que combinava ataques políticos cada vez mais radicais a uma indignação moral encarnada pelos cantores de música popular, jornalistas célebres, atores, etc., escapou dessa forma da esfera de influência das organizações antigamente especializadas na luta contra o racismo, o anti-semitismo e a xenofobia.
As representações anti-racistas do racismo, na França em particular, constituíram-se , desde a Segunda Guerra Mundial, em reação contra o nacional-socialismo hitleriano (simbolicamente reduzido ao anti-semitismo exterminador que ele encarnou e colocou em prática). É por isso que o discurso anti-racista contemporâneo é amplamente tributário do anti-fascismo histórico – que seria mais correto chamar de “anti-nazismo” – enquanto que os regimes combatidos pela propaganda anti-fascista desapareceram há mais de meio século.
Ora, é necessário empenhar-se em reconhecer e conhecer a novidade dos processos e das mobilizações que são considerados perigosos para a democracia pluralista. Trata-se hoje, no mais das vezes, de reações de identidade (de base étnica, com predominância lingüística ou religiosa), provocadas ou favorecidas pela globalização selvagem e dirigidas seja contra um ou outro aspecto desta (uniformização, perda de soberania dos Estados, desestruturação do laço social, precarização, etc.), seja contra os Estados nacionais existentes.
O anti-racismo contemporâneo, ao se reinscrever na tradição anti-fascista (sem no entanto repensá-la), recentrou-se portanto em um combate ultra-midiatizado contra a extrema direita. Como a extrema direita parecia agradar mais ao “povo” do que às elites, esse anti-racismo na verdade ilustra de fato o anti-populismo das elites da cultura e dos meios de comunicação. Ora, se o “populismo” abre espaço para os desvios demagógicos ou autoritários, ele constitui também uma dimensão da democracia moderna: a soberania do povo. Assim, os anti-racistas reconvertidos em “anti-nacionalistas” e anti-populistas não podem logicamente deixar de concluir por uma rejeição ao princípio de soberania nacional e popular, e preferem, definitivamente, seja voltar ao velho internacionalismo revolucionário, seja precipitar-se numa utopia da globalização resplandecente.
O anti-racismo dos anos 50 a 70, ao contrário, era regido pela convicção de que as “teses racistas” representavam erros devidos à ignorância ou ao poder dos preconceitos, erros que os cientistas podiam e deviam corrigir, depois de havê-los denunciado. O anti-racismo era definido de maneira ideal como a continuação do combate das luzes contra as trevas da ignorância ou as idéias preconcebidas. O anti-racismo científico englobava um ideal relativo ao humanismo racionalista (como demonstra a missão da UNESCO): através da instrução e da educação, fazer com que advenha um mundo onde o racismo não sobreviva senão sob a forma de um arcaísmo, de uma marca do passado. Essa fé no enfraquecimento futuro do racismo parece ter perdido a força.
A transformação recente do anti-racismo em anti-nacionalismo, ou até em “anti-nacionismo” e anti-populismo favoreceu, ao longo dos anos 90, a tendência a se recorrer exclusivamente à sanção judicial. Essa redução do racismo à delinqüência reforçará a tendência a explicar os comportamentos ou as atitudes dos outros quando as achamos condenáveis por serem ditadas por predisposições “naturais”, ao invés de serem supostamente explicáveis por fatores de situação (inculcação precoce de preconceitos, instrução insuficiente, situação de concorrência pelo emprego, etc.). Porque ninguém é de “extrema direita” por natureza.
O que fazer?
Nenhum democrata coloca em questão o princípio de que uma democracia constitucional deva defender-se contra seus inimigos, inclusive e sobretudo contra os que não aceitem respeitar provisoriamente a legalidade senão com vistas a ganhar as eleições e em seguida destruir o regime democrático. Inúmeros agrupamentos denunciando violentamente a democracia parlamentar puderam assim jogar, no século XX, o jogo da democracia parlamentar dentro de uma perspectiva tática.
O conflito começa quando se coloca a questão a respeito dos meios de se combater os inimigos da democracia. Quem tem autoridade para distinguir os partidos “democráticos” dos partidos “anti-democráticos”, e com base em que critérios? Ou como definir, de uma maneira ao mesmo tempo objetiva e consensual, a extremidade política intolerável?
Se considerarmos que a extrema direita constitui em determinados aspectos uma ameaça para as liberdades fundamentais, o recurso a formas de repressão judicial é justificado. É preciso ainda levar em consideração a natureza política do movimento considerado perigoso para a democracia pluralista, e, conseqüentemente, inscrever a ação judicial no âmbito mais amplo da luta política. Resta que, diante de um adversário político, nem tudo é permitido no âmbito de uma democracia constitucional. O reconhecimento do direito do adversário de existir, essa preciosa invenção moral do pluralismo político moderno, deve ser mantido.
Trata-se também de evitar restabelecer, em nome da luta contra os propósitos racistas, o delito de opinião, em contradição aos pressupostos da democracia constitucional, que implica principalmente no princípio do pluralismo e condena conseqüentemente a própria idéia de “delitos políticos”.
O resultado é que o combate ao racismo deve ser multiforme e realizar-se em diversas frentes: luta intelectual, educação, ação sobre as causas sociais e econômicas, sanção judicial e ação política. Em matéria de anti-racismo, como em qualquer outra, a arma absoluta não existe .
Pierre-André Taguieff Filósofo, cientista político e historiador,diretor de pesquisa do CNRSe professor conferencista do IEP de Paris*
*Centro Nacional de Pesquisa Científica e Instituto de Estudos Políticos.
Referências bibliográficas
• La Société française face au racisme (A sociedade francesa diante do racismo), de Claude Liauzu, Editora Complexe, Paris, 1999.
• Face au Front national. Arguments pour une contre-offensive (Diante da Frente Nacional. Argumentos para uma contra-ofensiva) de Pierre-André Taguieff em colaboração com Michèle Tribalat, Editora La Découverte, Paris, 1998.
• Le Racisme, une introduction (O racismo, uma introdução), de Michel Wieviorka, Editora La Découverte, Paris, 1998.
• Le Racisme (O racismo), de P.-A. Taguieff, coleção Dominos, Editora Flammarion, Paris, 1997.
• Racisme et xénophobie en Europe, une comparaison internationale (Racismo e xenofobia, uma comparação internacional), de Michel Wieviorka, Editora La Découverte, Paris, 1994.
• Face au racisme (Diante do racismo), sob a direção de P.-A. Taguieff, Editora La Découverte, Paris, 1991 (e Editora O Seuil, 1993). • La Force du préjugé. Essai sur le racisme et ses doubles (A força do preconceito. Ensaio sobre o racismo e seus confêneres), de P.-A. Taguieff, Editora La Découverte, Paris, 1988 (e Editora Gallimard, coleção "Tel", 1990) ; tradução americana, University of Minesota Press, início de 2000.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Confissões africanas
Michel Leiris e três momentos da missão: a ´tourada´ africana; o grupo de pesquisa-dores; e as máscaras rituais
Em ´A África Fantasma´, o poeta Michel Leiris funde literatura, memorialismo e antropologia em uma luta contra o esquecimentoTransdisciplinaridade e interdisciplinaridade são palavras que se vêem ameaçadas de perda de sentido, tão freqüente é seu uso nos meios acadêmicos. Não obstante, a universidade parece caminhar no sentido inverso, cada vez mais segmentada, com especialistas cuidando de temas bem delimitados, encerrados nesta ou naquela disciplina. Neste cenário, é cada vez mais remota a aparição de intelectuais da estirpe de Michel Leiris (1901 - 1990).
Sua produção transita pelos terrenos da poesia, da literatura memorialística e dos estudos antropológicos. O que Leiris tem de único é a capacidade de encontrar e criar zonas de intercessão entre estas linguagens. É o que comprova a leitura de suas obras mais conhecidas: “Espelho da tauromaquia”, estudo sobre as touradas, de 1938; e “A idade viril” (1939), “etnologia do eu” que reuniu uma série de textos autobiográficos. Mas foi em “A África Fantasma” (1934) que inaugurou o polêmico procedimento.Rito de passagemNascido em Paris, Michel Leiris viveu de perto as agitações culturais de sua cidade na primeira metade do século XX.
Como poeta surrealista, lançou as coleções de poemas “Simulacre” (1925) e “Le Point Cardinal” (1927) - ambos inéditos em português. No final dos anos 20, rompeu com o Surrealismo e, ao lado do também escritor George Bataille (autor de “História do Olho” e “O Erotismo”) fundou a revista “Documents”. Sem abandonar de todo as idéias de Breton & Cia., a publicação abria-se para discussões a respeito da cultura de um ponto de vista mais científico. Nela, Leiris deu seus primeiros passos em direção aos estudos antropológicos, que dominariam sua produção até o fim da vida.“A África Fantasma” é o registro deste ponto de mutação. Publicado, pela primeira vez, em 1934, o livro traz a íntegra dos diários mantidos por Michel Leiris entre 1931 e 1933, no período em que participou da missão etnográfica de Dacar-Djibuti, pioneira francesa na exploração científica do continente africano. Leiris ocupou o cargo de secretário-arquivista na missão liderada pelo antropólogo Marcel Griaule. É verdade que, a esta altura, Leiris já tinha escrito pelo menos uma dezena de ensaios sobre cultura. Entretanto, foi com a excursão de Griaule que deixou de lado a teorização de gabinete e vivenciou o rito de iniciação da Antropologia, a experiência do campo.
Rupturas
No momento de sua publicação, “A África Fantasma” foi recebido de forma acalorada. Griaule , ciente do lugar destacado de sua missão na história da antropologia francesa, rejeitou o livro. O sociólogo Marcel Mauss, um dos pilares das ciências sociais, ex-professor de Leiris, também criticou a obra - considerando-a um “desserviço” ao desenvolvimento da etnografia da África. O que incomodou Griaule e Mauss foi, precisamente, aquilo que hoje se considera a principal contribuição de Michel Leiris para a disciplina antropológica.Em seus estudos, imprimiu abertamente sua marca, seus traumas e as questões que o perturbavam em nível pessoal.
Em seus escritos concebidos como autobiográficos, recuperou passagens de suas pesquisas de campo, como forma de explicar a si mesmo e aquilo que estudava. Desta forma, Leiris acabou produzindo uma obra literária atípica e, com freqüência, de qualidade acima da média.Ao mesmo tempo, antecipou a chegada da ciência a um momento difícil de definir, em que suas certezas decompõem-se e novas são procuradas.
Dellano Rios Repórter
DIÁRIO
"A África fantasma"Michel Leiris
684 páginas
Cosac Naify2008
Em ´A África Fantasma´, o poeta Michel Leiris funde literatura, memorialismo e antropologia em uma luta contra o esquecimentoTransdisciplinaridade e interdisciplinaridade são palavras que se vêem ameaçadas de perda de sentido, tão freqüente é seu uso nos meios acadêmicos. Não obstante, a universidade parece caminhar no sentido inverso, cada vez mais segmentada, com especialistas cuidando de temas bem delimitados, encerrados nesta ou naquela disciplina. Neste cenário, é cada vez mais remota a aparição de intelectuais da estirpe de Michel Leiris (1901 - 1990).
Sua produção transita pelos terrenos da poesia, da literatura memorialística e dos estudos antropológicos. O que Leiris tem de único é a capacidade de encontrar e criar zonas de intercessão entre estas linguagens. É o que comprova a leitura de suas obras mais conhecidas: “Espelho da tauromaquia”, estudo sobre as touradas, de 1938; e “A idade viril” (1939), “etnologia do eu” que reuniu uma série de textos autobiográficos. Mas foi em “A África Fantasma” (1934) que inaugurou o polêmico procedimento.Rito de passagemNascido em Paris, Michel Leiris viveu de perto as agitações culturais de sua cidade na primeira metade do século XX.
Como poeta surrealista, lançou as coleções de poemas “Simulacre” (1925) e “Le Point Cardinal” (1927) - ambos inéditos em português. No final dos anos 20, rompeu com o Surrealismo e, ao lado do também escritor George Bataille (autor de “História do Olho” e “O Erotismo”) fundou a revista “Documents”. Sem abandonar de todo as idéias de Breton & Cia., a publicação abria-se para discussões a respeito da cultura de um ponto de vista mais científico. Nela, Leiris deu seus primeiros passos em direção aos estudos antropológicos, que dominariam sua produção até o fim da vida.“A África Fantasma” é o registro deste ponto de mutação. Publicado, pela primeira vez, em 1934, o livro traz a íntegra dos diários mantidos por Michel Leiris entre 1931 e 1933, no período em que participou da missão etnográfica de Dacar-Djibuti, pioneira francesa na exploração científica do continente africano. Leiris ocupou o cargo de secretário-arquivista na missão liderada pelo antropólogo Marcel Griaule. É verdade que, a esta altura, Leiris já tinha escrito pelo menos uma dezena de ensaios sobre cultura. Entretanto, foi com a excursão de Griaule que deixou de lado a teorização de gabinete e vivenciou o rito de iniciação da Antropologia, a experiência do campo.
Rupturas
No momento de sua publicação, “A África Fantasma” foi recebido de forma acalorada. Griaule , ciente do lugar destacado de sua missão na história da antropologia francesa, rejeitou o livro. O sociólogo Marcel Mauss, um dos pilares das ciências sociais, ex-professor de Leiris, também criticou a obra - considerando-a um “desserviço” ao desenvolvimento da etnografia da África. O que incomodou Griaule e Mauss foi, precisamente, aquilo que hoje se considera a principal contribuição de Michel Leiris para a disciplina antropológica.Em seus estudos, imprimiu abertamente sua marca, seus traumas e as questões que o perturbavam em nível pessoal.
Em seus escritos concebidos como autobiográficos, recuperou passagens de suas pesquisas de campo, como forma de explicar a si mesmo e aquilo que estudava. Desta forma, Leiris acabou produzindo uma obra literária atípica e, com freqüência, de qualidade acima da média.Ao mesmo tempo, antecipou a chegada da ciência a um momento difícil de definir, em que suas certezas decompõem-se e novas são procuradas.
Dellano Rios Repórter
DIÁRIO
"A África fantasma"Michel Leiris
684 páginas
Cosac Naify2008
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Postagem tipo... fala sério
Vamos combinar?
Etnografia, a nova pesquisa de mercado
Entrou no bar. Sem pressa, observou o ambiente e tudo lhe pareceu normal. A jovem rapidamente identificou um grupo de homens que tomavam cerveja. Aproximou-se do balcão, pediu um refrigerante e escolheu um lugar que lhe permitia observá-los de maneira direta e livre de interferências. Estamos falando do início de filme ou de um romance? Nenhum dos dois: a cena se refere a uma estratégia de pesquisa de mercado.
Essa tarefa foi atribuída há alguns anos pela agência de publicidade Ogilvy & Mather a Emma Gilding, etnógrafa-chefe da empresa, com o objetivo de captar para o cliente (a fabricante de cerveja Miller) detalhes que revelassem o comportamento dos consumidores (o que de fato fazem e não o que dizem fazer) em seu hábitat natural. A proposta de análise havia sido apresentada pela revista Fast Company para ilustrar uma tendência crescente das agências de publicidade de contratar antropólogos e etnógrafos a partir da necessidade identificada na década de 1990 de encontrar maneiras novas e melhores de travar um “contato real” com os clientes.
Tradicionalmente dedicada ao estudo das sociedades humanas, a antropologia social costumava se concentrar na observação de grupos exóticos (desde habitantes de alguma ilha perdida na Polinésia até tribos amazônicas ameaçadas de extinção), mas nos últimos tempos essa ciência voltou-se para o mundo dos negócios.
O processo se deu em parte por causa do número cada vez menor de “culturas nativas exóticas”, em parte pela crescente complexidade do mundo globalizado, no qual a tecnologia derruba fronteiras e cria uma nova universalidade –e, nesse contexto, as diferenças culturais adquirem importância inédita.Os publicitários não foram os primeiros a procurar o auxílio das ciências sociais. Na década de 1930, executivos de empresas de diversos setores recorreram a elas para estudar mecanismos de aumento da produtividade de seus funcionários.
Mas na década de 1960 o foco de estudo passou a ser o mercado. Simon Roberts, antropólogo bastante conhecido internacionalmente, é um exemplo da mudança de foco desses cientistas sociais. Quando Roberts decidiu estudar os costumes de Varanasi, cidade sagrada da Índia, em vez de fazer como a geração anterior de antropólogos e priorizar os rituais fúnebres hindus, preferiu deter-se sobre o impacto da televisão por satélite sobre os hábitos e a visão de mundo dos moradores do local. Depois de concluir o trabalho de campo, o estudioso voltou para completar seu doutorado na University of Edimburgh, Escócia, e descobriu que havia interesse por esse tipo de trabalho –a rede de televisão britânica BBC, por exemplo, encomendou um estudo e não demorou para chegarem outros pedidos.
Seguindo o exemplo da Xerox, na década de 1980 as agências de design industrial começaram a incluir em seus quadros de funcionários antropólogos e sociólogos.Antropologia do consumo – Com esse novo sentido, a etnografia, método de pesquisa da antropologia cultural originalmente centrado na descrição e no estudo das sociedades humanas a partir do ponto de vista do “nativo” de cada cultura, passa a ser usada para observar os consumidores-alvo no contexto de consumo ou de uso –ou seja, em casa, no local de trabalho, no momento de lazer, na hora das compras, ou de passeio.
Nesse contexto, o objetivo é identificar os comportamentos e as necessidades que as pessoas nem sempre revelam nas entrevistas ou nos focus groups, mas que empregam na prática.Modalidade da antropologia aplicada, a pesquisa etnográfica se consagrou como uma ferramenta de avaliação que, embora conviva com os mecanismos convencionais, certamente apresenta vantagens e resulta em equipes de trabalho interdisciplinares especializadas em empresas das mais variadas naturezas.
Desde organizações líderes como a Microsoft e a Intel até General Electric, Whirlpool, a rede hoteleira Marriott, o site europeu da Fox Sports e a bem-sucedida eBay, preocupada em desenvolver novos serviços, todas incorporaram a antropologia em seu modo de ver os negócios
Os estudiosos combinam métodos, recursos e teorias da antropologia para conseguir delinear uma visão bem mais profunda das tendências culturais, das atitudes e do estilo de vida que exercem influências sobre as decisões do consumidor.
Do que estamos falando? – Ao mesmo tempo em que é uma metodologia e uma nova perspectiva, a etnografia envolve técnicas diversas, que, por sua vez, incluem formas distintas de observação, modalidades variadas de entrevistas e um processo de “documentação” das marcas, traços ou rastros deixados pelas pessoas ao percorrer sua rotina diária. A metodologia utiliza a observação direta (sem perguntas nem intervenção de nenhum tipo na atividade diária das pessoas observadas) e entrevistas “contextuais”, ou seja, no âmbito no qual se desenvolve a pessoa observada. Outro recurso é a “observação participativa”, um processo específico que equivale a algo mais do que simplesmente “olhar”.
Trata-se de uma observação com os cinco sentidos e com o uso de categorias, idéias e, obviamente, alguns métodos de trabalho.Requer um projeto de pesquisa muito consistente, além de preparação e conhecimento técnico do observador. Nesse “trabalho de campo”, qualitativo por definição, a observação participante consiste em perceber o que acontece não apenas com os sentidos, mas utilizando também categorias, idéias e, obviamente, alguns métodos de trabalho. Para que haja eficiência, é preciso contar com preparação e uma criação consistente do projeto de pesquisa, sem falar na formação específica e no conhecimento técnico por parte do observador.
Uma recomendação feita aos recém-chegados por quem há tempos emprega esse enfoque para estudar os mercados é certificar-se de que a pessoa incumbida de fazer a pesquisa etnográfica realmente conta em sua equipe com profissionais com graduação em antropologia –sobretudo nos dias atuais, em que essa ciência entrou na moda. Não é possível “observar” sem contar com um estudo crítico da teoria, sem uma definição dos problemas a partir do ponto de vista da disciplina antropológica.Um profissional de marketing típico, por exemplo, se aproximaria da pessoa observada para confirmar suas premissas com uma abordagem direta e específica, capaz de permitir as respostas que ele procura –ou seja, aquilo que deseja ouvir.
O antropólogo, por sua vez, começa observando cada um dos muitos padrões da vida diária do participante, nos detalhes, e apenas então tenta decifrar uma maneira de ajustá-los aos produtos ou serviços em avaliação. Nesse contexto, observar implica estar em condições de ir e vir, em um trajeto entre a cultura do observador e a cultura do observado, mas sem distorcer, perder ou alterar a informação pelo caminho. Por isso se fala em observação “participativa”: porque exige certo grau de reciprocidade, de respeito, de reconhecimento mútuo entre observador e observado.
Anne Kirah, antropóloga responsável pelo trabalho de pesquisa de campo e de laboratório da Microsoft em todo o mundo, destaca que essa interação natural estimula a inovação e enriquece a perspectiva dos responsáveis pela criação ou reorganização de um produto ou serviço. Ao estudar uma família inglesa de classe média dos arredores de Kent, por exemplo, Kirah descobriu que, contra todos os prognósticos e diferentemente dos estereótipos, a avó era um dos adultos mais envolvidos com informática naquela casa.
(ah, fala sério, mesmo!!! na Microsoft???? justo na Microsoft???)
Esse tipo de processo consome bem mais tempo do que o preenchimento de um questionário ou a organização de uma discussão com a mediação de um especialista. Por isso, outra recomendação dada pelos mais experientes é reservar a esse tipo de pesquisa o tempo realmente necessário. É preciso olhar com reservas para a empresa de pesquisa de mercado que prometer utilizar a etnografia e apresentar um relatório em dez dias; um estudo dessa natureza requererá algumas semanas para soltar apenas uma “primeira avaliação”. E será preciso haver uma boa equipe multidisciplinar conduzindo o estudo e representatividade dos grupos observados.Fonte: HSM Management
Etnografia, a nova pesquisa de mercado
Entrou no bar. Sem pressa, observou o ambiente e tudo lhe pareceu normal. A jovem rapidamente identificou um grupo de homens que tomavam cerveja. Aproximou-se do balcão, pediu um refrigerante e escolheu um lugar que lhe permitia observá-los de maneira direta e livre de interferências. Estamos falando do início de filme ou de um romance? Nenhum dos dois: a cena se refere a uma estratégia de pesquisa de mercado.
Essa tarefa foi atribuída há alguns anos pela agência de publicidade Ogilvy & Mather a Emma Gilding, etnógrafa-chefe da empresa, com o objetivo de captar para o cliente (a fabricante de cerveja Miller) detalhes que revelassem o comportamento dos consumidores (o que de fato fazem e não o que dizem fazer) em seu hábitat natural. A proposta de análise havia sido apresentada pela revista Fast Company para ilustrar uma tendência crescente das agências de publicidade de contratar antropólogos e etnógrafos a partir da necessidade identificada na década de 1990 de encontrar maneiras novas e melhores de travar um “contato real” com os clientes.
Tradicionalmente dedicada ao estudo das sociedades humanas, a antropologia social costumava se concentrar na observação de grupos exóticos (desde habitantes de alguma ilha perdida na Polinésia até tribos amazônicas ameaçadas de extinção), mas nos últimos tempos essa ciência voltou-se para o mundo dos negócios.
O processo se deu em parte por causa do número cada vez menor de “culturas nativas exóticas”, em parte pela crescente complexidade do mundo globalizado, no qual a tecnologia derruba fronteiras e cria uma nova universalidade –e, nesse contexto, as diferenças culturais adquirem importância inédita.Os publicitários não foram os primeiros a procurar o auxílio das ciências sociais. Na década de 1930, executivos de empresas de diversos setores recorreram a elas para estudar mecanismos de aumento da produtividade de seus funcionários.
Mas na década de 1960 o foco de estudo passou a ser o mercado. Simon Roberts, antropólogo bastante conhecido internacionalmente, é um exemplo da mudança de foco desses cientistas sociais. Quando Roberts decidiu estudar os costumes de Varanasi, cidade sagrada da Índia, em vez de fazer como a geração anterior de antropólogos e priorizar os rituais fúnebres hindus, preferiu deter-se sobre o impacto da televisão por satélite sobre os hábitos e a visão de mundo dos moradores do local. Depois de concluir o trabalho de campo, o estudioso voltou para completar seu doutorado na University of Edimburgh, Escócia, e descobriu que havia interesse por esse tipo de trabalho –a rede de televisão britânica BBC, por exemplo, encomendou um estudo e não demorou para chegarem outros pedidos.
Nos EUA, a Xerox foi uma das primeiras empresas a utilizar a etnografia
aplicada. Em 1979, contratou a antropóloga Lucy Suchman para trabalhar no
centro de pesquisa instalado em Palo Alto e a incumbiu de fazer um trabalho
de campo: Suchman deveria visitar as empresas que haviam instalado
fotocopiadoras da marca e realizar um filme com uma síntese da “experiência”
dos profissionais na hora de utilizar o equipamento. Depois de assistir à
luta dos operadores com as copiadoras para tirar uma cópia, os engenheiros
da Xerox começaram a desenvolver o produto de maneira diferente. A pesquisa
feita pela antropóloga resultou nas atuais máquinas copiadoras (de todas as
marcas), que hoje ostentam um grande botão verde bastante visível, mas que
no passado ninguém conseguia encontrar.
aplicada. Em 1979, contratou a antropóloga Lucy Suchman para trabalhar no
centro de pesquisa instalado em Palo Alto e a incumbiu de fazer um trabalho
de campo: Suchman deveria visitar as empresas que haviam instalado
fotocopiadoras da marca e realizar um filme com uma síntese da “experiência”
dos profissionais na hora de utilizar o equipamento. Depois de assistir à
luta dos operadores com as copiadoras para tirar uma cópia, os engenheiros
da Xerox começaram a desenvolver o produto de maneira diferente. A pesquisa
feita pela antropóloga resultou nas atuais máquinas copiadoras (de todas as
marcas), que hoje ostentam um grande botão verde bastante visível, mas que
no passado ninguém conseguia encontrar.
Seguindo o exemplo da Xerox, na década de 1980 as agências de design industrial começaram a incluir em seus quadros de funcionários antropólogos e sociólogos.Antropologia do consumo – Com esse novo sentido, a etnografia, método de pesquisa da antropologia cultural originalmente centrado na descrição e no estudo das sociedades humanas a partir do ponto de vista do “nativo” de cada cultura, passa a ser usada para observar os consumidores-alvo no contexto de consumo ou de uso –ou seja, em casa, no local de trabalho, no momento de lazer, na hora das compras, ou de passeio.
Nesse contexto, o objetivo é identificar os comportamentos e as necessidades que as pessoas nem sempre revelam nas entrevistas ou nos focus groups, mas que empregam na prática.Modalidade da antropologia aplicada, a pesquisa etnográfica se consagrou como uma ferramenta de avaliação que, embora conviva com os mecanismos convencionais, certamente apresenta vantagens e resulta em equipes de trabalho interdisciplinares especializadas em empresas das mais variadas naturezas.
Desde organizações líderes como a Microsoft e a Intel até General Electric, Whirlpool, a rede hoteleira Marriott, o site europeu da Fox Sports e a bem-sucedida eBay, preocupada em desenvolver novos serviços, todas incorporaram a antropologia em seu modo de ver os negócios
.“Hoje, a etnografia tem apelo em todo o mundo corporativo”,admite Tracey Lovejoy, etnógrafa da equipe da Microsoft. Ela acrescenta:
“Em 2001, quando eu estava terminando meu mestrado em antropologia, ninguémOpinião semelhante tem a etnógrafa pioneira do Almaden Research Center da IBM, Jeannette Blomberg:
sabia qual a utilidade do estudo fora do mundo acadêmico”.
“Estou nesta área há 25 anos, mas só agora sinto que não somos mais tãoApesar disso, muitos ainda associam esses estudiosos a cientistas excêntricos que passam meses no meio do mato, das montanhas ou do deserto.No mundo dos negócios, a antropologia aplicada e a etnografia não se somam como mais uma técnica na hora de fazer pesquisas de mercado. Isso porque existe uma diferença básica: o objeto do estudo não é isolado durante o tempo em que dura a observação, como ocorre nos focus groups, nem é “induzido” por um questionário no qual, não raro, as respostas estão embutidas nas perguntas. O estudo ocorre no contexto cultural e social no qual as pessoas circulam naturalmente. As perguntas não são feitas por interesse científico ou preocupação acadêmica, e não há busca de validação, mas sim de inspiração.
‘marginais’ como éramos”.
Os estudiosos combinam métodos, recursos e teorias da antropologia para conseguir delinear uma visão bem mais profunda das tendências culturais, das atitudes e do estilo de vida que exercem influências sobre as decisões do consumidor.
Do que estamos falando? – Ao mesmo tempo em que é uma metodologia e uma nova perspectiva, a etnografia envolve técnicas diversas, que, por sua vez, incluem formas distintas de observação, modalidades variadas de entrevistas e um processo de “documentação” das marcas, traços ou rastros deixados pelas pessoas ao percorrer sua rotina diária. A metodologia utiliza a observação direta (sem perguntas nem intervenção de nenhum tipo na atividade diária das pessoas observadas) e entrevistas “contextuais”, ou seja, no âmbito no qual se desenvolve a pessoa observada. Outro recurso é a “observação participativa”, um processo específico que equivale a algo mais do que simplesmente “olhar”.
Trata-se de uma observação com os cinco sentidos e com o uso de categorias, idéias e, obviamente, alguns métodos de trabalho.Requer um projeto de pesquisa muito consistente, além de preparação e conhecimento técnico do observador. Nesse “trabalho de campo”, qualitativo por definição, a observação participante consiste em perceber o que acontece não apenas com os sentidos, mas utilizando também categorias, idéias e, obviamente, alguns métodos de trabalho. Para que haja eficiência, é preciso contar com preparação e uma criação consistente do projeto de pesquisa, sem falar na formação específica e no conhecimento técnico por parte do observador.
Uma recomendação feita aos recém-chegados por quem há tempos emprega esse enfoque para estudar os mercados é certificar-se de que a pessoa incumbida de fazer a pesquisa etnográfica realmente conta em sua equipe com profissionais com graduação em antropologia –sobretudo nos dias atuais, em que essa ciência entrou na moda. Não é possível “observar” sem contar com um estudo crítico da teoria, sem uma definição dos problemas a partir do ponto de vista da disciplina antropológica.Um profissional de marketing típico, por exemplo, se aproximaria da pessoa observada para confirmar suas premissas com uma abordagem direta e específica, capaz de permitir as respostas que ele procura –ou seja, aquilo que deseja ouvir.
O antropólogo, por sua vez, começa observando cada um dos muitos padrões da vida diária do participante, nos detalhes, e apenas então tenta decifrar uma maneira de ajustá-los aos produtos ou serviços em avaliação. Nesse contexto, observar implica estar em condições de ir e vir, em um trajeto entre a cultura do observador e a cultura do observado, mas sem distorcer, perder ou alterar a informação pelo caminho. Por isso se fala em observação “participativa”: porque exige certo grau de reciprocidade, de respeito, de reconhecimento mútuo entre observador e observado.
Anne Kirah, antropóloga responsável pelo trabalho de pesquisa de campo e de laboratório da Microsoft em todo o mundo, destaca que essa interação natural estimula a inovação e enriquece a perspectiva dos responsáveis pela criação ou reorganização de um produto ou serviço. Ao estudar uma família inglesa de classe média dos arredores de Kent, por exemplo, Kirah descobriu que, contra todos os prognósticos e diferentemente dos estereótipos, a avó era um dos adultos mais envolvidos com informática naquela casa.
(ah, fala sério, mesmo!!! na Microsoft???? justo na Microsoft???)
Esse tipo de processo consome bem mais tempo do que o preenchimento de um questionário ou a organização de uma discussão com a mediação de um especialista. Por isso, outra recomendação dada pelos mais experientes é reservar a esse tipo de pesquisa o tempo realmente necessário. É preciso olhar com reservas para a empresa de pesquisa de mercado que prometer utilizar a etnografia e apresentar um relatório em dez dias; um estudo dessa natureza requererá algumas semanas para soltar apenas uma “primeira avaliação”. E será preciso haver uma boa equipe multidisciplinar conduzindo o estudo e representatividade dos grupos observados.Fonte: HSM Management
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Crimes virtuais serão debatidos na TV Câmara
O aumento dos casos de crimes cometidos pela Internet é o tema do programa Expressão Nacional desta terça-feira (19), ao vivo, às 22h.
O tema será debatido com os seguintes convidados: deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara; deputado Colbert Martins (PMDB-BA), do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara; presidente da Associação dos Provedores de Internet (Abranet), Eduardo Parajo; e o delegado da Polícia Federal Adalton de Almeida Martins, da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos.
De acordo com informações da assessoria da Câmara dos Deputados, o programa está aberto à participação do público. Perguntas ou sugestões podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
A Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos, site da ONG SaferNet Brasil, identificou 45.941perfis e comunidades relacionados a crimes contra os direitos humanos na Internet entre janeiro de 2006 e junho de 2007. A maioria dessa denúncias era relacionada ao crime de pedofilia (39,8%), seguida de crimes contra a vida (28,1%) e neonazismo (8%).
Projeto de lei Está em tramitação no Senado um projeto de lei originado da Câmara (PL 89/2003, do ex-deputado Luiz Piauhylino) que prevê formas de controle dos acessos de modo a permitir a identificação dos criminosos. O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) apresentou um substitutivo que está causando polêmica entre provedores e usuários. Afinal, como evitar casos de pedofilia e golpes financeiros sem controlar o acesso e sem aumentar os custos do serviço?
O tema será debatido com os seguintes convidados: deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara; deputado Colbert Martins (PMDB-BA), do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara; presidente da Associação dos Provedores de Internet (Abranet), Eduardo Parajo; e o delegado da Polícia Federal Adalton de Almeida Martins, da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos.
De acordo com informações da assessoria da Câmara dos Deputados, o programa está aberto à participação do público. Perguntas ou sugestões podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
A Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos, site da ONG SaferNet Brasil, identificou 45.941perfis e comunidades relacionados a crimes contra os direitos humanos na Internet entre janeiro de 2006 e junho de 2007. A maioria dessa denúncias era relacionada ao crime de pedofilia (39,8%), seguida de crimes contra a vida (28,1%) e neonazismo (8%).
Projeto de lei Está em tramitação no Senado um projeto de lei originado da Câmara (PL 89/2003, do ex-deputado Luiz Piauhylino) que prevê formas de controle dos acessos de modo a permitir a identificação dos criminosos. O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) apresentou um substitutivo que está causando polêmica entre provedores e usuários. Afinal, como evitar casos de pedofilia e golpes financeiros sem controlar o acesso e sem aumentar os custos do serviço?
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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
Crimes contra a religião poderão ter penas maiores
A Câmara analisa o projeto de lei 2024/07, do deputado Henrique Afonso (PT-AC), que aumenta a pena para os crimes contra a religião e os religiosos. Pela proposta, quem escarnecer publicamente de alguém devido a crença religiosa, impedir ou perturbar culto ou desrespeitar publicamente ato ou objeto religioso será punido com reclusão de um a três anos. Se houver emprego de violência, a pena será aumentada em 1/3, sem prejuízo da pena correspondente à violência.Atualmente, o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) prevê detenção de um mês a um ano ou multa para esse tipo de crime. A proposta revoga o artigo do Código Penal, transferindo-o para Lei Anti-Racismo (7.716/89), que “constitui diploma legal específico que já trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito”, conforme lembra o deputado.
Henrique Afonso destaca que, embora a Constituição assegure a liberdade de crença, “cultos e religiões têm sido alvo de críticas e ofensas crescentes e injustas”. O deputado lembra que incluem-se entre as ocorrências mais graves roteiros de ódio, rancor e desrespeito aos templos, objetos e sentimentos religiosos. “A responsabilidade por tais atitudes muitas vezes é também de quem dá apoio à divulgação”.
Na opinião do parlamentar, é urgente aumentar a pena para esses casos. “Pretendemos evitar que o réu se livre com a concessão de benefícios, como a transação penal e a suspensão condicional do processo”, afirma.
http://www2.uol.com.br/pagina20/14022008/p_1214022008.html
Henrique Afonso destaca que, embora a Constituição assegure a liberdade de crença, “cultos e religiões têm sido alvo de críticas e ofensas crescentes e injustas”. O deputado lembra que incluem-se entre as ocorrências mais graves roteiros de ódio, rancor e desrespeito aos templos, objetos e sentimentos religiosos. “A responsabilidade por tais atitudes muitas vezes é também de quem dá apoio à divulgação”.
Na opinião do parlamentar, é urgente aumentar a pena para esses casos. “Pretendemos evitar que o réu se livre com a concessão de benefícios, como a transação penal e a suspensão condicional do processo”, afirma.
http://www2.uol.com.br/pagina20/14022008/p_1214022008.html
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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
Pesquisa da USP analisa lendas urbanas que correm na internet
As lendas urbanas divulgadas em mensagens na Internet são narrativas que articulam em enredos preocupações humanas atemporais, e em alguns casos constituem reciclagens de lendas muito antigas do imaginário popular que ganham uma nova roupagem para se tornarem contemporâneas. Atualizado e com a circulação potencializada a partir do surgimento da rede mundial, o gênero se caracteriza por abordar temas que fazem referência a elementos do cotidiano da comunidade onde circulam, trazendo mensagens de alerta, histórias supostamente reais que podem gerar pânico no leitor, rumores e casos sobrenaturais.
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, uma pesquisa analisa esse fenômeno dos tempos atuais. "Apesar de ser um gênero cuja delimitação não é tão definida, podemos identificar na lenda urbana algumas características que costumam estar presentes: a história é contada como verdadeira, em terceira pessoa (‘aconteceu com um amigo de um conhecido’), de origem apócrifa (sem um autor claro), envolve aspectos da vida cotidiana e dá referências específicas (data, localização e nomes), obtendo assim maior credibilidade", explica o professor de línguas Carlos Renato Lopes, autor da tese de doutorado Lendas urbanas na Internet: entre a ordem do discurso e o acontecimento enunciativo. Preocupações que mexem com a maioria das pessoas são despertadas, como o medo da contaminação, da violência, do desconhecido e do estrangeiro (o "outro").
Além disso, muitas destas narrativas são variações de histórias parecidas, encontradas até mesmo no folclore de culturas antigas ou atuais. "Encontramos algumas histórias diretamente traduzidas de lendas que circulam em países de língua inglesa, nas quais foram modificados nomes, lugares e referências específicas para serem adaptadas ao contexto brasileiro, encontrando eco nesta comunidade".
Exemplo disso é a lenda do fantasma de uma mulher muito branca, que circula em diferentes versões em várias regiões do mundo, "sempre fazendo este contraste que associa a brancura e a pureza ao perigo", analisa. O e-mail alertando para uma quadrilha de roubo de órgãos - que dopa a vítima, deixando a mesma acordar suturada numa banheira com gelo ao lado de um bilhete para que ligue para o hospital - pode ser relacionado a mitos antigos com referência ao roubo de partes do corpo.Para o estudioso, o auge da divulgação deste tipo de história na Internet já passou, mas a troca das mensagens ainda merece atenção. Algumas destas lendas estão inclusive associadas a práticas criminosas, como é o caso do "golpe nigeriano", no qual a vítima recebe uma mensagem de um suposto estrangeiro que tem uma grande quantia de dinheiro a receber no Brasil, e que estaria disposto a dividi-la com quem o ajudar nesta tarefa. Para isso, pede que antes a pessoa faça uma série de transferências bancárias - dinheiro que ela nunca mais verá. "Este golpe já existia antes mesmo da popularização da Internet, sendo conhecido como ’a carta nigeriana’ ", conta.
Linguagem e realidade
O principal referencial teórico escolhido por Lopes para sua pesquisa foi a Análise do Discurso. Esta área de estudo da linguagem reflete sobre como a língua materializa a experiência social na história, sendo ao mesmo tempo instrumento e construtor da realidade. "Não se trata de uma análise meramente lingüística, mas da relação de texto, contexto, sujeito e ideologia. O discurso é então a conexão da língua com o contexto sócio-histórico, articulada na forma, por exemplo, de um texto narrativo.", esclarece o pesquisador.
Por meio da análise discursiva, percebem-se questões que extrapolam o texto, como construção de identidades sociais. "Algumas histórias revelam identidades construídas no discurso, reforçando estereótipos e preconceitos. Entre as lendas americanas encontrei várias referências à figura do imigrante associada a perigo: produtos importados do México contaminados, uma espécie de chupa-cabras mexicano que teria atravessado a fronteira norte-americana, entre outras".
O racismo também está presente em certas lendas difundidas. Uma delas dá conta da história de uma mulher branca que teria sido infectada pelo HIV por um negro e, para se vingar, passou a procurar homens negros para ter relações sexuais, espalhando o vírus entre eles. "Uma história parecida, na verdade uma versão 'real' da lenda conhecida como AIDS Mary, foi publicada no tablóide sensacionalista britânico The Sun, deixando ainda menos claras ao público as fronteiras entre realidade e ficção quando falamos em lendas urbanas."
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, uma pesquisa analisa esse fenômeno dos tempos atuais. "Apesar de ser um gênero cuja delimitação não é tão definida, podemos identificar na lenda urbana algumas características que costumam estar presentes: a história é contada como verdadeira, em terceira pessoa (‘aconteceu com um amigo de um conhecido’), de origem apócrifa (sem um autor claro), envolve aspectos da vida cotidiana e dá referências específicas (data, localização e nomes), obtendo assim maior credibilidade", explica o professor de línguas Carlos Renato Lopes, autor da tese de doutorado Lendas urbanas na Internet: entre a ordem do discurso e o acontecimento enunciativo. Preocupações que mexem com a maioria das pessoas são despertadas, como o medo da contaminação, da violência, do desconhecido e do estrangeiro (o "outro").
Além disso, muitas destas narrativas são variações de histórias parecidas, encontradas até mesmo no folclore de culturas antigas ou atuais. "Encontramos algumas histórias diretamente traduzidas de lendas que circulam em países de língua inglesa, nas quais foram modificados nomes, lugares e referências específicas para serem adaptadas ao contexto brasileiro, encontrando eco nesta comunidade".
Exemplo disso é a lenda do fantasma de uma mulher muito branca, que circula em diferentes versões em várias regiões do mundo, "sempre fazendo este contraste que associa a brancura e a pureza ao perigo", analisa. O e-mail alertando para uma quadrilha de roubo de órgãos - que dopa a vítima, deixando a mesma acordar suturada numa banheira com gelo ao lado de um bilhete para que ligue para o hospital - pode ser relacionado a mitos antigos com referência ao roubo de partes do corpo.Para o estudioso, o auge da divulgação deste tipo de história na Internet já passou, mas a troca das mensagens ainda merece atenção. Algumas destas lendas estão inclusive associadas a práticas criminosas, como é o caso do "golpe nigeriano", no qual a vítima recebe uma mensagem de um suposto estrangeiro que tem uma grande quantia de dinheiro a receber no Brasil, e que estaria disposto a dividi-la com quem o ajudar nesta tarefa. Para isso, pede que antes a pessoa faça uma série de transferências bancárias - dinheiro que ela nunca mais verá. "Este golpe já existia antes mesmo da popularização da Internet, sendo conhecido como ’a carta nigeriana’ ", conta.
Linguagem e realidade
O principal referencial teórico escolhido por Lopes para sua pesquisa foi a Análise do Discurso. Esta área de estudo da linguagem reflete sobre como a língua materializa a experiência social na história, sendo ao mesmo tempo instrumento e construtor da realidade. "Não se trata de uma análise meramente lingüística, mas da relação de texto, contexto, sujeito e ideologia. O discurso é então a conexão da língua com o contexto sócio-histórico, articulada na forma, por exemplo, de um texto narrativo.", esclarece o pesquisador.
Por meio da análise discursiva, percebem-se questões que extrapolam o texto, como construção de identidades sociais. "Algumas histórias revelam identidades construídas no discurso, reforçando estereótipos e preconceitos. Entre as lendas americanas encontrei várias referências à figura do imigrante associada a perigo: produtos importados do México contaminados, uma espécie de chupa-cabras mexicano que teria atravessado a fronteira norte-americana, entre outras".
O racismo também está presente em certas lendas difundidas. Uma delas dá conta da história de uma mulher branca que teria sido infectada pelo HIV por um negro e, para se vingar, passou a procurar homens negros para ter relações sexuais, espalhando o vírus entre eles. "Uma história parecida, na verdade uma versão 'real' da lenda conhecida como AIDS Mary, foi publicada no tablóide sensacionalista britânico The Sun, deixando ainda menos claras ao público as fronteiras entre realidade e ficção quando falamos em lendas urbanas."
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
ONG comemora Dia pela Internet Mais Segura nesta terça-feira
Com o tema 'A vida na internet é o que você faz dela' evento mobiliza 40 países pela navegação mais segura para crianças.
Na próxima terça-feira (12/02), mais de 40 países comemoram a quinta edição do Dia pela Internet Mais Segura 2008, evento idealizado pela InSafe, organização européia sem fins lucreativos que defende a navegação mais segura na grande rede.
Com o tema “A vida na internet é o que você faz dela”, a mobilização deste ano pretende estimular o uso seguro e ético da web, principalmente por crianças e adolescentes, público mais vulnerável aos perigos da rede.
Segundo a Netfilter, desenvolvedora de filtros de conteúdos de internet, existem atualmente bilhões de sites relacionados à pedofilia, pornografia, drogas, violência e racismo que expõem usuários a informações e programas maliciosos.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Gangues apostam no recrutamento via redes sociais
Gangues criminosas estão investindo cada vez mais em grandes sites sociais como o YouTube e o MySpace como meio de recrutamento de novos membros, noticiou o site The Inquirer.
A preocupação foi declarada pela polícia de San Mateo, Califórnia, nos Estados Unidos, ao canal televisivo CBS 5. Susan Manheimer, chefe da polícia local, explicou que os líderes das gangues estão cientes de que garotos gostam de se socializar em portais de networking e, por isto, estão voltando sua atenção e propaganda para tais meios virtuais."Estamos vendo novas gangues surgindo e o reaparecimento de outros membros de gangue que saem de prisões e procuram mais e mais estudantes de ensino médio e crianças mais novas para recrutá-los", explicou a policial.A interação dos jovens com criminosos é feita através de comentários em seções de sites sociais, e vai de simples conversas a discussões ainda mais profundas.
Em uma operação realizada em um cinema na noite da última sexta-feira, dia 1º de fevereiro, a CBS 5 descobriu que diversos jovens, alguns com 12 anos, carregavam em seu celular insígnias de gangues e músicas utilizadas como identificação destes grupos.Um jovem de 13 anos explicou que mantém contato com pessoas de gangues, e disse ser bem tratado, sem qualquer tipo de pressão. Para o conselheiro Alejandro Vilchez é necessário instruir as crianças para que não caiam neste tipo de propaganda virtual, e comparou a ação das gangues com a de Adolph Hitler, que recrutou muitos jovens para seu exército com mensagens de honra e sacrifício.
Vilchez explica que é necessário manter computadores em locais comuns da casa e monitorar de perto a atividade dos jovens tanto no computador quanto em celulares. Os pais também devem procurar conhecer cores e insígnias das gangues locais para identificar caso ocorra algum tipo de envolvimento de seus filhos.Um porta-voz do YouTube explicou que o portal de vídeo mais famoso da internet não aceita material ilegal ou perigoso. "Se um vídeo mostra alguém se ferindo, sendo atacado ou humilhado, será removido", comentou. Todavia, os vídeos são revistos pelos próprios usuários, que inserem identificações de material impróprio que, só então, são avaliados. Tal demora pode garantir um tempo de exibição indevida do material.
http://www.geek.com.br/modules/noticias/ver.php?id=17030&sec=6
A preocupação foi declarada pela polícia de San Mateo, Califórnia, nos Estados Unidos, ao canal televisivo CBS 5. Susan Manheimer, chefe da polícia local, explicou que os líderes das gangues estão cientes de que garotos gostam de se socializar em portais de networking e, por isto, estão voltando sua atenção e propaganda para tais meios virtuais."Estamos vendo novas gangues surgindo e o reaparecimento de outros membros de gangue que saem de prisões e procuram mais e mais estudantes de ensino médio e crianças mais novas para recrutá-los", explicou a policial.A interação dos jovens com criminosos é feita através de comentários em seções de sites sociais, e vai de simples conversas a discussões ainda mais profundas.
Em uma operação realizada em um cinema na noite da última sexta-feira, dia 1º de fevereiro, a CBS 5 descobriu que diversos jovens, alguns com 12 anos, carregavam em seu celular insígnias de gangues e músicas utilizadas como identificação destes grupos.Um jovem de 13 anos explicou que mantém contato com pessoas de gangues, e disse ser bem tratado, sem qualquer tipo de pressão. Para o conselheiro Alejandro Vilchez é necessário instruir as crianças para que não caiam neste tipo de propaganda virtual, e comparou a ação das gangues com a de Adolph Hitler, que recrutou muitos jovens para seu exército com mensagens de honra e sacrifício.
Vilchez explica que é necessário manter computadores em locais comuns da casa e monitorar de perto a atividade dos jovens tanto no computador quanto em celulares. Os pais também devem procurar conhecer cores e insígnias das gangues locais para identificar caso ocorra algum tipo de envolvimento de seus filhos.Um porta-voz do YouTube explicou que o portal de vídeo mais famoso da internet não aceita material ilegal ou perigoso. "Se um vídeo mostra alguém se ferindo, sendo atacado ou humilhado, será removido", comentou. Todavia, os vídeos são revistos pelos próprios usuários, que inserem identificações de material impróprio que, só então, são avaliados. Tal demora pode garantir um tempo de exibição indevida do material.
http://www.geek.com.br/modules/noticias/ver.php?id=17030&sec=6
Virtual Ethnography
IRISS '98: Conference Papers
Author: Christine Hine
Introduction
This paper explores methodological issues raised by an ethnographic approach to the Internet. The paper is motivated by an ongoing concern with the Internet as a technology and as a communication medium. The aim is to develop ways to study not just to how people use the Internet, but also the practices which make those uses of the Internet meaningful in local contexts. The first section of the paper maps out an emerging approach which is illustrated in the second section by data drawn from the Louise Woodward case. The final section reflects on the implications for methodological adequacy of an ethnographic approach increasingly divorced from reliance on a single bounded field site.
The interest in the Internet as a technology is inspired by work in technology studies and in media studies. Both disciplines have drawn heavily on ethnographic methods in recent years and both have been interested in the relationships between the production and the use of the objects which concern them. The sociology of technology has been particularly provocative in exploring the ways in which the designers of technologies understand their users and the ways in which users creatively appropriate and interpret the technologies which are made available to them. Among the questions preoccupying workers in this field has been the extent to which values, assumptions and even technical characteristics built into the technologies by designers have influence on the users of technologies. A view of technology emerges which sees it as embedded within the social relations which make it meaningful. Ethnography has been a key factor in motivating detailed attention to contexts of design and use and questioning the view that technologies have inherent characteristics.
Ethnography has been used to similar effect in media studies within contexts of both production and reception. Here the concern is with media texts: what values and assumptions do production teams bring to the process; and do the resulting media texts carry meanings which are apparent to audiences? Taken together, technology studies and media studies have illustrated the ways in which objects which we take for granted such as the computer, the microwave, the news programme and the soap opera acquire meaning within their contexts of production and use and are embedded within social relations. The Internet could fruitfully be viewed in the same way. It is not something which we are born knowing how to use, nor are its uses fixed. It is necessary to learn more than technical skills to use the Internet: we also have to learn what we might sensibly use it for. We need to learn how to interpret the things which we read on the screen and how to write things which others will appreciate. An ethnography of the Internet as a technology or as a cultural artefact would concern itself with the contexts in which it was used and the way in which it fitted into and transformed existing understandings. This might, however, risk missing the sense in which the Internet is itself a social context, in virtue of its role as a communications medium.
The Internet as a communications medium has been increasingly explored by ethnographers. Reid (1995), Baym (1995) and Correll (1995) are key figures in a growing body of works which pay ethnographic attention to on-line social phenomena. They argue that on-line communications can be analysed in their own terms for the forms of meaning, the shared values and the specific contextual ways of being which emerge in on-line environments. On-line ethnographers join their chosen field sites for sustained periods, interacting with their informants and building up a richly detailed picture of the ways in which the medium is used to create and sustain relationships. Some authors argue that on-line contexts provide for the formation of communities detached from the need for physical location or co-presence (Jones, 1995). The ethnographies of on-line communication are thoroughly provocative in the emphasis they place on the complex and creative uses to which computer-mediated communications are put. They make it apparent that the Internet can be viewed as social context(s) in its own right. However, we are left unclear as to the ways in which on-line interactions impact on and are interpreted within on-line life. We might ask questions such as: how do people use things they have read or said on-line in their off-line lives; how do they come to use the technology in particular ways; how do family relations, work contexts or media representations of the Internet affect their uses of the technology? To answer these, study of on-line contexts alone is probably insufficient.
Combining the two concerns with Internet as technology and as communications medium, a starting point for the analysis is to assume that nothing about the Internet and its use is inherently meaningful or functional. That we might routinely have come to associate the production of a World Wide Web page with the act of communication is an achievement rather than a given. The use of the Internet is sustained as a meaningful thing to do within the myriad contexts of the Internet itself and the places in which it is used. To illustrate the approach I will use data from a recent prominent event which brought both aspects of the Internet to the fore: the Louise Woodward case.
The Louise Woodward Case
This is not intended to be a definitive account of the Louise Woodward case. Rather, the aim is to use the events surrounding the case as a site for exploring what an ethnographic approach could make of this event. First, however, it would be useful to map the basic facts of the case. This description of the progress of the case provides the wider context within which the various media and Internet representations came about (and which they helped to create).
Matthew Eappen, the 8 month-old child of Deborah and Sunil Eappen died on 9th February, 1997. Matthew had suffered a brain haemorrhage and 'Shaken Baby Syndrome' was diagnosed. The Eappens had been employing 18 year-old Louise Woodward as an au pair and she had been responsible for minding their two children for long periods. The Eappens were American and were living in the Boston area. Louise was British and came from a village called Elton in Cheshire. Louise was arrested and charged with the murder of Matthew Eappen.
The case came to court amid intense media interest. Courtroom proceedings were televised and coverage on television and in newspapers was prominent throughout the trial. What had seemed a water-tight case for the prosecution was brought into question by the defence and by the production of new medical interpretations of Matthew's injuries. After deliberation, the jury returned a murder verdict and Louise received a life sentence. There then followed an unusual twist: the judge prepared to consider whether to accept the jury's original verdict or to overturn the verdict and impose his own ruling. This option was available to him in the United States, while it would not have been under English law. The judge announced that it was his intention to release his ruling on the Internet, rather than using the traditional method of handing out paper copies from the courthouse.
After several false alarms, the judge released his ruling on 10th November 1997. Problems with the Internet release of the ruling meant that most people learnt of the ruling first through television: in the UK Channel 5 carried a live feed from the courtroom as the judge passed sentence. The judge, Hiller Zobel, overturned the original murder verdict and substituted one of involuntary manslaughter. He passed a sentence of 279 days in state prison: the length of time which Louise had already served. At the end of the hearing Louise was free to leave jail, although required to remain in Massachusetts pending appeal.
Internet as culture
During the trial and the publicity build-up which surrounded it, the number of World Wide Web sites related to the case grew. When the judge announced his intention to release his ruling on to a web site, interest in the web as a source (and sink) for Louise-related information and opinion increased. Various different kinds of site could be distinguished, in addition to the sites of the news organizations which reproduced their offerings in other media. Support sites were particularly prominent. Apparently produced by individuals, these sites expressed concern for Louise, pointed out flaws in the prosecution case, and solicited the support of their unknown audiences in lobbying for Louise both on-line and off-line. As time went on, more and more of these support sites included cross-links to other support sites, particularly the Official Louise Woodward Campaign for Justice site. Visitors would be advised that they must visit the official site as well. A web of support seemed to emerge as the case went on.
In addition to the support sites, others emerged which presented themselves as more impartial and informative. These offered access to evidence and testimonies, enhanced by sound and video clips of courtroom proceedings. Other sites presented themselves as testing the mood of public opinion and offered visitors the opportunity to participate in an on-line poll on Louise's guilt or innocence. Some sites offered discussion forums or guest books for visitors to have their own say. Finally, it was apparent that some opportunists had realised that Louise Woodward was news and that having her name high up on your web page, whatever its main content or purpose, was a good way to ensure that your site came high up on search engine lists.
In analysing the on-line phenomena associated with the Louise Woodward case I only have space and time here to focus on one aspect: location and connection. This theme arises in two ways. The first is the emergence of the Official Louise Woodward Campaign for Justice site as a centre for a web of support, and the more amateur, less well-connected sites as increasingly marginal. The second way in which location arises is in the connection between on-line sites and off-line locations. Many sites referred their visitors to the official site for the authentic support experience. Anyone could have called their site the official one (in fact some other people did), but the emerging consensus was that the site produced (apparently) by the campaign team in Louise's home village had a justified claim to be called official. Their location at the centre of the web of support was reinforced by their claims to be in a central physical location. The connection between the off-line location of the village and the on-line location of the web site was strongly rendered. The counter on the official campaign site told of the many visitors who found their way to the centre.
The Louise Woodward case on the World Wide Web illustrates the emerging spatiality of the World Wide Web. It also demonstrates that the boundary between off-line and on-line is constructed through the actions of the participants. It is possible to see the Internet as a culture is its own right, but that culture is tied in by complex connections to off-line life. When closely tied to off-line life, the Internet is used as a transparent communications medium.
Internet as cultural artefact
The status of the Internet as a communications medium received much media attention at a particular point in the Woodward case, when Judge Hiller Zobel announced his intention to release his final ruling to a World Wide Web site. The following day (5th November 1997) the story was on the front pages of the UK national newspapers. The newspapers and the national television news found themselves in the position of explaining to their readers what the Internet was for and what it was sensible to do with it.
The newspaper coverage presented various interpretations of the Internet. The Sun was unequivocal with its headline: 'Internut!'. Some newspapers chose to tell their readers how they could get on-line themselves. Others chose to question the claim that releasing the verdict on the Internet was the fairest way to distribute the ruling, by stressing the numbers without access to the Internet. The judge's decision was interpreted and explained: some found it eminently sensible, while others put it down to the judge's 'computer crazy' son or found it bizarre given that the judge did not own a television. The Mirror mimicked the form of a World Wide Web browser with its front page.
Location again forms a theme, particularly in the television coverage. Throughout the case, television reporters were posted to the steps of the courtroom, to the streets of Boston to test the mood of the American public, and to a pub in the village in Cheshire which formed the headquarters of the official campaign. Television reports flitted from one site to another, incorporating interviews in the various locations and footage from the courtroom proceedings. When covering events on the Internet, the location footage showed people sitting in front of computers, before zooming in on a World Wide Web page. The ITV programme showed a Boston cybercafe. The BBC news showed their own newsroom. Both attempted to find a suitable location to take viewers to the Internet. If television news is about taking viewers to the significant locations for authoritative statements on what was going on there, the Internet was a location which now had to be incorporated into the coverage. It became a significant location for events in the Louise Woodward case.
For a brief period of time the Internet became the place to be to receive the latest and most authoritative news: a privileged location. This status did not last. By the following week the newspapers and television were reasserting their reliability and immediacy over the Internet, which failed the test.
Tracing complex connections
In the Louise Woodward case, the Internet as culture and as cultural artefact were intertwined. The first task of the ethnographer is to work out what is going on: in the courtroom, in the press, on television, and by sustained presence in on-line environments as new World Wide Web pages are produced and as people contribute their views to on-line discussions. Tracing the complex connections between the different sites as they are formed and re-formed requires mobility and a sensitivity to the ways in which places and events are rendered. If events are no longer bounded in particular places, then ethnography can usefully attempt to follow. At the same time it is important to be a part of the settings in which people are discussing the case, making sense of the coverage available to them, and locating themselves in particular places in relation to it.
Discussion
The essential features of ethnography as a methodology are difficult to define. Most people would agree that the sustained presence of an ethnographer in the field setting, combined with their intensive engagement with the everyday life of the inhabitants of the field site makes for the special kind of knowledge we call ethnographic. The ethnographer is able to use this sustained interaction to 'reduce the puzzlement' (Geertz, 1993: 16) which other people's ways of life can evoke. At the same time, ethnography can be a device for inducing that same puzzlement by 'displacing the dulling sense of familiarity with which the mysteriousness of our own ability to relate perceptively to one another is concealed from us' (Geertz, 1993: 14). I am using ethnography in this latter sense, as a device to render the use of the Internet as problematic: rather than being inherently sensible, the Internet acquires its sensibility in use. The status of the Internet as a way of communicating, as an object within people's lives and as a site for community-like formations is achieved and sustained in the ways in which it is used, interpreted and reinterpreted.
The Louise Woodward case is used here to illustrate the two sense of the Internet as culture and as cultural artefact which form a part of virtual ethnography. As ethnography it has obvious weaknesses. I have not talked about intensive engagements with on-line or off-line informants, and the major sites have been media-defined ones where the ethnographer acts as lurker or viewer of the events as they are provided. I have not described time spent and interactions engaged in with the producers of Louise Woodward web sites, in the campaign headquarters, in the homes of the armchair commentators and web surfers. In short, I have paid little attention to the face-to-face settings in which the Internet was articulated with the Louise Woodward case. I have tried to indicate the importance of studying such settings and the complex connections which we could endeavour to trace between the on-line and the off-line and between the mediated and the apparently transparent locations of communication. This paper is a starting point which aims to map an approach rather than to announce an already achieved project. One aim of the paper is to show how ethnography is increasingly, once detached from reliance on a single bounded field site as an object, an indefinite project. The ethnography becomes focused around the tracing of complex connections and the mobility of the ethnographer is a tool which provides opportunities to reflect on the construction of place. Rather than developing a sustained presence, the emphasis is on sustaining the anxiety about having arrived in a suitable place. An ethnography does not necessarily confine itself to a particular bounded site. Marcus (1995) identifies a trend for ethnographies to encompass multiple sites in a bid to follow complex objects through a series of cultural contexts. Rather than locating the 'world system' as the context in which ethnographies are set, Marcus suggests that multi-sited ethnographies enable the ethnographer to overcome reliance on context and to escape the idea of a global which forms a context for the local. He highlights ethnographies which are motivated by following people, things, metaphors, stories and conflicts as examples of approaches which breach the dependance of ethnography on a particular bounded place. Marcus highlights Martin's (1994) work on the immune system in American culture as a prime example of a multi-sited ethnography which tracks a metaphor through multiple sites. Multi-sitedness has found appeal within both media studies (Radway,1988; Abu-Lughod 1997) and science studies (Heath, 1997). The idea of the multi-sited ethnography is certainly a provocative one for a study of a ubiquitous technology like the Internet.
I have certainly chosen to encompass multiple sites in considering the Internet as a culture and cultural artefact. Yet I have chosen to describe this as a virtual ethnography rather than a multi-sited one. I have done this for two reasons. The first is that the use of the term virtual is metaphoric and stands in for the uncertainty in relation to time, location and presence which is evoked by the reliance on computer-mediated communication for large sections of the ethnography. This is a-sited rather than multi-sited ethnography. The second sense of virtual is one which is provided by my (pre-cyberspace) dictionary. Virtual, in its pre-information technology sense, conjurs up a vision of something which is almost, which will do for practical purposes even if it is not strictly the real thing. I use this sense of virtual to play on the anxieties which this kind of ethnography can produce. Ethnography is used strategically to produce some insights into the ways in which the Internet is culturally produced and produced as culture. For this practical purpose the ethnography will do, although it is always in principle incomplete.
References
Abu-Lughod L., The interpretation of culture(s) after television. Representations 59, 109-134 (1997).
Baym N., The emergence of community in computer mediated communication. In S.G. Jones (ed.) Cybersociety: Computer Mediated Communication and Community. Sage. 138-163 (1995).
Correll S., The ethnography of an electronic bar: the Lesbian Cafe. Journal of Contemporary Ethnography 24(3), 270-298 (1995).
Geertz C., The Interpretation of Cultures. Fontana (1993) (First published Basic Books 1973).
Heath D., Locating genetic knowledge: picturing Marfan syndrome and its travelling constituencies. Science, Technology and Human Values 23(1), 71-97.(1997)
Jones S.G. (ed.), Cybersociety: Computer Mediated Communication and Community. Sage (1995).
Marcus G.E., Ethnography in/of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology 24, 95-117 (1995).
Martin E. 1994 Flexible Bodies: Tracing Immunity in American Culture from the Days of Polio to the Age of Aids. Beacon (1994)
Radway J., Reception study: ethnography and the problem of dispersed audiences and nomadic subjects. Cultural Studies 2(3), 359-376 (1988).
Reid E., Virtual worlds: culture and imagination. In S.G. Jones (ed.) Cybersociety: Computer Mediated Communication and Community. Sage. 164-183. (1995)
Christine HineCentre for Research into Innovation, Culture and Technology (CRICT)Brunel University
Christine Hine is a Lecturer in Communication and Information Studies in the Department of Human Sciences at Brunel University, and Acting Director of CRICT, http://www.brunel.ac.uk/depts/crict/.
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domingo, 10 de fevereiro de 2008
Projeto que tipifica crime eletrônico está ineficiente
Ilícito virtual
por Alexandre Atheniense
Foi aprovado no dia 12 de dezembro de 2007, na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado, o substitutivo ao projeto de lei que cria novos tipos penais para os delitos praticados com o uso da Informática, apresentado pelo relator senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
O substitutivo aglutinou três projetos de lei que já tramitavam no Senado: o PLC 89, de 2003, do deputado Luiz Piauhylino; o PLS 76 de 2000, do senador Renan Calheiros; e o PLS 137 de 2000, do senador Leomar Quintanilha, que tratam da regulamentação e repressão aos crimes de informática no Brasil.
O projeto foi encaminhado para votação na Comissão de Assuntos Econômicos, CAE, em seguida retornará à CCJ para a continuação da discussão interrompida pelos requerimentos, sendo elaborado e aprovado o texto final em decisão terminativa. Aprovado o texto, será encaminhado ao Plenário, onde aguardará recurso pelos demais senadores por cinco sessões. Não havendo recurso, será encaminhado à Câmara dos Deputados para aprovação.
Desde sua primeira versão que foi aprovada na Comissão de Educação do Senado em 20 de junho de 2006, o substitutivo vem recebendo várias críticas provenientes de representantes do governo, de entidades e da sociedade em geral. Por isso, já foi modificado diversas vezes até chegar na versão atual. Ainda assim a atual redação ainda contém falhas que abordaremos adiante.
O substitutivo trata dos crimes praticados com uso de informática, incluindo aqueles praticados na internet, que não estão tipificados no Código Penal. Também altera o Código de Processo Penal, o Código Penal Militar, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei 10.446/2002, a Lei 7.716/1989 e a Lei 8.069/1990, estas duas últimas incluídas na versão atual do substitutivo.
Entre os crimes tipificados pelo projeto estão o acesso não autorizado à rede de computadores; interceptação ou interrupção de comunicações; falsificação de sistemas informatizados; divulgação ou uso indevido de informações contidas em banco de dados; o roubo de senhas e clonagem de cartão de crédito e de celulares.
A nova versão avançou em alguns pontos como, por exemplo, excluindo os polêmicos artigos que exigiam dos provedores de acesso à internet, ou qualquer rede de computadores, a obrigação de identificar os usuários de seus serviços mediante cadastramento prévio, além de só tornar disponível o acesso a uma rede de computadores mediante validação positiva dos dados cadastrais previamente fornecidos pelo contratante de serviços.
Na versão atual, além dos artigos citados, foram alterados, em síntese:
O artigo 20 da Lei 7.716/1989 (Lei Afonso Arinos) considerando que os crimes de racismo possam ser tipificados quando praticados pela internet, estabelecimento de uma lista de responsabilidades a ser cumprida pelos provedores. Foi retirado do texto da versão anterior a denominada “defesa digital” que segundo parecer da OAB entregue ao senador relator no ano passado, já o taxava como desnecessário, devido a sua amplitude exagerada acabava ferindo as próprias bases do CP.
Uma falha grave que ainda persiste na atual redação se refere a vulnerabilidade da não exigência para todas as classes de provedores, quanto a obrigação de preservar as informações e dados das conexões realizadas, que serão necessários ao processo de investigação da autoria dos ilícitos praticados por meio eletrônico.
Consta do texto que esta obrigação está restrita aos provedores de acesso. Esta regra não será suficiente para desvendar um grande número de fraudes cometidas por meio eletrônico que prescindam da preservação dos registros por parte dos provedores de serviços e conteúdo dentre outros. Sem a delimitação do tempo para que estas informações sejam preservadas, algumas fraudes continuarão acobertadas pelo anonimato propiciado pela internet.
Ao nosso ver outras alterações que deveriam ser efetuadas são a inclusão do elemento subjetivo do tipo nos delitos, conforme previsto na Convenção Européia de Cibercrimes (Tratado de Budapeste); a observância do princípio da proporcionalidade na cominação das penas. Em alguns casos certos tipos penais ficaram com pena de reclusão, à semelhança de delitos de elevado potencial ofensivo; a criação de uma pena diferenciada para aqueles que praticam os crimes contra honra pela internet em razão da potencialidade do dano propiciado pela ampla divulgação.
Como pode ser observado, apesar de terem sido efetuadas mudanças que melhoraram a redação do substitutivo, permaneceram ainda na versão atual várias falhas graves anteriormente alertadas.
Não restam dúvidas que regular os crimes praticados pela internet, seja no Brasil ou no exterior, sempre estará a reboque dos inúmeros golpes ilícitos praticados por meio eletrônicos.
Legislar sobre os avanços da tecnologia não é uma tarefa fácil. É necessário que estas regras possam entrar em vigor o quanto antes, de modo a fomentar a relação de confiança entre os usuários da internet para que os serviços existentes e outras que ainda possam ser implantados possam propiciar conforto e agilidade, minimizando a impunidade nos delitos ora praticados e tornando menos vulnerável o processo investigativo de autoria.
É importante frisar que a internet não criou novos bens jurídicos já tuteláveis pelo Direito Penal como patrimônio, intimidade e a honra. Estamos diante de um novo cenário onde a adoção de sistemas possibilitou a pratica de certos atos lesivos que não existiam no mundo presencial, daí a necessidade urgente da aprovação deste projeto, tipificando condutas penais específicos.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2008
por Alexandre Atheniense
Foi aprovado no dia 12 de dezembro de 2007, na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado, o substitutivo ao projeto de lei que cria novos tipos penais para os delitos praticados com o uso da Informática, apresentado pelo relator senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
O substitutivo aglutinou três projetos de lei que já tramitavam no Senado: o PLC 89, de 2003, do deputado Luiz Piauhylino; o PLS 76 de 2000, do senador Renan Calheiros; e o PLS 137 de 2000, do senador Leomar Quintanilha, que tratam da regulamentação e repressão aos crimes de informática no Brasil.
O projeto foi encaminhado para votação na Comissão de Assuntos Econômicos, CAE, em seguida retornará à CCJ para a continuação da discussão interrompida pelos requerimentos, sendo elaborado e aprovado o texto final em decisão terminativa. Aprovado o texto, será encaminhado ao Plenário, onde aguardará recurso pelos demais senadores por cinco sessões. Não havendo recurso, será encaminhado à Câmara dos Deputados para aprovação.
Desde sua primeira versão que foi aprovada na Comissão de Educação do Senado em 20 de junho de 2006, o substitutivo vem recebendo várias críticas provenientes de representantes do governo, de entidades e da sociedade em geral. Por isso, já foi modificado diversas vezes até chegar na versão atual. Ainda assim a atual redação ainda contém falhas que abordaremos adiante.
O substitutivo trata dos crimes praticados com uso de informática, incluindo aqueles praticados na internet, que não estão tipificados no Código Penal. Também altera o Código de Processo Penal, o Código Penal Militar, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei 10.446/2002, a Lei 7.716/1989 e a Lei 8.069/1990, estas duas últimas incluídas na versão atual do substitutivo.
Entre os crimes tipificados pelo projeto estão o acesso não autorizado à rede de computadores; interceptação ou interrupção de comunicações; falsificação de sistemas informatizados; divulgação ou uso indevido de informações contidas em banco de dados; o roubo de senhas e clonagem de cartão de crédito e de celulares.
A nova versão avançou em alguns pontos como, por exemplo, excluindo os polêmicos artigos que exigiam dos provedores de acesso à internet, ou qualquer rede de computadores, a obrigação de identificar os usuários de seus serviços mediante cadastramento prévio, além de só tornar disponível o acesso a uma rede de computadores mediante validação positiva dos dados cadastrais previamente fornecidos pelo contratante de serviços.
Na versão atual, além dos artigos citados, foram alterados, em síntese:
O artigo 20 da Lei 7.716/1989 (Lei Afonso Arinos) considerando que os crimes de racismo possam ser tipificados quando praticados pela internet, estabelecimento de uma lista de responsabilidades a ser cumprida pelos provedores. Foi retirado do texto da versão anterior a denominada “defesa digital” que segundo parecer da OAB entregue ao senador relator no ano passado, já o taxava como desnecessário, devido a sua amplitude exagerada acabava ferindo as próprias bases do CP.
Uma falha grave que ainda persiste na atual redação se refere a vulnerabilidade da não exigência para todas as classes de provedores, quanto a obrigação de preservar as informações e dados das conexões realizadas, que serão necessários ao processo de investigação da autoria dos ilícitos praticados por meio eletrônico.
Consta do texto que esta obrigação está restrita aos provedores de acesso. Esta regra não será suficiente para desvendar um grande número de fraudes cometidas por meio eletrônico que prescindam da preservação dos registros por parte dos provedores de serviços e conteúdo dentre outros. Sem a delimitação do tempo para que estas informações sejam preservadas, algumas fraudes continuarão acobertadas pelo anonimato propiciado pela internet.
Ao nosso ver outras alterações que deveriam ser efetuadas são a inclusão do elemento subjetivo do tipo nos delitos, conforme previsto na Convenção Européia de Cibercrimes (Tratado de Budapeste); a observância do princípio da proporcionalidade na cominação das penas. Em alguns casos certos tipos penais ficaram com pena de reclusão, à semelhança de delitos de elevado potencial ofensivo; a criação de uma pena diferenciada para aqueles que praticam os crimes contra honra pela internet em razão da potencialidade do dano propiciado pela ampla divulgação.
Como pode ser observado, apesar de terem sido efetuadas mudanças que melhoraram a redação do substitutivo, permaneceram ainda na versão atual várias falhas graves anteriormente alertadas.
Não restam dúvidas que regular os crimes praticados pela internet, seja no Brasil ou no exterior, sempre estará a reboque dos inúmeros golpes ilícitos praticados por meio eletrônicos.
Legislar sobre os avanços da tecnologia não é uma tarefa fácil. É necessário que estas regras possam entrar em vigor o quanto antes, de modo a fomentar a relação de confiança entre os usuários da internet para que os serviços existentes e outras que ainda possam ser implantados possam propiciar conforto e agilidade, minimizando a impunidade nos delitos ora praticados e tornando menos vulnerável o processo investigativo de autoria.
É importante frisar que a internet não criou novos bens jurídicos já tuteláveis pelo Direito Penal como patrimônio, intimidade e a honra. Estamos diante de um novo cenário onde a adoção de sistemas possibilitou a pratica de certos atos lesivos que não existiam no mundo presencial, daí a necessidade urgente da aprovação deste projeto, tipificando condutas penais específicos.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2008
Vídeos !
Interview with Claude Lévi Strauss (1972)
http://br.youtube.com/watch?v=u73chpnKKhQ
http://br.youtube.com/watch?v=IlXLSntKq3Q&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=cNzPYvJ2BqM
http://br.youtube.com/watch?v=fItjgGIrGBU&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=z6fOch0tt3A&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=tp9wLrM3-VI&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=tDFVEC2ourE
http://br.youtube.com/watch?v=u73chpnKKhQ
http://br.youtube.com/watch?v=IlXLSntKq3Q&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=cNzPYvJ2BqM
http://br.youtube.com/watch?v=fItjgGIrGBU&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=z6fOch0tt3A&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=tp9wLrM3-VI&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=tDFVEC2ourE
sábado, 9 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
Castro Alves
E existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transforma-se nesta festa
Em manto impuro da bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mais que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia ?!...
Silencio!... Musa chora, chora tanto,
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessa divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!...
Extingue nesta hora o brigue imundo
Um trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo!...
... Mas é infâmia demais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca esse pendão dos ares!...
Colombo! fecha a porta de teus mares!...[1]
[1] CASTRO ALVES, Antônio de, Os Escravos. Rio de Janeiro: Martins Editora; 1972.
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transforma-se nesta festa
Em manto impuro da bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mais que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia ?!...
Silencio!... Musa chora, chora tanto,
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessa divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!...
Extingue nesta hora o brigue imundo
Um trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo!...
... Mas é infâmia demais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca esse pendão dos ares!...
Colombo! fecha a porta de teus mares!...[1]
[1] CASTRO ALVES, Antônio de, Os Escravos. Rio de Janeiro: Martins Editora; 1972.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
resenha: PAUL GILROY: O ATLÂNTICO NEGRO
Eufrázia Cristina Menezes Santos
Professora da Universidade Federal de Sergipe e doutoranda do Departamento de Antropologia – USP
No Prefácio à lª edição de The Black Atlantic (1993), Paul Gilroy aspira que a leitura do seu livro represente uma viagem marítima pelo mundo do Atlântico Negro. Este último termo refere-se metaforicamente às estruturas transnacionais criadas na modernidade que se desenvolveram e deram origem a um sistema de comunicações globais marcado por fluxos e trocas culturais. A formação dessa rede possibilitou às populações negras durante a diáspora africana formarem uma cultura que não pode ser identificada exclusivamente como caribenha, africana, americana, ou britânica, mas todas elas ao mesmo tempo.
Trata-se da cultura do Atlântico Negro, uma cultura que pelo seu caráter híbrido não se encontra circunscrita às fronteiras étnicas ou nacionais. Ao longo de 419 páginas o autor repensa a modernidade por meio da história do Atlântico Negro e da diáspora africana no hemisfério ocidental, conduzindo-nos de maneira instigante por rotas de difícil navegação. A década de 1990 foi rica em discussões de temas como globalização, cultura, identidade, nacionalismo, hibridismo, multiculturalismo.
O livro do sociólogo inglês Paul Gilroy, cuja primeira edição em língua inglesa data de 1993, insere-se nesse debate contemporâneo repudiando as perigosas obsessões com a pureza racial, posicionando-se contra as representações do corpo humano como repositório fundamental da ordem da verdade racial. Seu projeto político e acadêmico renova críticas à idéia de raça e prevê sua morte como princípio de cálculo político e moral.
O livro questiona a definição de cultural nacional introduzida pelo absolutismo étnico e busca explorar as relações entre raça, nação, nacionalidade e etnia, para colocar em xeque o mito da identidade étnica e da unidade nacional. As discussões sobre cultura e identidade, apresentadas, não acrescentam nada de novo em relação à produção intelectual já existente sobre estes temas. O caráter de novidade está no uso político que faz desse referencial no seu trabalho, para pensar em novas bases a cultura e a(s) identidade(s) negra(s), enfatizando, sobretudo, o problema e os limites da identidade étnica e racial. No centro de sua análise encontra-se a noção de diáspora, que o autor importou de inconfessadas fontes judaicas para a política e a história negra. No seu quadro de análise, ela não representa uma forma de dispersão catastrófica, mas um processo que redefine a mecânica cultural e histórica do pertencimento.
Para Gilroy a diáspora rompe a seqüência dos laços explicativos entre lugar, posição e consciência, conseqüentemente rompe também com o poder do território para determinar a identidade. O autor repudia a idéia de uma identidade enraizada, supostamente autêntica, natural e estável, veiculada pelo pensamento nacionalista negro nos anos 60. Para ele a rede de comunicação transnacional criou uma nova topografia de lealdade e identidade que desconsidera as estruturas e os pressupostos do Estado-nação e redefine as formas de ligação e identificação no tempo e no espaço. O modelo do Atlântico Negro remete ao sentimento de desterritorialização da cultura em oposição à idéia de uma cultura territorial fechada e codificada no corpo.
A análise da cultura do Atlântico Negro é particularmente valiosa, entre outros aspectos, por dar visibilidade a uma face da história cultural obscurecida pelo véu do absolutismo étnico: a relação dos negros com a modernidade ocidental. Este constitui, sem dúvida, um dos principais pontos de análise apresentado. Segundo Gilroy, durante a diáspora, os negros criaram um corpo único de reflexão sobre a modernidade e seus dissabores que continua presente nas lutas culturais e políticas de seus descendentes. No entanto, o racismo moderno não reconheceu os negros como pessoas com capacidades cognitivas, ou mesmo com uma história intelectual.
Um dos aspectos mais explorados no livro é o reconhecimento da duplicidade como sinal diacrítico da história intelectual do Atlântico Negro – integra o ocidente sem fazer parte completamente dele. As proposições apresentadas pelo o autor se contrapõem às premissas do racismo científico que confinou o negro à categoria intermediária entre o animal e o homem. Indiretamente, elas se contrapõem também aos escritos filosóficos que se mostraram céticos quanto à capacidade cognitiva dos negros.
O livro aponta a necessidade de uma avaliação crítica do racismo e anti-semitismo presentes na obra de filósofos iluministas como Kant e Voltaire. Merece ser aqui enfatizada a proposta apresentada por Gilroy de uma releitura da dialética do senhor e do escravo, na qual se enraíza a alegoria hegeliana da consciência e da liberdade. Para ele, as formulações de Hegel podem ser usadas para iniciar uma análise que veja a estreita associação entre a modernidade e a escravidão como uma questão conceitual chave. Igualmente, um retorno à explicação do conflito e das formas de dependência produzidas na relação entre o senhor e o escravo põe em evidência as questões de brutalidade e terror quase sempre ignoradas pelas narrativas da modernidade. Gilroy toma como pressuposto a idéia de que
O projeto do autor desencadeia uma severa crítica aos estudos culturais ingleses e afro-americanos marcados por perspectivas etnocêntrica e nacionalista. Promove igualmente uma avaliação crítica do uso das noções de etnia no interior destes estudos, ao mesmo tempo em que se opõe à falsa idéia de que a cultura sempre flui em padrões correspondentes à fronteira do Estado-nação. Do ponto de vista do autor, a relação entre nacionalidade e etnia foi apoiada retoricamente pelo inclusivismo cultural que enfatiza o sentido absoluto da diferença étnica entre os indivíduos em detrimento das suas experiências social e histórica.
Ao longo do livro, em especial, os capítulos 4 e 5, Gilroy utiliza a vida e os escritos de intelectuais negros como W. E. B. Du Bois, Richard Wright, Martin Delany, Frederick Douglas para desenvolver sua discussão sobre a modernidade e para elaborar um relato intercultural e antietnocêntrico da História e da cultura política negra modernas.
Os textos elaborados por esses autores, com base em suas experiências de viagem e exílio, "expressam o poder de uma tradição de escrita na qual a autobiografia se torna um ato ou processo de simultânea autocriação e auto-emancipação" (: 151).
Muitos desses autores utilizaram a memória da experiência escrava como um instrumento adicional, suplementar para construir uma interpretação distinta da modernidade. A inserção dos intelectuais negros no mundo moderno é vista como ambivalente, marcada por uma tensão entre ser produto da civilização ocidental e possuir uma identidade racial, profundamente condicionada e organicamente gerada por essa civilização.
Para Gilroy é preciso atentar para o fato de que as críticas dos intelectuais negros à modernidade também podem ser, em alguns sentidos, importantes à afirmação dessa mesma modernidade. A compreensão desse quadro é prejudicada, quase sempre, por posturas que insistem em separar as formas culturais particulares a ambos grupos em alguma tipologia étnica, perdendo a oportunidade de discutir o seu complexo entrelaçamento. A teoria da dupla consciência elaborada por Du Bois constitui um dos principais temas abordados pelo autor, a partir do qual, discute a construção e a plasticidade das identidades negras.
O sujeito negro de Du Bois vive uma certa dualidade, encontra-se dividido entre as afirmações de particularidade racial e o apelo aos universais modernos que transcendem a raça. No seu quadro de análise a dupla consciência emerge das experiências de deslocamento e reterritorialização das populações negras, que acabam redefinindo o sentimento de pertença. Ele compartilha ao lado de outros escritores negros
Com esse conceito, Du Bois objetiva dar às experiências pós-escravidão vivenciadas pelos negros ocidentais uma significação mundial. Essas formulações casam perfeitamente com a preocupação de Gilroy na formação de uma transcultura negra que possa relacionar, combinar e unir as experiências e os interesses dos negros em várias partes do mundo. O livro traz para o primeiro plano a cultura vernacular negra, sublinhando a importância dos elementos antidiscursivos e extralingüísticos dos atos comunicativos definidos pela instituição da escravidão. As expressões artísticas que emergiram da cultura dos escravos encontraram na música e na dança um substituto para as liberdades políticas formais que lhes eram negadas, "a arte se tornou a espinha dorsal das culturas políticas dos escravos e da sua história cultural" (: 129), e até hoje representa uma importante aliada nos processos de luta rumo à emancipação, à cidadania e à autonomia negra.
O poder da música negra para o desenvolvimento das lutas políticas das comunidades negras da diáspora exige atenção aos seus atributos formais e à sua base moral distintiva: "Ela é ao mesmo tempo, produção e expressão dessa transvalorização de todos os valores precipitada pela história do terror racial no Novo Mundo" (: 94).
O acesso restrito dos escravos à alfabetização fez crescer o poder da música em proporção inversa ao poder expressivo da língua, seu refinamento tem proporcionado um mecanismo de comunicação que não se limita ao poder das palavras faladas ou escritas. A música tem exercido um papel fundamental na reprodução da cultura do Atlântico Negro e na conexão entre as diferentes comunidades da diáspora. Gilroy sublinha as formas nas quais as culturas vernaculares têm viajado.
A cultura musical e as histórias de deslocamento, empréstimos, transformação e reinscrição contínua que lhe são características, remete à complexidade sincrética das culturas expressivas negras. Ela fornece o melhor exemplo do tráfego bilateral que vem se processando historicamente entre as formas culturais africanas e as culturas políticas dos negros da diáspora. A história de hibridação e mesclagem desaponta o desejo de pureza racial acalentado pelo afrocentrismo e pelo eurocentrismo.
A história do Atlântico Negro nos ensina que a reprodução das tradições culturais não pode ser interpretada como a transmissão pura e simples de uma essência fixa ao longo do tempo, ela se dá nas rupturas e interrupções sugerindo que "a invocação da tradição pode ser, em si mesma, uma resposta distinta, porém oculta, ao fluxo desestabilizante do mundo contemporâneo" (: 208). Ao término dessa viagem intelectual por O Atlântico Negro, o leitor brasileiro sente a ausência de uma abordagem da cultura da diáspora que englobe as experiências das comunidades negras do "Atlântico Sul Negro".
Essa ausência torna-se mais significativa se levarmos em conta que o livro ao privilegiar as rotas e os fluxos sugere maneiras importantes de pensar regionalmente e translocalmente. O estilo de análise de Gilroy não se limita a estabelecer oposições, mas tenta demonstrar as vantagens de uma abordagem que seja capaz de estabelecer relações, procurando criticar os efeitos perniciosos do pensamento dualista binário no qual um elemento do par é dominado por outro – racional/irracional, branco/preto.
As rotas abertas por esta obra de caráter seminal certamente darão origem a futuras investigações que possam promover outras viagens com novos roteiros rumo à história descomunal da cultura atlântica negra.
Gilroy, Paul. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência, São Paulo, Rio de Janeiro, 34/Universidade Cândido Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. Rev. Antropol. v.45 n.1 São Paulo 2002. Fonte: Revista de Antropologia(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0034-7701&lng=pt&nrm=iso).
Professora da Universidade Federal de Sergipe e doutoranda do Departamento de Antropologia – USP
No Prefácio à lª edição de The Black Atlantic (1993), Paul Gilroy aspira que a leitura do seu livro represente uma viagem marítima pelo mundo do Atlântico Negro. Este último termo refere-se metaforicamente às estruturas transnacionais criadas na modernidade que se desenvolveram e deram origem a um sistema de comunicações globais marcado por fluxos e trocas culturais. A formação dessa rede possibilitou às populações negras durante a diáspora africana formarem uma cultura que não pode ser identificada exclusivamente como caribenha, africana, americana, ou britânica, mas todas elas ao mesmo tempo.
Trata-se da cultura do Atlântico Negro, uma cultura que pelo seu caráter híbrido não se encontra circunscrita às fronteiras étnicas ou nacionais. Ao longo de 419 páginas o autor repensa a modernidade por meio da história do Atlântico Negro e da diáspora africana no hemisfério ocidental, conduzindo-nos de maneira instigante por rotas de difícil navegação. A década de 1990 foi rica em discussões de temas como globalização, cultura, identidade, nacionalismo, hibridismo, multiculturalismo.
O livro do sociólogo inglês Paul Gilroy, cuja primeira edição em língua inglesa data de 1993, insere-se nesse debate contemporâneo repudiando as perigosas obsessões com a pureza racial, posicionando-se contra as representações do corpo humano como repositório fundamental da ordem da verdade racial. Seu projeto político e acadêmico renova críticas à idéia de raça e prevê sua morte como princípio de cálculo político e moral.
O livro questiona a definição de cultural nacional introduzida pelo absolutismo étnico e busca explorar as relações entre raça, nação, nacionalidade e etnia, para colocar em xeque o mito da identidade étnica e da unidade nacional. As discussões sobre cultura e identidade, apresentadas, não acrescentam nada de novo em relação à produção intelectual já existente sobre estes temas. O caráter de novidade está no uso político que faz desse referencial no seu trabalho, para pensar em novas bases a cultura e a(s) identidade(s) negra(s), enfatizando, sobretudo, o problema e os limites da identidade étnica e racial. No centro de sua análise encontra-se a noção de diáspora, que o autor importou de inconfessadas fontes judaicas para a política e a história negra. No seu quadro de análise, ela não representa uma forma de dispersão catastrófica, mas um processo que redefine a mecânica cultural e histórica do pertencimento.
Para Gilroy a diáspora rompe a seqüência dos laços explicativos entre lugar, posição e consciência, conseqüentemente rompe também com o poder do território para determinar a identidade. O autor repudia a idéia de uma identidade enraizada, supostamente autêntica, natural e estável, veiculada pelo pensamento nacionalista negro nos anos 60. Para ele a rede de comunicação transnacional criou uma nova topografia de lealdade e identidade que desconsidera as estruturas e os pressupostos do Estado-nação e redefine as formas de ligação e identificação no tempo e no espaço. O modelo do Atlântico Negro remete ao sentimento de desterritorialização da cultura em oposição à idéia de uma cultura territorial fechada e codificada no corpo.
"Sob a chave da diáspora nós poderemos então ver não a raça, e sim formasAs relações estabelecidas em decorrência da diáspora favorecem a formação de um circuito comunicativo que extrapola as fronteiras étnicas do Estado-nação, permitindo às populações dispersas conversar, interagir e efetuar trocas culturais. A referência ao mar e à vida marítima, presente no título e ao longo do livro, tem um sentido poético, mas, sobretudo heurístico. O mar indica idéia de contaminação, mistura, movimento, coerente com a perspectiva de análise adotada que situa o mundo do Atlântico Negro em uma rede entrelaçada entre o local e o global. No seu esquema interpretativo o autor elege o navio como a principal unidade de análise, sua importância histórica e teórica decorre do fato do mesmo ter funcionado como o principal canal de comunicação pan-africana. O navio representa
geopolíticas e geoculturais de vida que são resultantes da interação entre
sistemas comunicativos e contextos que elas não só incorporam, mas também
modificam e transcendem" (: 25).
"um sistema vivo, microcultural e micropolítico em movimento que coloca emPara Gilroy, a análise da história política e cultural negra no Ocidente requer uma maior atenção à complexa mistura entre idéias e sistemas filosóficos e culturais europeus e africanos. A mistura não deve ser interpretada como perda de pureza, e sim como um princípio de crescimento que ajudou a formar o mundo moderno. É dele a definição do seu livro como um ensaio sobre a inevitável hibridez e mistura de idéias (: 30).
circulação, idéias, ativistas, artefatos culturais e políticos" (: 38).
A análise da cultura do Atlântico Negro é particularmente valiosa, entre outros aspectos, por dar visibilidade a uma face da história cultural obscurecida pelo véu do absolutismo étnico: a relação dos negros com a modernidade ocidental. Este constitui, sem dúvida, um dos principais pontos de análise apresentado. Segundo Gilroy, durante a diáspora, os negros criaram um corpo único de reflexão sobre a modernidade e seus dissabores que continua presente nas lutas culturais e políticas de seus descendentes. No entanto, o racismo moderno não reconheceu os negros como pessoas com capacidades cognitivas, ou mesmo com uma história intelectual.
Um dos aspectos mais explorados no livro é o reconhecimento da duplicidade como sinal diacrítico da história intelectual do Atlântico Negro – integra o ocidente sem fazer parte completamente dele. As proposições apresentadas pelo o autor se contrapõem às premissas do racismo científico que confinou o negro à categoria intermediária entre o animal e o homem. Indiretamente, elas se contrapõem também aos escritos filosóficos que se mostraram céticos quanto à capacidade cognitiva dos negros.
O livro aponta a necessidade de uma avaliação crítica do racismo e anti-semitismo presentes na obra de filósofos iluministas como Kant e Voltaire. Merece ser aqui enfatizada a proposta apresentada por Gilroy de uma releitura da dialética do senhor e do escravo, na qual se enraíza a alegoria hegeliana da consciência e da liberdade. Para ele, as formulações de Hegel podem ser usadas para iniciar uma análise que veja a estreita associação entre a modernidade e a escravidão como uma questão conceitual chave. Igualmente, um retorno à explicação do conflito e das formas de dependência produzidas na relação entre o senhor e o escravo põe em evidência as questões de brutalidade e terror quase sempre ignoradas pelas narrativas da modernidade. Gilroy toma como pressuposto a idéia de que
"o terror racial não é meramente compatível com a racionalidade ocidental, mas,
voluntariamente cúmplice dela" (: 127).
O projeto do autor desencadeia uma severa crítica aos estudos culturais ingleses e afro-americanos marcados por perspectivas etnocêntrica e nacionalista. Promove igualmente uma avaliação crítica do uso das noções de etnia no interior destes estudos, ao mesmo tempo em que se opõe à falsa idéia de que a cultura sempre flui em padrões correspondentes à fronteira do Estado-nação. Do ponto de vista do autor, a relação entre nacionalidade e etnia foi apoiada retoricamente pelo inclusivismo cultural que enfatiza o sentido absoluto da diferença étnica entre os indivíduos em detrimento das suas experiências social e histórica.
Ao longo do livro, em especial, os capítulos 4 e 5, Gilroy utiliza a vida e os escritos de intelectuais negros como W. E. B. Du Bois, Richard Wright, Martin Delany, Frederick Douglas para desenvolver sua discussão sobre a modernidade e para elaborar um relato intercultural e antietnocêntrico da História e da cultura política negra modernas.
Os textos elaborados por esses autores, com base em suas experiências de viagem e exílio, "expressam o poder de uma tradição de escrita na qual a autobiografia se torna um ato ou processo de simultânea autocriação e auto-emancipação" (: 151).
Muitos desses autores utilizaram a memória da experiência escrava como um instrumento adicional, suplementar para construir uma interpretação distinta da modernidade. A inserção dos intelectuais negros no mundo moderno é vista como ambivalente, marcada por uma tensão entre ser produto da civilização ocidental e possuir uma identidade racial, profundamente condicionada e organicamente gerada por essa civilização.
Para Gilroy é preciso atentar para o fato de que as críticas dos intelectuais negros à modernidade também podem ser, em alguns sentidos, importantes à afirmação dessa mesma modernidade. A compreensão desse quadro é prejudicada, quase sempre, por posturas que insistem em separar as formas culturais particulares a ambos grupos em alguma tipologia étnica, perdendo a oportunidade de discutir o seu complexo entrelaçamento. A teoria da dupla consciência elaborada por Du Bois constitui um dos principais temas abordados pelo autor, a partir do qual, discute a construção e a plasticidade das identidades negras.
O sujeito negro de Du Bois vive uma certa dualidade, encontra-se dividido entre as afirmações de particularidade racial e o apelo aos universais modernos que transcendem a raça. No seu quadro de análise a dupla consciência emerge das experiências de deslocamento e reterritorialização das populações negras, que acabam redefinindo o sentimento de pertença. Ele compartilha ao lado de outros escritores negros
"a percepção de que o mundo moderno estava fragmentado ao longo de eixos
constituídos pelo conflito racial e poderia acomodar modos de vida social
assíncronos e heterogêneos em estreita proximidade" (: 368).
Com esse conceito, Du Bois objetiva dar às experiências pós-escravidão vivenciadas pelos negros ocidentais uma significação mundial. Essas formulações casam perfeitamente com a preocupação de Gilroy na formação de uma transcultura negra que possa relacionar, combinar e unir as experiências e os interesses dos negros em várias partes do mundo. O livro traz para o primeiro plano a cultura vernacular negra, sublinhando a importância dos elementos antidiscursivos e extralingüísticos dos atos comunicativos definidos pela instituição da escravidão. As expressões artísticas que emergiram da cultura dos escravos encontraram na música e na dança um substituto para as liberdades políticas formais que lhes eram negadas, "a arte se tornou a espinha dorsal das culturas políticas dos escravos e da sua história cultural" (: 129), e até hoje representa uma importante aliada nos processos de luta rumo à emancipação, à cidadania e à autonomia negra.
O poder da música negra para o desenvolvimento das lutas políticas das comunidades negras da diáspora exige atenção aos seus atributos formais e à sua base moral distintiva: "Ela é ao mesmo tempo, produção e expressão dessa transvalorização de todos os valores precipitada pela história do terror racial no Novo Mundo" (: 94).
O acesso restrito dos escravos à alfabetização fez crescer o poder da música em proporção inversa ao poder expressivo da língua, seu refinamento tem proporcionado um mecanismo de comunicação que não se limita ao poder das palavras faladas ou escritas. A música tem exercido um papel fundamental na reprodução da cultura do Atlântico Negro e na conexão entre as diferentes comunidades da diáspora. Gilroy sublinha as formas nas quais as culturas vernaculares têm viajado.
A cultura musical e as histórias de deslocamento, empréstimos, transformação e reinscrição contínua que lhe são características, remete à complexidade sincrética das culturas expressivas negras. Ela fornece o melhor exemplo do tráfego bilateral que vem se processando historicamente entre as formas culturais africanas e as culturas políticas dos negros da diáspora. A história de hibridação e mesclagem desaponta o desejo de pureza racial acalentado pelo afrocentrismo e pelo eurocentrismo.
A história do Atlântico Negro nos ensina que a reprodução das tradições culturais não pode ser interpretada como a transmissão pura e simples de uma essência fixa ao longo do tempo, ela se dá nas rupturas e interrupções sugerindo que "a invocação da tradição pode ser, em si mesma, uma resposta distinta, porém oculta, ao fluxo desestabilizante do mundo contemporâneo" (: 208). Ao término dessa viagem intelectual por O Atlântico Negro, o leitor brasileiro sente a ausência de uma abordagem da cultura da diáspora que englobe as experiências das comunidades negras do "Atlântico Sul Negro".
Essa ausência torna-se mais significativa se levarmos em conta que o livro ao privilegiar as rotas e os fluxos sugere maneiras importantes de pensar regionalmente e translocalmente. O estilo de análise de Gilroy não se limita a estabelecer oposições, mas tenta demonstrar as vantagens de uma abordagem que seja capaz de estabelecer relações, procurando criticar os efeitos perniciosos do pensamento dualista binário no qual um elemento do par é dominado por outro – racional/irracional, branco/preto.
As rotas abertas por esta obra de caráter seminal certamente darão origem a futuras investigações que possam promover outras viagens com novos roteiros rumo à história descomunal da cultura atlântica negra.
Gilroy, Paul. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência, São Paulo, Rio de Janeiro, 34/Universidade Cândido Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. Rev. Antropol. v.45 n.1 São Paulo 2002. Fonte: Revista de Antropologia(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0034-7701&lng=pt&nrm=iso).
domingo, 3 de fevereiro de 2008
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