da Sciences Humanines
Texto originalmente publicado na revista e cedido ao caderno Mais! da Folha de S.Paulo
"Poderíamos dizer que uma explicação intelectualmente satisfatória do nazismo é impossível", previne Ian Kershaw. "O fenômeno parece ultrapassar qualquer análise racional." Mais de 120 mil obras já foram escritas sobre Hitler.
Que lugar e que importância devemos atribuir a ele no interior do sistema nazista, no governo do Terceiro Reich, na elaboração da política contra os judeus e da política externa? Sobre essa questão, os historiadores se dividem entre "intencionalistas" e "funcionalistas".
Os intencionalistas dominaram as pesquisas no pós-guerra (principalmente com historiadores alemães como Friedrich Melnecke e Gerhard A. Ritter). Seus trabalhos são centrados na personalidade "demente" do Führer, seu poder ditatorial e seu antissemitismo.
Eles querem mostrar que a solução final é o resultado de um plano refletido e amadurecido que Hitler elaborou nos anos 1920 e formulou em "Minha Luta".
Outra forma de intencionalismo consiste em ampliar a intenção (do genocídio judaico) para o conjunto da população alemã.
Em 1996 o historiador americano Daniel J. Goldhagen publicou um livro que teve grande repercussão na Alemanha.
Ele declarou que havia um antissemitismo especialmente violento e profundamente enraizado entre os alemães, de modo que todos eles teriam sido cúmplices do Holocausto.
Desde os anos de 1970, porém, são as teses funcionalistas que vêm predominando na análise do nazismo, com, por exemplo, o historiador alemão Martin Broszet ou o inglês Ian Kershaw. Mais do que a vontade do ditador, eles destacam os fatores estruturais: as engrenagens e a lógica de um sistema que foi se radicalizando progressivamente.
Esse debate entre historiadores se deslocou e repercutiu de maneira passional com a "querela dos historiadores alemães", que inflamou a opinião pública e a mídia alemã ocidental no final dos anos 1980.
Em um artigo na revista "Die Zeit", o filósofo Jürgen Habermas protestou contra as teses "revisionistas" de certos historiadores (entre os quais Ernst Nolte), a quem acusou de querer relativizar o nazismo e a singularidade do Holocausto.
Às questões ética e histórica em jogo se somava um problema político: tratava-se de barrar o avanço da extrema direita alemã renascente. Os ataques disparados por vários historiadores contra os revisionistas atingiram seu alvo plenamente na Alemanha.
Na Alemanha reunificada, a memória do nazismo continua a ser uma memória exacerbada e sempre exposta a novas controvérsias.
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