terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Assassinato de advogado e jornalista renova o espectro das "mortes políticas" na Rússia

O frio dos 16 graus negativos de Moscovo não os demoveu. Não foi uma manifestação maciça - não há manifestações maciças da oposição a Vladimir Putin e Dmitri Medvedev -, mas quase meio milhar de pessoas exigiram ontem nas ruas da capital russa o fim das "mortes políticas", evocando o assassinato recente do advogado Stanislav Markelov e da jornalista Anastasia Baburova, abatidos a tiro a menos de mil metros do Kremlin.Activistas dos direitos humanos comparam a morte de Markelov e de Baburova aos assassinatos da jornalista Anna Politkvoskaia, a tiro em Moscovo, e do ex-agente secreto Alexander Litvinenko, envenenado em Londres - ambos há dois anos e ambos personae non gratae para as autoridades russas."Este homicídio é o último sinal de que a Rússia está voltar à repressão da era soviética, estamos a viver num Estado pós-totalitário", acusou o activista russo Lev Ponomariov durante o funeral de Markelov, em Moscovo, há pouco mais de uma semana.
Stanislav Markelov, de 34 anos, não era estranho a ameaças de morte. Antes dos tiros fatais de 19 de Janeiro, perto da estação de metro de Kropotkinskaia, este advogado - que defendia casos de direitos humanos na Rússia, muitos envolvendo crimes praticados por militares na Tchetchénia - recebera múltiplas ameaças.
E esse foi, de resto, o testemunho prestado pelos seus clientes ao Comité de Investigações da Rússia. O presidente daquele órgão de justiça, Alexander Bastrikin, avisou que o caso é "complicado", dada as numerosas ligações que as vítimas tinham.Medvedev ouviu a GazetaAs circunstâncias das mortes de Markelov e Baburov estão ainda por explicar, sem testemunhas.
Sabe-se tão--só que o advogado foi baleado por um único homem armado, à saída de uma conferência de imprensa onde protestara contra a atribuição de liberdade condicional, a 15 de Janeiro, ao antigo coronel do exército russo Iuri Budanov - condenado em Julho de 2003 a dez anos de prisão pelo estrangulamento mortal da jovem tchetchena Elza Kungaieva, de 18 anos.
Anastasia Baburova, de 25 anos, que acompanhava o advogado, terá tentado parar o atacante e acabou por ser também baleada. Morreria horas mais tarde, no hospital. Foi "testemunha acidental e vítima do crime", afirmaria a polícia. Era oriunda de Sebastopol, na Ucrânia, e escrevia sobre os movimentos políticos juvenis, com particular enfoque no neonazismo, para o Novaia Gazeta, jornal muito crítico do Kremlin. O mesmo para o qual trabalhava Politkovskaia quando foi abatida à porta de casa, em Outubro de 2006, com quatro tiros certeiros - três no peito e um na cabeça, o "tiro de controlo" dos assassinos profissionais.
As autoridades políticas russas mantiveram um silêncio quase total nas duas semanas que se seguiram a estas mortes, mas na passada quinta-feira, o Presidente russo, Dmitri Medvedev - que sucedeu a Putin em Maio - chamou ao Kremlin o director do Novaia Gazeta, Dmitri Muratov, a par de um dos co-proprietários da publicação, o ex (e último) Presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachov.Num relato feito ao correspondente da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade na Rússia, Muratov contou que o Presidente russo se absteve de fazer comentários sobre a morte do advogado e da jornalista: "Ele explicou que as suas palavras podiam ser interpretadas como uma directiva para seguir uma determinada linha de investigação. E, como advogado, disse ser fortemente contra isso".
Mas quis ouvir a perspectiva de Muratov, assim como a de Gorbachov, sobre o que designou como uma "tragédia". O director do Novaia Gazeta relata que insistiu com Medvedev sobre os perigos do emergente - e cada vez mais forte - movimento neonazi russo (75 imigrantes mortos entre Janeiro e Setembro de 2008, mais 57 por cento do que em 2007).
O chefe de Estado russo asseverou estar a seguir atentamente o fenómeno - "o mais perigoso que a Rússia enfrenta actualmente", avaliou ao director do jornal.
Armas para os jornalistasCom a morte de Baburova e Markelov, o co-proprietário do Novaia Gazeta e oligarca Alexander Lebedev - que comprou recentemente o vespertino britânico Evening Standard - afirmou que não podia "garantir a segurança" das pessoas que trabalham naquela publicação russa.Queria, por isso, que os Serviços Federais de Segurança russos (FSB, agência que sucedeu ao KGB) atribuís-sem licenças de porte de arma aos jornalistas, para que estes se possma defender. "Vamos fazer um pedido raro aos FSB: se não são capazes de garantir a nossa segurança, permitam que os nossos jornalistas tenham armas", desafiou Lebedeva. A sugestão foi liminarmente recusada pelas autoridades policiais de Moscovo.

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