A cada dia que passa, parece mais evidente. A decisão de Bento XVI de perdoar os quatro bispos lefebvrianos excomungados criou uma crise muito mais grave do que aquela que tentava resolver. Depois da pressão sem precedentes exercida pela Chanceler alemã, Angela Merkel, o Vaticano exigiu, nesta quarta-feira, que Richard Williamson, o bispo que negou o Holocausto, se retrate de forma “inequívoca” se quiser recuperar “as suas funções episcopais na Igreja”. A reportagem é de Miguel Mora e Juan Gómez e publicada no jornal espanhol El País, 05-02-2009. A tradução é do Cepat.
Além disso, se viu obrigado a dar novas explicações sobre o caso, que poderia acabar com o processo penal do ultraconservador na Alemanha. A Secretaria de Estado afirmou em nota oficial [em italiano] que o Papa não estava a par das posições negacionistas de Williamson quando suspendeu a excomunhão, em janeiro passado. Depois de quase duas semanas de controvérsias, a justificativa soou tardia e pouco convincente.
Segundo demonstra a investigação aberta sobre o assunto pela Promotoria Pública de Regensburg, as teses neonazistas de Williamson começaram a dar o que falar dias antes de ser reabilitado por Ratzinger. A revista alemã Der Spiegel antecipou em 19 de janeiro o conteúdo da entrevista concedida pelo bispo à televisão sueca STV, em que negava o genocídio de seis milhões de judeus e a existência das câmaras de gás.
A Rádio Vaticano ecoou a notícia em 23 de janeiro, e a reabilitação foi comunicada pelo L’Osservatore Romano no dia 25, se bem que a notícia já foi veiculada extra-oficialmente no dia 21 de janeiro. Nesse dia, recordou nesta quarta-feira o Vaticano, o Papa assinou o decreto de perdão. A sucessão de datas deixa em maus lençóis a Sala de Imprensa da Santa Sé.
A explicação da quarta-feira coloca também em apuros o porta-voz do Papa, o Pe. Federico Lombardi, que, no dia anterior, replicando a Merkel, sentenciou que a condenação papal da declaração negacionista “não podia ser mais clara”. Pelo que parece, não foi. No comunicado, o Vaticano exige que Williamson se retrate de suas teses “de modo absolutamente inequívoco e público” se quiser recuperar “as suas funções episcopais na Igreja”. E reitera que suas posições sobre o Holocausto “são absolutamente inaceitáveis e firmemente repudiadas pelo Santo Padre”.
O Vaticano tenta sair do aperto, mas não retrocede. Mesmo com a tempestade provocada em países como a Alemanha e a Argentina (onde a mídia local recordou que Williamson foi e é um firme defensor da ditadura), Ratzinger segue disposto a contar com o bispo. A Santa Sé “se esforçará para tratar com os interessados as questões ainda abertas”, para chegar “a uma plena e satisfatória solução dos problemas que deram origem a esta dolorosa fratura”, afirma a Santa Sé. Aduz, além disso, razões técnicas para tentar diminuir a polêmica: “A suspensão da excomunhão libertou quatro bispos de uma pena canônica gravíssima, mas não mudou a situação jurídica da Fraternidade Sacerdotal São Pio X”, e esta ainda não goza de “nenhum reconhecimento canônico” na Igreja católica.
“Para seu futuro reconhecimento”, reitera, “é condição indispensável o pleno reconhecimento do Concílio Vaticano II e do magistério dos Papas João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e do próprio Bento XVI”.
Não parece fácil, porque o movimento fundado em 1970 por Marcel Lefebvre nasceu em oposição ao Concílio Vaticano II, que abriu a Igreja aos movimentos sociais e laicos, e determinou a aproximação com muçulmanos e judeus.
O fato é que Bento XVI perdoou a um dos grupos mais marginais e reacionários do catolicismo, e que sua intenção de “conseguir a unidade da Igreja” teve apenas efeitos negativos. Deteriorou o difícil diálogo com a comunidade judaica e com Israel, e semeou a discórdia entre os setores moderados, tanto laicos como religiosos.
Na Alemanha, o desprestígio não tem fim. Williamson poderia ser réu de um processo penal, e segundo informa a imprensa, como o Süddeutsche Zeitung, o caso causou um grande aumento das apostasias no país, e uma avalancha de protestos nas dioceses.
Nas últimas semanas é possível ver no YouTube Williamson assegurando que nenhum judeu morreu nas câmaras de gás nazistas, que, segundo ele, nem mesmo existiram. E se pode comprovar como reconhece que comete um crime e “suplica” ao jornalista sueco Ali Fegan que seja “cuidadoso” com a entrevista, porque poderia levá-lo à prisão.
O artigo 130 do Código Penal alemão, dedicado à “incitação ao ódio”, prevê castigos de até cinco anos ou multa para quem “negar ou banalizar” os crimes da ditadura nazista “de forma pública”. E castiga com até três anos a quem, da mesma maneira, “justificar, enaltecer ou aprovar” o regime de Hitler.
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